domingo, 23 de janeiro de 2011

AS AVENTURAS DO DETETIVE CAMALEÃO - Parte 2

E assim Florisvaldo foi elevado à categoria de empresário, ou, na linguagem jurídica, microempreendedor informal, expressão adequada ao fato tendo em vista o diminuto porte do empreendimento e sem se revestir no manto do formalismo, não assina carteira de trabalho e remunera o empregado em equivalências de cachaça e de gorjetas eventuais, pois o empregado, Leitãozinho, não se importa com isso, ou melhor, nem pensa nisso, adora exercer o ofício de segurança e toda a manhã posiciona-se em frente ao bar do seu Raimundo, aguardando a chegada do chefe e olhando desconfiado todo mundo que passa, pois uma das lições ditas pelo patrão e por ele intensamente absorvida, é que não há ninguém inocente e se houver prova em contrário, a prova é falsa, ampliando-se os delitos praticados porque forjar prova é crime gravoso, quase obsceno, pior do que aquele que lhe deu motivo, querendo agora, além do crime original praticado, simular perante a autoridade e a justiça, quando mais fácil seria confessar e aguardar submisso a pena imposta, ainda mais se avaliasse com mais precisão as penalidades determinadas pelo detetive Valdo, tudo muito singelo, um dinheirinho aqui, um mimo ali, tudo ajeitado, tudo direitinho, nada de prisão, de violência, de encarcerar o criminoso, de castigá-lo na vara, nada disso, no código penal de Valdo havia somente a multa material, sem detenção ou prisão de corpo, como acontece na área da formalidade jurídica, bem melhor, portanto, ser flagrado por Valdo, e punido na justiça da informalidade mediante o pagamento de singela propina, tão branda que nem de propina deveria ser chamada, desculpe a expressão errada, seria mais uma penitência, ou uma simples paga em troca de humanitária indulgência, ou melhor ainda, o pagamento de um relevante serviço prestado, de alguém gastar seu tempo a investigar e depois procurá-lo para mostrar-lhe que o crime cometido não se apaga por si só na memória dos inditosos, lá fica latente na espera de ser lembrado por alguém ou confessado espontaneamente no confessionário da igreja ou na mesa de um bar, tanto faz o lugar, o que importa é o arrependimento, e o arrependimento se mede pelo valor da penitência paga.

Valdo não era exigente e recebia o que fosse possível receber, até mesmo transformar uma mesa do botequim do Seu Raimundo em estabelecimento, ou sede, de sua microempresa, bastando para isso uma simples observação dita reservadamente pelo detetive no ouvido do português de que o papel do Alvará de Funcionamento preso na parede já vencera há três anos, sem sinal de qualquer renovação, e se tal descuido administrativo chegasse ao conhecimento de Xavier, Fiscal de Posturas daquelas bandas, a multa seria pesada e, quem sabe, até um provável risco de fechamento do botequim, aspectos punitivos que não aconteceriam, a respeito disso Seu Raimundo dominava conhecimento, pois o Fiscal Xavier já estava por demais sabedor da situação, resultado de antigas diligências e resolvidas por meio de pagamentos mensais de um incentivo financeiro, calculado em trinta por cento do valor do tributo que deveria ser pago, um queria receber mais, outro queria pagar menos, até chegar ao consenso de trinta por cento, muito razoável para ambos se eles nada perdiam, o dinheiro é que seguiu caminho errado, em vez de cair na conta do governo foi parar nas mãos do Fiscal, coisa que costumeiramente acontece com o dinheiro público e ninguém reclama, mas o que Seu Raimundo nem Xavier poderiam imaginar seria o fato de aparecer alguém tão intrometido e curioso ao ponto de encostar o rosto na parede e ler o receituário do Alvará, notadamente as letrinhas miúdas de sua validade, ora, quem se dá ao trabalho de ler aviso pregado em bar, só mesmo o xereta do Valdo, intromissão a colocar em sério risco todos os acertos e arranjos firmados muito bem conduzidos até aquele momento pelo comerciante e o fiscal.

Em troca do silêncio, Seu Raimundo permitiu que Valdo passasse a usar uma mesa, esta representando a sede de sua empresa e ali recebesse convidados e clientes para dar conta do resultado de seus serviços, delatar os resultados ou fixar valores, tendo, ainda, Seu Raimundo o compromisso de servir gratuitamente todas as cachaças de Leitãozinho e os guaravitas de Valdo, que, em tal época, ainda não consumia bebidas alcoólicas, não por ser proibido a menores de idade, mas por não gostar do seu amargo, e, deste modo, liberando o comerciante de um custo maior no trato feito, vantagem não usufruída por Xavier, o Fiscal, agora procurado por Valdo e ser ameaçado de que as denúncias de corrupção seriam encaminhadas ao seu chefe na Prefeitura, o Senhor Jacinto, ameaça inicialmente achincalhada pelo Fiscal, que às gargalhadas mandava o moleque se catar, destratava o detetive apesar das advertências do Seu Raimundo, também por que certamente não sabia o Valdo que cinquenta por cento do arrecadado pelo fiscal era destinado ao chefe, e este quanto mais denúncias recebidas, mais lotada ficaria sua lixeira, pois essa foi a razão do grande susto de Xavier quando soube que uma carta anônima foi parar no gabinete de todos os vereadores da cidade com a descrição das falcatruas cometidas por ele e acobertadas pelo Chefe Senhor Jacinto, este imediatamente chamando às falas o fiscal pela ocorrência da denúncia, não que se preocupasse com os vereadores e possíveis inquéritos administrativos, e, sim, em razão do jogo administrativo político que aceita o espúrio, elogia o esquivo e destrói o apanhado em flagrante, ordenando, assim, que Xavier acertasse lá as contas com este menino Valdo e que o dinheiro saísse do seu bolso, nem pensar em reduzir a parte dele, porque, assunto que não interessava ao fiscal, mas bom saber que a parcela por ele recebida sofria também os seus desvios, coisas do partido e de futuras campanhas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário