quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Manicômio Fiscal XXXVIII

Cenário: Gabinete do Presidente de uma Fundação Municipal de apoio à pesquisa. Personagens: o Presidente da Fundação e um político do Município.

Sobe o pano.

Político – Essa piada foi boa! Mas, como eu estava dizendo, esse menino é um gênio, não por que é meu filho, sou totalmente imparcial! Muito estudioso! Só está precisando de um... empurrãozinho... não sei se você me entende.
Presidente – Entendo perfeitamente! Os gênios são raros, mas quantos existem por aí sem ter o apoio necessário para mostrar suas genialidades, não é mesmo?
Político – Exatamente! Imagine quantos pelés, quantos portinaris, viveram e morreram no ostracismo porque não receberam o incentivo do governo ou de entidades de fomento à cultura e ao esporte!
Presidente – É verdade... mas você sabe que a nossa Fundação é dedicada exclusivamente à ciência. O nosso objetivo é de forjar cientistas e não esportistas ou artistas plásticos!
Político – Sei, sei! Os exemplos de Pelé e Portinari foram apenas sugestivos. Eu poderia ter dito Cesar Lattes ou outro grande cientista brasileiro de renome internacional, que infelizmente não me lembro agora.
Presidente – Então, estou entendendo que o seu filho é um cientista, ou tem vocação para cientista?
Político – Não é vocação! Ele é um cientista! Lógico que na especialidade dele! Só falta o apoio de uma verba para que ele possa publicar sua monografia. Você tem que ler a monografia dele!! Um trabalho genial!! Pena que está escrito em português... você sabe, lá fora só dão valor aos trabalhos escritos em inglês, ninguém entende o nosso idiomazinho.
Presidente – É verdade, mas temos verba para pagar um tradutor. O meu sobrinho, por exemplo, domina o inglês, faz versões admiráveis!
Político – Pronto!! A Fundação contrata o seu sobrinho para fazer a versão!
Presidente – É uma ideia, mas ando preocupado com esse negócio de nepotismo...
Político – Bobagem! Se você ficar receoso com isso, eu arranjo um conhecido e ele repassa o dinheiro pro seu sobrinho, fácil de resolver!
Presidente – Só que ele mora nos Estados Unidos...
Político – E daí? A Internet faz milagres, meu amigo.
Presidente – Bem, isso se acerta, mas, me diga, qual é o tema da monografia do seu filho?
Político – Ele fez uma pesquisa sobre a relação do mau hálito com o instinto criminoso das pessoas. Não é sensacional?
Presidente – Meu Deus! Nunca tinha ouvido falar nisso! Ele prova que o hálito influencia a criminalidade?
Político – Bem, eu não digo que prova, mas apresenta fortes argumentos, baseado em pesquisa, de que o mau hálito exerce influência na personalidade das pessoas, levando-as, inclusive, à prática do crime.
Presidente – E ele fez pesquisa sobre isso?
Político – Sim! Visitou vários presídios e conversou com os presos para analisar a halitose dos condenados. As conclusões são fantásticas!
Presidente – Que coisa! Não deixa de ser uma especialidade bem peculiar.
Político – É isso que eu digo! Duvido que alguém tenha pensado nisso! Imagine a polícia investigar os suspeitos pelo hálito! Cheirando a boca de cada um! Vamos ter até um bafômetro da qualidade do hálito! Quem tiver mau hálito, está preso! Sensacional!
Presidente – E ele está precisando apenas de uma bolsa de estudo?
Político – Um financiamento, assim, a fundo perdido...
Presidente – E de quanto?
Político – O que você puder arrumar.
Presidente – Você sabe que essas verbas não são muito altas...
Político – Não faz mal! Ele já está arranjando um patrocinador por fora.
Presidente – É mesmo? Posso saber quem é?
Político – Olha, não espalha, mas ele anda conversando com uma multinacional...
Presidente – E o que faz essa multinacional?
Político – Ela fabrica antisséptico bucal.

Desce o pano.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Manicômio Fiscal XXXVII

Os Fiscais de todas as categorias de um Município resolveram fazer greve geral pelo não pagamento da produtividade. Invadiram a Câmara dos Vereadores a ali promoveram suas assembleias. Cenário: plenário da Câmara. Personagens: Presidente do Sindicato dos Fiscais, dois Vereadores, dois empresários e, representando a Prefeitura, o assessor do subchefe da Subsecretaria de Finanças. A plateia repleta de Fiscais.
Sobe o pano.
Presidente do Sindicato – Por favor, colegas!! Um pouco de silêncio!! Sou a favor da manutenção da greve!! O Prefeito nada respondeu sobre as reivindicações da categoria!!!
(aplausos e gritaria)
Vereador I – Companheiros e Companheiras!! Eu, Vereador Tibúrcio, estou junto nesta luta pela valorização dos servidores fiscais! O meu partido sempre foi a favor do direito de greve! Apoio a proposta que a greve continue!
(aplausos e gritaria)
Vereador II – Camaradas Fiscais!! Eu, Vereador Luizinho do Peixe, repudio a posição assumida pelo Prefeito!! O meu partido estará sempre ao lado dos menos favorecidos! A greve deve continuar!!
(aplausos e gritaria)
Representante da Prefeitura – Minha gente!! Calma por favor!! Depois do início da greve a arrecadação caiu brutalmente!! A cidade está um caos!! Ninguém respeita mais nada!! Retornem ao trabalho pelo bem da cidade!! O Prefeito promete conversar se todos voltarem ao trabalho!!
(vaias e gritaria)
Empresário I – Senhoras e senhores Fiscais!! Nós da Associação Comercial apoiamos essa greve e que ela permaneça o tempo que for até o pagamento da produtividade!!
(aplausos e gritaria)
Empresário II – Cidadãs e Cidadãos Fiscais!! Como representante dos camelôs e cameloas desta cidade, apoiamos a greve!! Ao contrário do que disse o representante da prefeitura, nunca a cidade esteve tão tranquila para trabalhar, sem atritos e correria!
(alguns aplausos e muita gritaria)
Representante da Prefeitura – Minha gente!! Os lojistas estão reclamando da invasão dos camelôs por falta de fiscalização!! Tem camelô até aqui dentro da Câmara! Olha lá um, vendendo água mineral!!
(o camelô fingiu que não era com ele)
Empresário I – Senhoras e senhores Fiscais!! Nós da Associação Comercial sugerimos colocar a Guarda Municipal no controle dos camelôs, mas as lojas só podem ser fiscalizadas por Fiscais de Posturas e Vigilância Sanitária!! E damos todo o nosso integral apoio que esses Fiscais permaneçam em greve!!
(alguns aplausos e gritaria)
Presidente do Sindicato – Colegas!! Atenção!! Acabo de saber que o Presidente da Câmara e o Prefeito pediram ao Governador que envie a Polícia Militar para nos expulsar daqui!!
(muita gritaria)
Empresário I – Senhoras e senhores Fiscais!! Nós da Associação Comercial consideramos uma afronta essa atitude do Prefeito! Pois que os Fiscais enfrentem a Polícia Militar!! (e cantou o refrão:) “Fiscal morto ou ferido jamais será vencido – Fiscal morto ou ferido jamais será vencido”.
(uns dois da plateia repetiram o refrão. O restante ficou calado)
Vereador I – Companheiras e Companheiros!! Eu, Vereador Tibúrcio, terei que me ausentar por força de compromissos assumidos, mas coloco esta Casa à disposição de todos vocês. Tragam a família!! Tragam as crianças!! A Polícia não atacará crianças!! Desejo boa sorte!! (e foi embora)
(silêncio na plateia)
Vereador II – Camaradas Fiscais!! Eu, Luizinho do Peixe, sou obrigado a deixar o recinto porque, neste momento, é mais importante a minha presença junto às autoridades tentando convencê-las a aceitar suas legítimas reivindicações. Mas saibam que o meu partido nunca os abandonará!!
(algumas vaias)
Empresário II – Cidadãs e cidadãos Fiscais!! Como representante dos camelôs e cameloas da cidade, tenho agora que me retirar para poder trabalhar, mas tenham a certeza do nosso apoio à greve e que ela continue!! Só lamento que a Guarda Municipal não tenha aderido à greve (e foi embora).
(sem aplausos nem gritaria)
E o que restou foi um grupo de Fiscais.  
Desce o pano.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Manicômio Fiscal XXXVI

Cenário: varanda de uma casa de padrão médio alto. Personagens: um velho político aposentado que é o dono da casa, e um novo prefeito, eleito surpreendentemente.
Sobe o pano.

Prefeito eleito – Gostaria de ouvir os seus conselhos. Preciso montar a equipe e não sei como selecioná-la. Qual é a sua dica para conhecer o caráter de alguém numa entrevista?
Aposentado - Se você quiser conhecer o caráter de uma pessoa pergunte-lhe a quem ele deve alguma coisa. Se ele responder que não deve nada a ninguém, além de mentiroso é egocêntrico, dispensa-o!
Prefeito eleito - Ora, há pessoas que realmente não deve nada a ninguém.
Aposentado - Impossível! Todos nós devemos alguma coisa a alguém, tanto faz se em dinheiro ou em obrigações, tanto faz se for uma dívida material ou moral. Um bebê já nasce devendo a vida à sua mãe, embora poucos assim reconheçam.
Prefeito eleito - Mas a mãe não tem um filho como se fosse um favor prestado a ele.
Aposentado - Engana-se! A mãe sabe que junto ao seu amor pelo filho, surge também uma dívida deste para com ela. Pode até não pensar desse modo, mas, no seu íntimo, haverá sempre o sentimento de que o filho vive graças a ela.
Prefeito eleito - Bem, se tal dívida existe na prática é irrelevante.
Aposentado - Irrelevante aos olhos da credora, da mãe, que em geral nunca cobrará essa dívida, mas não poderia ser esquecida pelos filhos e deveria ser sempre lembrada.
Prefeito eleito - Quer dizer que alguém ao ser perguntado se deve alguma coisa deve lembrar-se de mencionar a mãe?
Aposentado - Perfeitamente! Essa dívida não deveria ser esquecida. Entretanto, aquele velho discurso de dizer que deve a Deus acima de tudo, é falso e demagógico. Inspira desconfiança e puro interesse politiqueiro, numa tentativa idiota de impressionar as pessoas religiosas. Aqueles que ficarem citando o nome de Deus em vão, dispensa-os!
Prefeito eleito - E se a pessoa falar que deve dinheiro a um Banco?
Aposentado - Pergunte a natureza da dívida, o motivo da dívida, o prazo de pagamento. Se o motivo não for relevante, tipo doença ou acidente inesperado, se for de curto prazo, se o montante for superior aos seus rendimentos, dispensa-o! Se ele não soube planejar o seu orçamento e não soube gastar apenas o que podia, está provado que é um pródigo.
Prefeito eleito - E se o candidato falar que deve favores a alguém?
Aposentado - Procure saber quem é esse alguém e a natureza do favor devido. Releve se for algo nobre, de ajuda moral, dessa pessoa ter dado ajuda num momento difícil do candidato. Mas obtenha informações sobre esse benfeitor, para ter certeza de que não é o tipo de pessoa que irá procurá-lo para cobrar o favor.
Prefeito eleito - E se disser que deve a um político?
Aposentado - Saiba que terá sempre esse político nas suas costas. Será uma sombra permanente e se não lhe interessar um vínculo com esse político, dispensa-o!
Prefeito eleito - Bem, e esse é um dos assuntos que me trouxe aqui. Eu lhe devo muito, você me ajudou no passado. E agora é o momento da retribuição. Você quer indicar alguém para o meu governo?
Aposentado - Tenho alguém que lhe seria útil, mas ele não pode saber que foi indicado por mim.
Prefeito eleito - Por quê?
Aposentado - Porque se souber vai recusar o convite, ele me detesta!!
Prefeito eleito – E mesmo assim devo contratá-lo?
Aposentado - Deve, porque o cara é muito bom!! E no fim, meu amigo, é isso que importa.
Desce o pano.