segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Manicômio Fiscal XXXVI

Cenário: varanda de uma casa de padrão médio alto. Personagens: um velho político aposentado que é o dono da casa, e um novo prefeito, eleito surpreendentemente.
Sobe o pano.

Prefeito eleito – Gostaria de ouvir os seus conselhos. Preciso montar a equipe e não sei como selecioná-la. Qual é a sua dica para conhecer o caráter de alguém numa entrevista?
Aposentado - Se você quiser conhecer o caráter de uma pessoa pergunte-lhe a quem ele deve alguma coisa. Se ele responder que não deve nada a ninguém, além de mentiroso é egocêntrico, dispensa-o!
Prefeito eleito - Ora, há pessoas que realmente não deve nada a ninguém.
Aposentado - Impossível! Todos nós devemos alguma coisa a alguém, tanto faz se em dinheiro ou em obrigações, tanto faz se for uma dívida material ou moral. Um bebê já nasce devendo a vida à sua mãe, embora poucos assim reconheçam.
Prefeito eleito - Mas a mãe não tem um filho como se fosse um favor prestado a ele.
Aposentado - Engana-se! A mãe sabe que junto ao seu amor pelo filho, surge também uma dívida deste para com ela. Pode até não pensar desse modo, mas, no seu íntimo, haverá sempre o sentimento de que o filho vive graças a ela.
Prefeito eleito - Bem, se tal dívida existe na prática é irrelevante.
Aposentado - Irrelevante aos olhos da credora, da mãe, que em geral nunca cobrará essa dívida, mas não poderia ser esquecida pelos filhos e deveria ser sempre lembrada.
Prefeito eleito - Quer dizer que alguém ao ser perguntado se deve alguma coisa deve lembrar-se de mencionar a mãe?
Aposentado - Perfeitamente! Essa dívida não deveria ser esquecida. Entretanto, aquele velho discurso de dizer que deve a Deus acima de tudo, é falso e demagógico. Inspira desconfiança e puro interesse politiqueiro, numa tentativa idiota de impressionar as pessoas religiosas. Aqueles que ficarem citando o nome de Deus em vão, dispensa-os!
Prefeito eleito - E se a pessoa falar que deve dinheiro a um Banco?
Aposentado - Pergunte a natureza da dívida, o motivo da dívida, o prazo de pagamento. Se o motivo não for relevante, tipo doença ou acidente inesperado, se for de curto prazo, se o montante for superior aos seus rendimentos, dispensa-o! Se ele não soube planejar o seu orçamento e não soube gastar apenas o que podia, está provado que é um pródigo.
Prefeito eleito - E se o candidato falar que deve favores a alguém?
Aposentado - Procure saber quem é esse alguém e a natureza do favor devido. Releve se for algo nobre, de ajuda moral, dessa pessoa ter dado ajuda num momento difícil do candidato. Mas obtenha informações sobre esse benfeitor, para ter certeza de que não é o tipo de pessoa que irá procurá-lo para cobrar o favor.
Prefeito eleito - E se disser que deve a um político?
Aposentado - Saiba que terá sempre esse político nas suas costas. Será uma sombra permanente e se não lhe interessar um vínculo com esse político, dispensa-o!
Prefeito eleito - Bem, e esse é um dos assuntos que me trouxe aqui. Eu lhe devo muito, você me ajudou no passado. E agora é o momento da retribuição. Você quer indicar alguém para o meu governo?
Aposentado - Tenho alguém que lhe seria útil, mas ele não pode saber que foi indicado por mim.
Prefeito eleito - Por quê?
Aposentado - Porque se souber vai recusar o convite, ele me detesta!!
Prefeito eleito – E mesmo assim devo contratá-lo?
Aposentado - Deve, porque o cara é muito bom!! E no fim, meu amigo, é isso que importa.
Desce o pano.

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