domingo, 29 de maio de 2011

Manicômio Fiscal VIII

Sobe o pano. Cenário: Setor de Atendimento da Prefeitura. Personagens: Atendente e Cidadão.

Cidadão – Eu trouxe os documentos que vocês pediram para requerer o Alvará de Funcionamento do meu escritório.
Atendente – Vamos ver os documentos... Cópia autenticada do contrato de aluguel; certidão negativa do IPTU; habite-se do prédio; cópia autenticada da identidade e do CPF do proprietário; laudo do Corpo de Bombeiros... Tudo correto... Agora, os documentos do senhor: certidão negativa de débitos da União, do Estado, do Município, do FGTS; cópia autenticada de inscrição no órgão de classe; certidão negativa da Justiça; cópia autenticada da identidade e do CPF; comprovação de domicílio; comprovação do Sindicato; comprovação de ter votado nas últimas eleições; declaração de idoneidade; declaração que não emprega menores, declaração que não é homófobo; declaração de que não fuma em ambiente fechado; declaração de que não dirige alcoolizado; declaração de que protege o meio ambiente; declaração de que não faz piada de português; declaração de que todas as demais declarações são verdadeiras; e o comprovante do pagamento da taxa. Ufa! Está tudo aqui.
Cidadão – Ah, felizmente! Levei uns três meses para juntar todos esses documentos... Posso, então, levar o Alvará? Eu preciso começar a trabalhar!
Atendente – Ainda não. O senhor tem que procurar a Vigilância Sanitária para obter o Alvará da Saúde.
Cidadão – Outro Alvará?
Atendente – Isso mesmo.
Cidadão – Mas a Prefeitura não é uma só?
Atendente – É uma só, mas tem diversos órgãos. E se prepara... O pessoal de lá é antipaticíssimo!

Segundo cenário: sala de atendimento da Vigilância Sanitária.

Cidadão – Bom dia, eu preciso tirar o Alvará da Saúde para abrir o meu escritório.
Atendente – Perfeitamente. O senhor tem que trazer todos os documentos descritos nesse formulário.
Cidadão (lendo) – Cópia autenticada do contrato de aluguel, certidão negativa do IPTU... Minha senhora, esses documentos são exatamente iguais aos que entreguei no Cadastro. Basta pedir lá ou ver o processo.
Atendente – São áreas independentes, meu senhor! Nós não temos nenhuma relação com eles.
Cidadão – Mas não é tudo Prefeitura?
Atendente – Por questão política! Nós somos do SUS e obedecemos à lei do Estado!
Cidadão – Então, tenho que fazer tudo de novo?
Atendente – Isso mesmo! E vou lhe dar uma dica... Faz logo dois conjuntos, porque o Meio Ambiente também vai pedir os mesmos documentos.
Cidadão – Meio Ambiente? Serão três Alvarás?
Atendente – Isso mesmo, três Alvarás, três taxas, três fiscalizações. E é melhor o senhor andar depressa...
Cidadão – Por quê?
Atendente – Olha, não diz que fui eu que falei, mas eu soube que a Secretaria de Urbanismo está querendo emitir um Alvará também.

Desce o pano.

Manicômio Fiscal VII

“É inadmissível a interdição de estabelecimento
 como meio coercitivo para cobrança de tributo”
(Súmula 70 do Supremo Tribunal Federal)

Sobe o pano. Cenário: Repartição da Prefeitura. Personagens: Fiscal e Contador.

Contador – Bom dia, eu sou Contador na cidade de Quiproquó, mas tenho um cliente daqui. Ele recebeu uma notificação para apresentar o Alvará de Funcionamento... Aqui está ele.
Fiscal – O motivo da notificação é porque este Alvará não serve mais. O exercício já acabou e é preciso renová-lo.
Contador – Por quê? Os dados do Alvará permanecem iguais.
Fiscal – Porque a lei daqui exige renovação do Alvará todos os anos.
Contador – Por quê? O Alvará não está correto?
Fiscal – Perdeu a validade, tem que ser renovado.
Contador – Estranho... Em Quiproquó o Alvará é definitivo...
Fiscal – Mas aqui não, tem que ser renovado a cada ano.
Contador – E como eu faço para renovar o Alvará?
Fiscal – É fácil! Basta pagar a taxa de fiscalização anual, trazer o comprovante que entregamos o Alvará novo.
Contador – Mas eu não posso pagar a taxa e manter o mesmo Alvará?
Fiscal – Não! Tem que renovar o Alvará.
Contador – E se eu não renovar o Alvará?
Fiscal – O estabelecimento sem Alvará é considerado clandestino e será interditado.
Contador – Huum... Estou entendendo o motivo... É uma forma de fazer o contribuinte pagar a taxa.
Fiscal – Bem... Se visto por esse ângulo...
Contador – E tem outro ângulo? Se a taxa não for paga a Prefeitura não pode fechar o estabelecimento, estou certo?
Fiscal – Certíssimo! Cobrança de tributo só pela via judicial.
Contador – Mas, se eu deixo de renovar o Alvará a Prefeitura pode fechar a loja do meu cliente, estou certo?
Fiscal – Certíssimo! O Estabelecimento não pode funcionar sem Alvará.
Contador – Então a renovação do Alvará é apenas uma simulação para exigir o pagamento da taxa.
Fiscal – Bem... É o que manda a lei.
Contador – Pode-se dizer que estamos tratando de um simulacro, um engodo.
Fiscal – O senhor é que está dizendo...
Contador – E se o contribuinte não tiver dinheiro no momento, para pagar a taxa?
Fiscal – Não renovaremos o Alvará e o estabelecimento será interditado.
Contador – Então, não tem outro jeito?
Fiscal – Não, senhor. O Alvará tem que ser renovado.
Contador – Bem, sendo assim, e me dará muito trabalho sair de Quiproquó e vir aqui todos os anos, o senhor pode, por favor, me vender um Alvará com validade para cinco anos? Calcula o valor taxa por cinco anos e eu pago tudo agora...
Desce o pano.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Manicômio Fiscal VI

Sobe o pano. Cenário: Gabinete do Prefeito de Betuminoso. Personagens: o Prefeito, um Vereador e o Secretário de Fazenda.

Prefeito – Meu Vereador favorito!! Você sabe que preciso do seu apoio na aprovação do Código Tributário. Conto com você!!
Vereador – O senhor sabe que pode sempre contar comigo! Mas eu pedi essa reunião com o senhor porque tem umas coisas complicando a aprovação...
Prefeito – A gente resolve, a gente resolve, o que te aflige meu Vereador?
Vereador – Bem, o Dr. Salamandra veio falar comigo... Está nervoso... O senhor conhece o Salamandra, o dono do hospital...
Prefeito – Claro que conheço! É meu amigo do peito!
Vereador – Pois é. Ele disse que pagar esse tal de ISS sobre a receita bruta é um absurdo. Afinal, ele não ganha isso tudo, tem despesas de remédios, de comida, de luz, de empregados, tem um monte de despesas... Como vai pagar o ISS pela receita bruta?
Prefeito – Ta aí... Até que tem razão... Um pedido justo, não acha Secretário?
Secretário – Prefeito... O ISS é pelo valor bruto...
Prefeito – Valor bruto que entra no bolso do sujeito! E não o valor bruto que fatura, ora, não é assim Vereador?
Vereador – É isso que ele diz, Prefeito.
Prefeito – O pleito não é justo, é justíssimo!!! Está aprovado!
Secretário – Prefeito, cuidado com a isonomia...
Prefeito – E quem vai ligar pra essa coisa! Se alguém isomiar eu isomio na frente! É por isso que sou Prefeito! Eu tenho a caneta, não é mesmo Vereador?
Vereador – Afirmativo, Prefeito, afirmativo. Está fechado, então?
Prefeito – Fechadíssimo! Anota aí, Secretário. Tem mais alguma coisa?
Vereador – Tem sim. O senhor sabe que eu moro no Condomínio Pavão Maravilhoso...
Prefeito – Me disseram e eu não acreditei! O lugar mais luxuoso de Betuminoso! Como é que você conseguiu, Vereador?
Vereador – Bem, o senhor sabe que ganhei na loteria uns dois anos atrás, até te emprestei uma graninha, o senhor lembra?
Prefeito – Claro que lembro! Falou bem, uma graninha...
Vereador – Que o senhor até hoje não me pagou...
Prefeito – Isso é outra história, mas vamos lá, o que tem o Condomínio Pavão Maravilhoso?
Vereador – O senhor sabe que todos os condôminos só compraram o terreno, o lote, e a construção foi por nossa conta. Agora, essa lei quer cobrar o IPTU de tudo, do terreno e da construção. Isso não é justo, Prefeito. Afinal, fomos nós que construímos. O IPTU devia ser só do terreno...
Prefeito – Huuum, é justo, vocês vão pagar de uma coisa que vocês mesmo construíram... Isso está errado, não é mesmo, Secretário?
Secretário – Prefeito, o IPTU incide sobre o valor venal...
Prefeito – Mas nem todo mundo que mora lá é venal, Secretário! Ora, os venais que paguem, mas não as pessoas corretas, como o nobre Vereador aqui!
Vereador – Se tem algum venal lá que a polícia bote na cadeia!
Prefeito – Cuidado, Vereador, cuidado com o que fala... O Ministério Público acha que todo político é venal, o senhor sabe.
Secretário – Estou falando do valor venal...
Prefeito – Valor venal, valor moral, tudo depende da lei! Anote aí, IPTU do Pavão Maravilhoso só do valor moral, Os venais que se lasquem!!
Vereador – Então está fechado?
Prefeito – Fechadíssimo!! Aliás, quanto te devo daquela graninha que você me emprestou?
Vereador – Xii Prefeito, até já esqueci o valor. Não esquenta não.
Prefeito – Então, assunto encerrado. Mais alguma coisa, Vereador?

Desce o pano.

Manicômio Fiscal V

Sobe o pano. Cenário: Repartição da Prefeitura. Personagens: Atendente e Cidadão.

Cidadão – Boa tarde! Eu quero pintar a minha casa e consertar o telhado, e me disseram que tenho de pedir licença à Prefeitura...
Atendente – Isso mesmo! O senhor preenche esse formulário e dá entrada no protocolo. Pode preencher ali na parede... se a caneta falhar, molha a ponta na língua, eu sempre faço isso, hi-hi-hi. Quando o senhor terminar traz aqui pra eu ver.
(O cidadão, com muita dificuldade, preenche o formulário)
Cidadão – Aqui está o formulário. Alguns dados não consegui preencher...
Atendente – Quais foram?
Cidadão – O nome do Engenheiro. Eu não vou contratar Engenheiro.
Atendente – Não vai!? E quem vai ser o responsável técnico?
Cidadão – Ora... Eu mesmo vou pintar a casa e o Zé Bode vai consertar o telhado.
Atendente – O Zé Bode é Engenheiro?
Cidadão – Não!! É um quebra-galho lá da rua. A senhora sabe, quando ele não bebe até que trabalha bem.
Atendente – O senhor vai ter que contratar um Engenheiro.
Cidadão – Mas é pouca coisa! Uma pinturinha de cal, uns caibros novos, algumas ripas...
Atendente – Desculpe, mas são ordens da casa. O senhor também não escreveu o número do registro da escritura, é obrigatório.
Cidadão – Escritura? Eu não tenho escritura, sou posseiro há mais de quarenta anos.
Atendente – Olha, assim está muito difícil a Prefeitura autorizar a reforma. Outra coisa, o senhor tem que juntar certidão negativa do IPTU.
Cidadão – Ah, isso eu consigo. A senhora sabe, eu pago religiosamente o IPTU. A senhora pode ver aí no computador.
Atendente – Estou vendo aqui, está tudo direitinho, mas eu preciso da certidão negativa.
Cidadão – E onde consigo essa certidão?
Atendente – Lá na Secretaria da Fazenda. O senhor preenche um requerimento e protocola. Em um mês, no máximo, a certidão já estará pronta.
Cidadão – Um mês!? Mas eu quero começar a obra amanhã!
Atendente – Huum... Não aconselho não. Se o Fiscal pegar vai te multar. De qualquer modo, o senhor vai lá no caixa e paga a taxa de reforma, são cinquenta reais.
Cidadão – Mas eu tenho que pagar essa tal de taxa?
Atendente – Tem, sim senhor. E para adiantar, o senhor paga logo a taxa da certidão, são mais cinquenta reais.
Cidadão – Minha senhora! Isso vai ficar mais caro que a reforma.
Atendente – São ordens da casa. O senhor faz isso e depois volta aqui para dar entrada no requerimento, mas, posso lhe dar uma dica?
Cidadão – Sim, é claro!
Atendente – Eles não vão aprovar sua reforma, mesmo que pague as taxas.
Cidadão – Por quê?
Atendente – O senhor não tem escritura, não tem Engenheiro... Eles são muito rígidos com isso.
Cidadão – Então, o que eu devo fazer?
Atendente – Ah faz a sua reforma e deixa a Prefeitura pra lá.
Cidadão – E se o Fiscal me pegar?
Atendente – Que Fiscal? A gente não tem Fiscal, hi-hi-hi.

Desce o pano.

domingo, 22 de maio de 2011

Manicômio Fiscal IV

Sobe o pano. Cenário: repartição fiscal. Personagens: o Fiscal e o Contribuinte.

Contribuinte – Eu queria saber em qual Município tenho que recolher o ISS.
Fiscal – Então é assim, a sua firma é estabelecida no Município de Sinhozinho e prestou serviço aqui em Tinhorão Verde, está certo?
Contribuinte – Está certo.
Fiscal – Então é assim, sendo a sua firma estabelecida em Sinhozinho o ISS deve ser pago lá, mas como o serviço foi prestado aqui, o senhor deve também pagar o ISS aqui, em Tinhorão Verde.
Contribuinte – Mas eu tenho que pagar o imposto nos dois lugares?
Fiscal – Então é assim, a lei diz que o ISS é devido no estabelecimento prestador...
Contribuinte – Em Sinhozinho...
Fiscal -... Mas o estabelecimento prestador foi aqui, em Tinhorão Verde.
Contribuinte – O estabelecimento não fica em Sinhozinho?
Fiscal – Então é assim, o estabelecimento fica em Sinhozinho, mas o estabelecimento prestador fica aqui, em Tinhorão Verde.
Contribuinte – Então, são dois estabelecimentos?
Fiscal – Então é assim, em Sinhozinho temos o estabelecimento da firma; em Tinhorão Verde temos o estabelecimento prestador.
Contribuinte – Mas eu não tenho estabelecimento em Tinhorão Verde!
Fiscal – Então é assim, onde o senhor prestou o serviço?
Contribuinte – Ora, na firma do meu cliente.
Fiscal – Então é assim, o estabelecimento é do seu cliente, mas passou a ser estabelecimento prestador do seu serviço.
Contribuinte – Desse jeito, eu tenho que pagar o ISS duas vezes. Não é bitributação?
Fiscal – Então é assim, o ISS deve ser pago no local do estabelecimento e no local onde foi prestado o serviço.
Contribuinte – É isso que estou dizendo, é uma bitributação.
Fiscal – Então é assim, em Sinhozinho paga por causa do estabelecimento; em Tinhorão Verde paga por causa do estabelecimento prestador.
Contribuinte – Pois estou sendo cobrado duas vezes.
Fiscal – Então é assim, o ISS pode ser cobrado até três ou mais vezes.
Contribuinte – Três vezes!!
Fiscal – Então é assim, se o senhor tivesse filial em outro Município, pagaria o imposto lá também. Não importa o nome do estabelecimento, se filial, agência, escritório, onde o senhor tiver estabelecimento o ISS será cobrado.
Contribuinte – E se eu não tiver estabelecimento nenhum?
Fiscal – Então é assim, se não tiver estabelecimento, o ISS será pago no primeiro Município que lhe pegar.
Contribuinte – Mas isso é uma loucura...
Fiscal – Então é assim...

Desce o pano.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Manicômio Fiscal III

Levanta o pano. Cenário: o setor de Plantão Fiscal da Prefeitura. Sentado em frente à mesa um Auditor e diante dele um modesto cidadão.

Cidadão – Eu fui pegar o habite da minha casa que construí, mas me mandaram falar com o senhor.
Auditor – Hum... Deve ser referente a este processo que acabo de receber da Secretaria de Urbanismo.
Cidadão – É esse mesmo, eu vi lá, de capa azul escuro...
Auditor – Todos são de capa azul escuro...
Cidadão – Mas o meu tem essa mancha de café aqui na frente, o canto está rasgado, e, olha só, escreveram uma receita de vatapá aqui nas costas, está vendo?
Auditor – Está bom, está bom. Pois bem. Vamos ver... A peça exordial está incompleta...
Cidadão – Não está não senhor! Eu exordiei tudo, a sala, o quarto, a cozinha, a casinha está exordiada que nem um brinco.
Auditor – O senhor, por exemplo, não identificou o quantum debeatur.
Cidadão – Isso é fácil: cada cômodo tem quatro cantos todos debeatados, posso garantir ao senhor.
Auditor – O senhor não está entendendo o conspecto deôntico da hermenêutica.
Cidadão –  Eu fiz a casa de concreto e o cimento não era Mauá, mas não era hermeneuta, não senhor.
Auditor – Bem, não importa, eu preciso calcular o ISS da obra...
Cidadão – O INSS? Ah, eu já fui lá e me disseram que não precisa pagar, é casa pequena...
Auditor – Não é INSS, é ISS.
Cidadão – Ah, é outra coisa, o senhor não sabe o susto que levei agora. Posso levar o habite?
Auditor – O senhor tem que pagar o ISS antes. Qual é o tamanho da área edificada?
Cidadão – Bem, é um caixotinho, tem vinte por vinte.
Auditor – Então, tem quarenta metros quadrados... O material que o senhor usou é de primeira?
Cidadão – Sim senhor! Tudo de primeira! Nunca tinha sido usado, não senhor! Comprei tudo lá na loja do Macarrão, ele pode provar!
Auditor – Quantos operários trabalharam na edificação?
Cidadão – Deixa eu ver... Quando eu bati a laje, chamei o Zé Torto, já aposentado; o Palito, que não trabalha por causa da magreza, mas adorou o angu que a minha mulher fez; o Botija, que cata lata na rua, muito gordo pra ser operário; acho que não tinha nenhum operário não.
Auditor – Mas o senhor já citou três, não teve mais ninguém?
Cidadão – Teve mais eu, a Ludica, minha filha, o Bilé, filho da comadre. E minha mulher ficou fazendo o angu, que ajuda muito.
Auditor – Está certo. Foram, então, sete operários e levando em conta o custo de construção... Deixa eu ver aqui, na tabela do sinduscon... Pronto! O ISS será de trezentos e quatorze reais e vinte oito centavos. Posso fazer a guia?
Cidadão – Guia pra quê?
Auditor – Para o senhor pagar o ISS! O senhor está passando mal? Está pálido, quer um copo d’água?
Cidadão – Não precisa não, doutor, já estou me refazendo... Me diga uma coisa, se eu não pagar esse tal de ISS, o Prefeito vai derrubar a minha casa?
Auditor – Claro que não, mas o senhor não recebe o habite-se.
Cidadão – E se eu não tiver o habite, o Prefeito derruba a minha casa?
Auditor – Não, mas o senhor não vai poder inscrever a sua casa no Cadastro.
Cidadão – E pra que serve inscrever a casa no cadastro?
Auditor – Ora, para legalizar, para o senhor pagar o IPTU.
Cidadão – Hem!? Ainda vou ter de pagar esse pitu aí? Adeus, doutor!
Auditor – Espera aí!! O senhor não pode levar o processo!!! Pega esse homem! Pega esse homem!

Desce o pano.

Manicômio Fiscal II

Levanta o pano. Cenário: a repartição de contas a pagar da Prefeitura. Personagens: a servidora atendente e o cidadão atendido.

Cidadão – Bom dia, eu prestei um serviço para a Prefeitura e vim trazer a nota fiscal para juntar no processo de pagamento.
Servidora – Ah, esta nota não serve, tem que ser nota fiscal eletrônica, entendeu?
Cidadão – Mas não tenho nota fiscal eletrônica. O Município onde fica a minha empresa ainda não adotou a nota fiscal eletrônica.
Servidora – Ah, que pena, esta não serve. Só pode ser eletrônica, entendeu?
Cidadão – Desculpe, mas a senhora é que não está entendendo. A minha empresa não é daqui, é de outro Município, lá ainda não tem nota fiscal eletrônica.
Servidora – Ah, mas o senhor não veio prestar serviço aqui? Então tem que atender a lei daqui, entendeu?
Cidadão – Não! Não entendi minha senhora. A minha empresa é inscrita em outro Município, é lá que tem sede, é lá que paga os impostos.
Servidora – Ah, por que então veio prestar serviço aqui, no meu Município, entendeu?
Cidadão – Porque o seu Município fez uma licitação, a minha empresa concorreu e ganhou, foi por isso.
Servidora – Ah, mas a partir do momento em que veio prestar serviço aqui, tem que cumprir as normas daqui, entendeu?
Cidadão – Mas eu não posso cumprir as normas daqui porque não sou daqui!!
Servidora – Ah, que confusão... Infelizmente não posso fazer nada, são normas da casa, entendeu?
Cidadão – Mas, minha senhora, eu prestei o serviço, fiz tudo direitinho, como vou receber o pagamento, pelo amor de Deus!
Servidora – Ah, estou pensando... Eu quero resolver o seu problema, entendeu?
Cidadão – Por favor, dá um jeitinho...
Servidora – Ah, já sei! Pega essa nota fiscal, escaneia e envia pela Internet. Vai virar nota fiscal eletrônica, entendeu?
Cidadão – Sim... Entendi perfeitamente... Vou fazer isso... Muito obrigado...
Servidora – De nada, entendeu?

Desce o pano.

sábado, 7 de maio de 2011

Politicamente incorreto


Quem escreve deve tomar um grande cuidado com as palavras, isso não é novidade, todo mundo sabe. Mas, de um tempo para cá, palavras ou expressões antigamente escritas e aceitas, hoje são politicamente incorretas, podem provocar punições, cadeia e a execrável pessoa ser torturada para confessar odiosos e perversos pensamentos, escondidos nos sombrios recônditos do cérebro e muito bem camuflados nos seus atos e gestos externos. Devemos sempre suspeitar das santas aparências. Ainda mais daqueles descuidados, ao falar ou escrever insultuosas conotações.

Não podemos esquecer a última decisão da Justiça ao denegar o direito de habeas corpus ao macaquinho do zoo de Niterói. Uma injustiça da justiça. O macaquinho continuará confinado, sozinho, sem amigos e amigas para conversar e fazer suas macaquices. Não tenho dúvida de que, mais dia menos dia, o Supremo Tribunal Federal decidirá sobre os Direitos Inumanos dos Animais, dando aos bichos os mesmos direitos concedidos aos humanos, emanados na Constituição Federal. Surgirá até uma nova especialização de advogados, o “Jus Animalis”, e eu já estou pensando em ministrar cursos para bichos, a sala cheia de eqüinos, suínos, caninos, bovinos, felinos, todos ouvindo o animal aqui dando aula.

Mas, voltando ao assunto e dissipando os devaneios, descrevo abaixo algumas expressões atualmente proibidas, a colocar em risco os seus incautos aplicadores:
“Macacos me mordam” – de origem lusitana, atualmente proibida, pois ofende os símios, a considerá-los animais ferozes e mordedores. O sentido da expressão é de surpresa, de espanto, muito usada por Popeye que de tanto comer espinafre ficou maluco e foi internado numa jaula cheia de macacos.
“Você é um burro” – uma ofensa aos eqüinos, como se todos os burros fossem desprovidos de inteligência. Essa expressão pode ser usada ao contrário, quando queremos elogiar a pessoa: “você é um burro”, significando “você é muito inteligente”. Neste sentido, serve.
“Puta que pariu” – A palavra puta é complicada, tanto significa uma égua prenhe como uma deusa de mitologia romana, celebrada na época da poda das árvores. Dizem, aliás, que a palavra puta é originária de poda, de onde vem outra expressão, “é poda”, e todos os seus derivativos. De qualquer forma, evite o uso de tal vocábulo, a ofender as éguas e respectivos maridos, cavalos ou jumentos. Além de processá-lo, podem lhe dar uns coices no focinho.
“Sua bicha” – Expressão fortemente ofensiva. Você até pode usar a palavra “bicha” de outra forma, por exemplo, “esta é a sua bicha?”, referindo-se a uma fila de pessoas, pois bicha em Portugal significa fila. Mas, no Brasil, a interpretação é outra, podendo uma lombriga, ou outro tipo qualquer de bicha, processá-lo por danos morais.
“Você é viado” – expressão de ofensa gravíssima. Quando dirigida a um homem, ele nunca irá entender o significado real da palavra viado, correspondente a um tecido de lã com riscos. Isto é, se você estiver usando um casaco de lã com riscos e alguém dizer-lhe “você é viado”, poderia o cara estar se referindo ao seu casaco, mas, é claro, você irá interpretar de forma diferente, acusando-o imediatamente de adotar comportamento de homofobia. Por sinal, a palavra homofobia é um neologismo, pois fobia significa medo, pavor, mas passou a significar ódio, raiva. Não se aceita, também, você se justificar pelo erro de entendimento da palavra usada, alegando ter falado “veado” e não “viado”. Se você fizer isso, piorou a sua situação, passando agora a ofender os pacíficos ruminantes da família dos cervídeos. Esses animais podem processá-lo e, quem sabe, ordem de prisão inafiançável. E cuidado com o chifre do veado. Afiadíssimo. Se você estiver de costas, ele pode acertar onde você menos espera. Eu acho.
“Sua vaca!” – Meu Deus! Não fale ou escreva isso! A vacaria vem em cima de você, com um monte de advogados. Pode acreditar que, da mesma forma que temos hoje advogados de porta de xadrez, advogados de porta de hospital e assim por diante, vamos ter advogados de porteira de estrebaria, prontos para defenderem os direitos das vacas. E expressões similares devem também ser evitadas, como chamar alguém de piranha, víbora, asno, porca, anta e assim por diante, fazendo uma comparação indevida dos defeitos ou profissão de uma pessoa com animais que não tem nada a ver com isso. Recomendo ficar longe de um movimento classista das piranhas, pois são extremamente perigosas quando reunidas. Vem daí o ditado, “uma piranha só, não faz verão”.

Devemos, além de tudo, ter a máxima cautela no trato com os nossos bichinhos domésticos. Certas pessoas pensam que o seu cão é uma criancinha ainda bobinha no aprendizado da linguagem. “Neném tá com fominha?” “Neném quer passear?” “Filhinho quer fazer totô?”, fazendo imitação de criança ainda pequena. E o animal fica olhando a dona ou o dono e pensando: “Mas, que idiota!”. Não tarda para que esses bichos domésticos constituam advogados e processem os seus donos por ofensas morais, constrangimento e submissão psicológica.
Bem, são tantas as expressões politicamente incorretas, mas fico por aqui. Aliás, cuidado com este “por aqui” escrito ali em cima. Dependendo da forma de falar, pode ser ouvido como “porraqui”. Cacofonia imperdoável.