domingo, 24 de abril de 2011

O Manicômio Fiscal

Era uma vez uma Prefeitura que possuía seis quadros fiscais. Havia a fiscalização tributária, lotada na Secretaria de Finanças; a fiscalização de posturas, na Secretaria de Urbanismo; a vigilância sanitária, na Secretaria de Saúde; a fiscalização de obras, na Secretaria de Obras; a fiscalização de meio ambiente, na Secretaria de Meio Ambiente; e a fiscalização de veículos de passageiros, na Secretaria de Transporte. Os demais Secretários, sem quadro fiscal em suas Secretarias, morriam de inveja e reclamavam ao Prefeito a injustiça de não possuírem fiscalização, pois, afinal, ter fiscalização dá mais poder e reconhecimento. E aquele negócio de “Poder de Polícia”, ah, também quero! Viviam afirmando ao Alcaide a violação flagrante do princípio da isonomia entre Secretários. Um deles ouvira essa expressão na discussão da ficha limpa e muito a apreciava.

O Prefeito, pertencente à ala Conchavista Apaziguadora do Partido, precisava, realmente, resolver o impasse. Fez-se uma reunião e o Presidente da Câmara Municipal, do mesmo Partido do Prefeito, mas de outra ala, a “Tomailá-dacá”, deu interessantes sugestões a resolverem tão aflitivo problema que, já diziam, de cunho constitucional. Como se sabe, a Constituição serve para tudo.

Para a Secretaria de Educação, seria criada a Fiscalização de Empregados Alfabetizados, já dotada de sigla, a FEA. Explicou: fariam uma lei que obrigasse a todos os estabelecimentos de atividades econômicas exigirem, no mínimo, o primeiro grau de ensino de seus empregados e assemelhados.  Ideia interessante... Mas, seria necessário um quadro fiscal que viesse a fiscalizar o cumprimento da lei. E sendo assim, a Secretaria de Educação teria o seu quadro fiscal e, importante, a cobrança de uma taxa de fiscalização aos estabelecimentos, pelo exercício do poder de polícia de seus fiscais. Ideia aprovada, porém, o Procurador Geral explicou que o quadro seria composto mediante concurso público, o que não agradou ao Secretário de Educação, mas acabou se contentando com a nomeação do Chefe da Fiscalização, cargo de confiança.

Para a Secretaria de Cultura, sugeriu-se a instituição de uma lei que punisse os estabelecimentos por fixarem cartazes e letreiros com erros de grafia e a exposição de textos ou palavras estrangeiras sem a correspondente tradução. Ideia genial! Todo mundo achou ótima. Um vereador presente chegou a confessar sua ignorância quando lia coisas como “I-Pad” e “Shopping Center”. “Urge uma tradução!”, gritou batendo na mesa, já treinando a discussão em plenário. Para fiscalizar o cumprimento da lei, evidente, ela própria estabeleceria a criação de um quadro fiscal, lotado na Secretaria de Cultura, e custeado por uma taxa de poder de polícia a ser cobrada dos estabelecimentos.  Alguém sugeriu o nome de “Fiscalização Ortográfica de Estabelecimentos”, mas esse nome foi vetado, porque não gostaram da sigla. Ficaria sem nome mesmo.

A Secretaria de Administração foi agraciada com uma proposta mais criativa ainda. Os servidores públicos municipais eram obrigados a cumprirem horário integral naquele Município e, deste modo, não podiam fazer bico ou ter outro emprego no comércio em geral. Havia, portanto, a necessidade de fiscalizar os estabelecimentos para averiguar se nestes eram encontrados servidores trabalhando em horário conflitante. Para tanto, uma lei bastaria, na qual se faria a previsão da multa aos estabelecimentos infratores, a criação do quadro fiscal responsável por tal fiscalização e a instituição de uma taxa de fiscalização a ser lançada contra os estabelecimentos. Nada mais justo e pertinente. A ideia foi aplaudida de pé. Ninguém mais quis saber de nome ou de sigla.

Restou a Secretaria de Controladoria que também queria um quadro fiscal. Pensa daqui, pensa de lá, surgiu a ideia: com tantos quadros fiscais em operação, e todos atuando em estabelecimentos, quem fiscalizaria os fiscais para constatar se estes estavam realmente exercendo os seus deveres? Sem dúvida, haveria a necessidade de a Prefeitura constituir um quadro fiscal para fiscalizar os demais quadros fiscais. Uma espécie de corregedoria, se assim é possível dizer. Alguns reclamaram, não queriam seus fiscais fiscalizados por outros fiscais, mas acabaram se conformando e a ideia foi aprovada. Não esqueceram em explicar que uma taxa seria instituída por tal exercício fiscal, a ser cobrada dos estabelecimentos.

E desta maneira, todas as Secretarias passaram a ter o seu quadro próprio de fiscalização. E todos viveram felizes para sempre... Menos os donos dos estabelecimentos.

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