terça-feira, 8 de novembro de 2011

Manicômio Fiscal XXXII

Cenário: Gabinete de uma autoridade da Prefeitura. Personagens: autoridade e servidor público.
Sobe o pano:
Servidor (na porta) – O senhor dá licença?
Autoridade – Oh! Como vai? Entre!
Servidor – Desculpe incomodá-lo, mas serei breve.
Autoridade – Em que posso ajudá-lo?
Servidor – Na verdade, em nada. Eu quero entregar ao senhor o meu pedido de exoneração...
Autoridade – Exoneração!! Você está saindo da Prefeitura?
Servidor – Estou sim.
Autoridade – Mas, por quê?
Servidor – Bem... Estou cansado, desanimado, desmotivado... Este é o motivo.
Autoridade – Você não pode fazer isso! Você é o melhor que eu tenho!
Servidor – O senhor me desculpe, mas não tenho a mínima ideia ou interesse em saber se sou o melhor ou o pior. Eu vou embora...
Autoridade – O problema é salário? Posso conseguir uma gratificação...
Servidor – Não senhor! O problema não é salário... É desânimo...
Autoridade – Desânimo? Pois é você que toca tudo, que cria tudo, que faz a coisa andar! Você é uma exceção no meio de uma turma de parvos, de indolentes, que vivem sem interesse, sem saber o propósito daquilo que estão fazendo!
Servidor – E talvez estejam certos... Cumprir a rotina, trabalhar sem se preocupar, escapulir quando podem, conseguir licença médica sem estar doente, ficar namorando no telefone, fazer hora no café, fazer fofoca, falar mal dos outros, reclamar do salário, criticar político, incentivar greve, pedir favores ao chefe... Finalmente, eu estou entendendo tudo...
Autoridade – Entendendo o quê?
Servidor – Que a esmagadora maioria age assim e a maioria está sempre certa. As exceções estão erradas, somos ingênuos em pensar o contrário.
Autoridade – O que você está falando não tem sentido. Sempre tem que existir alguém pra levar e conduzir o resto.
Servidor – A troco de quê, o senhor pode me responder?
Autoridade – Ora! A troco da eficiência, da melhoria, do aprimoramento dos serviços!
Servidor – E o senhor acha que alguém está se preocupando com isso?
Autoridade – Claro que sim! Eu, por exemplo, me preocupo!
Servidor – Eu sei, mas o senhor também é uma exceção, e as exceções não contam. O que conta é a mediocridade da maioria e esta mediocridade passa a ser a regra geral aceita e firmada como forma ideal de conduta.
Autoridade – Se pensarmos assim o mundo não progride, não desenvolve.
Servidor – E o senhor acha que a maioria pensa em progresso e desenvolvimento? Não senhor! Ao contrário, nós somos chatos e presunçosos na visão da maioria.
Autoridade – Eles têm é ciúme da gente, porque somos sérios, responsáveis e diligentes!
Servidor – O senhor está completamente enganado. Eles não têm ciúme da gente, eles têm desprezo do nosso esforço e ironizam os nossos atos.
Autoridade – Bem... Já vi que não adianta discutir com você. Saindo daqui, você vai fazer o quê?
Servidor – Minha família tem uma pequena propriedade rural. Vou viver lá, cuidar de horta, criar algumas galinhas e pescar.
Autoridade – Puxa, adoro pescar... Lá tem rio bom de peixe?
Servidor – O rio não é muito largo, mas é profundo, manso e sem correnteza, muito piscoso, já pesquei tucunaré de dois quilos.
Autoridade – Puxa... Tucunaré... Você sabe se lá tem alguma propriedade pra vender?
Desce o pano.

domingo, 6 de novembro de 2011

Manicômio Fiscal XXXI

Cenário: sala de um dos assessores do Chefe de Gabinete do Secretário-Geral de um Ministério. Personagens: Assessor e um Prefeito.
Sobe o pano.
Prefeito – Boa tarde, senhor assessor! Eu marquei essa entrevista há oito meses atrás e recebi ontem o recado que o senhor podia me atender hoje.
Assessor – Sente-se, por favor. O senhor é Prefeito de qual Município... pra eu anotar aqui...
Prefeito – Sou Prefeito de Muriçoca do Brejo, lá das Minas Gerais.
Assessor (digitando no computador) – Ah, perfeito... está anotado... em que posso servi-lo?
Prefeito – Estou precisando de uma verbinha, coisa à toa, pra ajudar em alguns serviços públicos. Andei analisando o IDH da minha terra e vi que o índice ainda é baixo em serviços públicos, tipo arruamento, limpeza pública, essas coisas...
Assessor – Nós temos vários tipos de verbas, mas todas elas visam o crescimento econômico do Município. Muriçoca do Brejo tem potencial econômico?
Prefeito (coçando o queixo) – Bem... é claro que tem! Nós temos leite, fazemos manteiga, queijo...
Assessor – Tem grandes indústrias? Uma grande cooperativa de leite?
Prefeito – Bem... isso não temos não senhor, mas, quem sabe, um dia...
Assessor – Qual é a população do seu Município?
Prefeito – Bom... mais ou menos uns cinco mil habitantes...
Assessor – Cinco mil? Muito pouco, muito pouco... Se tivesse uma indústria, muita chaminé, nós temos verba para combater a poluição...
Prefeito – É, mas poluição não tem não senhor... eu preciso de um dinheirinho pra melhorar o IDH...
Assessor – A sua cidade já tem problemas com tráfico de drogas, maconha, cocaína, crack... temos verba pra ajudar os drogados...
Prefeito – Esse tipo de coisa não tem não senhor... tem uns pinguços, tem fumantes de cigarro de palha...
Assessor – Pra isso não temos verbas... Tem muito assalto a mão armada? Tem verba pra ajudar na segurança pública...
Prefeito – Certa vez, anos atrás, um caseiro roubou o patrão com uma foice na mão... isso serve?
Assessor – Não, foice não... tem que ser arma de fogo... tem muito acidente de atropelamento? Temos verba para ordenar o trânsito...
Prefeito – Outro dia uma carroça de boi quase atropela o meu vice... ele também está velhinho e enxerga pouco, coitado.
Assessor – Assim está difícil... o senhor precisa estimular o desenvolvimento econômico do Município.
Prefeito – Pra quê?
Assessor – Pra depois a gente entrar com dinheiro para combater os males do desenvolvimento, entendeu?
Prefeito – Mais ou menos... o senhor, então, não tem um dinheirinho pra ajudar nos serviços públicos?
Assessor – Bem, é difícil... de quanto o senhor precisa?
Prefeito – Ah, uns cem contos resolve...
Assessor – Cem mil reais? Ora, Prefeito, aqui só trabalhamos com verba acima de um milhão!
Prefeito – Um milhão? O que vou fazer com tanto dinheiro?
Assessor – O senhor por acaso já fez um projeto para obter uma verba?
Prefeito – Projeto? Não senhor.
Assessor – Pois é! O senhor vai ter que contratar uma firma de consultoria, advogados, despachantes, um escritório de representação aqui em Brasília, talvez uma ONG pra tocar o projeto... quanto o senhor pensa que vai sobrar num projeto de um milhão?
Prefeito – Uns cem contos?
Assessor – Por aí, talvez menos, talvez menos...
Desce o pano.