sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Manicômio Fiscal XXIX

Cenário: Prefeito eleito, está na hora de formar a equipe. O Prefeito eleito recebe em sua casa o líder de um partido que apoiou sua candidatura.
Sobe o pano.
Prefeito eleito – Bem, vamos deixar as piadas de lado (eu não aguento mais de rir) e vamos tratar de negócios. Conforme combinamos antes, você tem a Secretaria de Educação, de Saúde e de Esporte...
Líder – Eu queria a Secretaria de Finanças...
Prefeito eleito – Finanças não! Eu falei desde o início que se eu fosse eleito o Secretário de Finanças seria escolha minha, particular!
Líder – E você já tem o nome?
Prefeito eleito – Bem... Eu não devia falar, mas, confidencialmente, vou te dizer: é um amigo ex-bancário, que já me quebrou grandes galhos na época que era gerente de banco. Perdeu o emprego exatamente por isso, coitado.
Líder – Está certo, não vamos discutir... É a hora da reciprocidade, não é mesmo?
Prefeito eleito – Sabia que você entenderia. Quem você tem para Secretário de Educação?
(O líder tira um papel do bolso)
Líder – Tenho aqui três nomes para indicar: Dona Pimpolha, minha secretária, gente fina e confiável. Professora Ritinha, lá da minha comunidade, dá aula de artesanato e todo mundo gosta dela. E Dona Amargosa, minha patroa.
Prefeito eleito – Sua patroa é professora?
Líder – Não, é do lar, mas manda pra cacete! Não dá mole pra ninguém!
Prefeito eleito – Escuta, eu conheço a Dona Amargosa e sei que você sofre nas mãos dela. Eu me lembro daquela vez que ela botou você pra correr a chineladas.
Líder – E na Câmara! Todo mundo viu! Quer prova maior do gênio dela?
Prefeito eleito – Eu não sei... Ela vai brigar com todo mundo...
Líder – Ela não briga! Ela bate em todo mundo! Mas, na verdade, eu prefiro que você nomeie a Pimpolha, minha secretária.
Prefeito eleito – Ô cara! Todo mundo sabe que a Pimpolha tem caso com você. Se eu nomeá-la a Dona Amargosa vai se enfurecer e partir pra cima da Pimpolha. E pode sobrar pra mim!
Líder – A primeira parte vai acontecer mesmo. Agora, brigar com você ela não vai não. Ela é fera, mas não é burra, sabe que em prefeito não se bate.
Prefeito eleito – Está certo, mas imagina a situação, Secretária apanhando da mulher do líder do governo! Esposa versus amante, uma confusão da peste!
Líder – E com risco da Pimpolha morrer! Amargosa quando bate é pra valer!
Prefeito eleito – Então! Piorou a zorra!
Líder – Mas esse é o esquema!
Prefeito eleito – Que esquema?
Líder – Amargosa mata Pimpolha. Amargosa é presa e eu fico livre da Pimpolha, que já está me incomodando.
Prefeito eleito – E é isso que você quer?
Líder – Claro! Fico livre das duas e você nomeia a Professora Ritinha. Você conhece ela?
Prefeito eleito – Não, não sei quem é.
Líder – Você vai conhecer! É uma coisinha linda. Uma gracinha!
Desce o pano.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Manicômio Fiscal XXVIII

Cenário: uma grande sala com mais de trinta mesas, todas ocupadas por servidores, e por entre elas um febril movimento de pessoas, portando documentos e processos, todos falando ao mesmo tempo, gritando alguma coisa, às vezes dando risadas e gargalhadas, uma barulheira infernal! Personagens: em uma das mesas, um servidor novato, aturdido e perplexo, sem ainda saber o que fazer. Aproxima-se outro servidor, já antigo.
Sobe o pano.
Antigo – Olá! Seja bem-vindo! Você trabalhava no Gabinete, não é?
Novato – O quê? Não ouvi!
Antigo (gritando) – Você trabalhava no Gabinete?
Novato – Isso! Fui mandado pra cá!
Antigo – Por quê?
Novato – Tive que ceder a minha mesa ao filho de um amigo do Prefeito.
Antigo – Entendo... Está gostando daqui?
Novato – Bem... É diferente... Muito barulho...
Antigo – Vai se acostumando... É muito trabalho!
Novato – É o quê?
Antigo – Muito trabalho!! Trabalho!!
Novato – É, já percebi, mas até agora não fiz nada!
Antigo – Você tem que entrar na roda! Tem que participar!
Novato – Mas não sei qual é a minha função, ninguém me disse nada!
Antigo – E ninguém vai dizer! Você tem que enfiar a cara!
Novato – Enfiar a cara aonde?
Antigo – Vai lá naquela mesa grande, pega um processo, examina, despacha, é assim!
Novato – Qualquer processo?
Antigo – Qualquer um! Vou te dar uma dica: pega processo grande, de capa velha! Processo pequeno, de capa nova, é uma merda!
Novato – Por quê?
Antigo – Ora, processo grande é só empurrar com a barriga, despacha qualquer coisa, ninguém vai resolver mesmo! Processo novo, você tem que instruir, dá um trabalho danado! E sempre tem alguém querendo saber dele!
Novato – Processo velho ninguém procura?
Antigo – Muito difícil! O interessado já desistiu ou já morreu.
Novato – Legal! Obrigado pela dica... Vou lá pegar um processo...
Antigo – Pega um bem grande, amarrado com barbante, capa rasgada, são os melhores.
Novato – Escuta, posso te perguntar uma coisa?
Antigo – Pergunta!
Novato – Desde que eu cheguei aquele sujeito lá, está vendo? Daquela mesa lá no fundo... Ele fica acenando pra mim, parece que está me chamando, quem é ele?
Antigo – Ah! Aquele é o chefe. Mas não se preocupa, finge que não vê.
Novato – Mas eu não tenho que falar com ele?
Antigo – Tem não! Ele vive chamando a gente, mas ninguém vai!
Novato – Mas não fica chato eu não atendê-lo?
Antigo – Olha, vou te dar outra dica: não dá mole pra chefe não!
Novato – Por quê?
Antigo – Porque chefe tem mania de dar ordens! E se você bobear, ele vai te encher de processo novo, entendeu?
Novato – E se ele vier até aqui falar comigo? Não vai ficar chato?
Antigo – Ah, ah! Este perigo você não corre! Ele não deixa aquela mesa de jeito nenhum!
Novato – Por quê?
Antigo – Porque alguém pode ver a mesa vazia e pegar o lugar dele! Entendeu o esquema?
Desce o pano.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Manicômio Fiscal XXVII

Cenário: Sala de Atendimento Fiscal da Prefeitura. Personagens: Atendente e Cidadão.
Sobe o pano.
Atendente – Bom dia, em que posso servir?
Cidadão – Eu recebi esta conta de luz da minha casa e veio a cobrança de iluminação pública... está vendo aqui? Essa cobrança não foi cancelada pela Justiça?
Atendente – Esta não. A Justiça proibiu a cobrança da TIP e esta que o senhor recebeu é da COSIP.
Cidadão – Então, basta mudar de nome e passa a valer?
Atendente – Não senhor! A TIP era uma taxa e a COSIP é uma contribuição.
Cidadão – E qual é a diferença se o efeito é o mesmo?
Atendente – Bem, a taxa é um tributo que se cobra pelos serviços públicos personalizados e pelos serviços de fiscalização. A contribuição já é outro tipo de tributo, mais amplo, pode ser cobrado em cima de qualquer atividade, entendeu?
Cidadão – Mais ou menos... Então, o Governo pode criar contribuição para qualquer coisa?
Atendente – Exatamente, mas tem que constar na Constituição Federal. Se não estiver lá o Governo não pode cobrar.
Cidadão – E essa tal de COSIP está na Constituição?
Atendente – Está! O Congresso aprovou uma emenda na Constituição, depois que a TIP foi considerada ilegal.
Cidadão – Ah, estou entendendo... Como não podiam mais cobrar a TIP, inventaram a COSIP, é isso?
Atendente – É... É mais ou menos isso...
Cidadão – Bem, como o resultado é o mesmo, provavelmente a Justiça também vai proibir a COSIP, não é?
Atendente – Não senhor! O Supremo Tribunal Federal considerou a COSIP perfeitamente legal.
Cidadão – Por quê?
Atendente – Porque a COSIP está prevista na Constituição, com essa emenda...
Cidadão – Ora, dessa maneira qualquer tributo ilegal pode passar a ser legal... Basta enfiar na Constituição!
Atendente – Não é bem assim! Afinal, a Constituição diz que só o Governo Federal pode criar contribuições.
Cidadão – Mas essa COSIP não é municipal? Como foi que passou?
Atendente – Bem... Aí já não sei responder ao senhor... Coisa de política...
Cidadão – Meu Deus! Me diz uma coisa aqui entre nós... Podemos correr o risco de inventarem mais contribuições?
Atendente – Olha, aqui entre nós, já estão fofocando sobre a CPMF, o senhor leu nos jornais?
Cidadão – Isso mesmo! Eu li nos jornais... O senhor acha que vem mais coisa por aí?
Atendente – Olha, muito em particular, a taxa de limpeza pública foi considerada ilegal... Vai daí...
Desce o pano.