quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

AS AVENTURAS DO DETETIVE CAMALEÃO - Parte 1

Fortunato Kid

Muito antes de exercer atividades na Secretaria Estadual de Segurança Pública, o Detetive Camaleão, título e cognome ainda inexistente no tempo ora contado, quando era conhecido somente pelo nome de batismo, Florisvaldo, ou Valdo, assim simplificado nos chamamentos familiares, já demonstrava suas extraordinárias aptidões vocacionais na área investigativa, valendo como prova sua argúcia no famoso caso da banana desaparecida, quando passou rápido de suspeito a culpado e foi surrado pela mãe por ter comido o último fruto do cacho, reservado ao pai no jantar, o pai que tanto fazia por merecer a guarda de uma singela banana, e surge de repente o cacho esvaziado de frutas, nem uma bananinha para contar história, ora, se a mãe não tinha dúvidas quanto à autoria do delito, só podia ter sido o Valdo, tanto por ser ele filho único, ninguém mais na casa, quanto pela evidência material do fiapo de banana preso em seus dentes, muito bem observado pelos olhos perscrutadores da mãe, indícios aparentemente irrefutáveis e inquestionáveis, mas Florisvaldo não deixaria a condenação transitar mansamente em julgado, mais ainda por temer a segunda pena, certamente a ser ditada na chegada do pai, do qual conhecia após tantas experiências amargas o exato peso das mãos, urgia, pois, uma solução desesperada, porém, robusta de argumentos sólidos, um tanto difíceis de conseguir se na casa somente eles três viviam, aliado ao fato da ausência do pai durante o dia, não havia jeito, a autoria do crime teria de ser repassada à mãe, pois, lição maior da atividade investigativa criminal, em todas as investigações é preciso inicialmente encontrar um culpado, de formato compatível e interesses razoáveis, para depois, então, buscar as evidências capazes de incriminá-lo, este o caminho correto a seguir, e não aquele pensado na inexperiência dos incautos de que a investigação leva ao criminoso, balela desde cedo percebida por Valdo que, sorrateiramente, escondeu cascas da banana debaixo do travesseiro da mãe, fato denunciado posteriormente com o alarde de uma grande descoberta, a deixar a pobre mulher apalermada, acreditando ter sido vítima de mais um daqueles persistentes ataques de sonambulismo, de histórico sobejamente conhecido da família e da vizinhança, e que agora acometia, inclusive, o tranquilo descanso da tarde, período que certamente comera o fruto e deixara as cascas sob o travesseiro como se ali fosse a lixeira, deve ter sonhado assim, os sonhos são estranhos, e, pior, oh meu Deus, ainda espancara o filho por algo não cometido, coitadinho, seria urgente uma visita ao médico antes que mal maior viesse a acontecer!

O sucesso da impostura no próprio seio familiar trouxe-lhe entusiasmada confiança, prenúncio do caminho profissional a percorrer, fruto de suas evidentes virtudes inquisitivas, e, com o tempo, suas ações investigatórias tomaram fama na rua em que morava, inicialmente tratadas por todos como divertimento, depois preocupação, até gerar o pânico entre os moradores, porque Florisvaldo tudo descobria de cada morador e denunciava incontinenti ao público local, levando em conta que, este o segundo mandamento das normas criminais, de nada vale um crime sem dar-lhe a publicidade devida, ou, então, o seguinte corolário de que o preço de um crime é sempre proporcional à repercussão de sua notícia, e isto vale do mais tímido delito, como sujar a calçada, aos mais graves, tipo adultério, crime que, naquele tempo de iniciante, provocava os maiores índices de audiência aos comentários do jovem Valdo, já considerado infalível nas descobertas e digno de absoluta confiança, não mais um reles fofoqueiro mas um consciente delator, e por isso passou a ser procurado por diversos moradores, provavelmente temerosos de serem futuros alvos da sua investigação, sendo agraciado com presentes e benemerências em troca do seu silêncio, ele que não tinha a menor ideia do enorme número de crimes existente na sua rua, e de suas variadas espécies e naturezas, comprovava-se, assim, o rico potencial de mercado do serviço investigatório, desde que exercido com uma eficaz estratégia de marketing de que todos carregam a culpa de algum pecado e este quanto mais escondido mais grave será, pelo menos aos olhos do próprio pecador.

Nem tudo corria bem na vida do jovem investigador, sobrando-lhe às vezes alguns pescoções e corridas desesperadas, mas aqueles que o surravam recebiam aos olhos do povo a confirmação implícita das acusações delatadas, atestando com o ato da surra a própria confissão, e neste aspecto, os percalços soavam positivos, mas Florisvaldo não gostava de apanhar e sentia-se envergonhado de correr nas ruas, perseguido por algum denunciado, porque a sua atividade deveria seguir junta ao poder e à força bruta, policial que apanha perde hombridade, terceira regra da profissão, percebida pelo jovem e motivo que o obrigou a contratar os serviços de um sujeito chamado Leitãozinho, um cidadão enorme, de nariz achatado, origem do apelido, que nada fazia, a não ser alguns biscates eventuais de limpeza de caixa de gordura, vadiando o dia a beber no botequim do seu Raimundo e a ouvir as histórias de Florisvaldo, seu ídolo, sempre chamado por Leitãozinho a sentar nas cadeiras dobráveis do bar, antecipadamente limpas da poeira com as esfregadas das calosas mãos do gigante, para contar os mais recentes resultados das investigações, os quais sempre lhe provocavam irradiantes gargalhadas, expressões de espanto e agitadas perguntas quando não entendia o contexto, Leitãozinho adorava o jovem Florisvaldo e chorou de emoção ao ser convidado para exercer as funções de segurança, surgindo furtivas lágrimas de seus olhos avermelhados pela bebida, mas, já se sentindo incorporado ao novo cargo de segurança, enfiou imediatamente a camisa para dentro da bermuda, levantou-se cambaleante da cadeira e de semblante fechado passou a vigiar o limitado espaço do bar, olhando desconfiado para todos que passavam na calçada, em frente ao estabelecimento.

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