quinta-feira, 25 de julho de 2013

O Papagaio

Era meia-noite, eu tentava ler à luz de velas curiosos tomos de velhos jornais, quando ouvi um leve bater nos portais, “Um cobrador!”, assustei-me, mas logo aquietou-se o meu temor, “a esta hora um cobrador não cobra mais”.  Ah, bem me lembro! Era no calor de dezembro, eu me ardendo sem ventilador, caindo de sono, e os mosquitos me comendo, “quem pede entrada em meus umbrais?” Ora, era um papagaio e nada mais.

            Entrou grave e nobre o papagaio, do tempo dos piratas tradicionais, não fez um cumprimento, mas com ar sereno e lento pousou nos castiçais, derrubando as velas no antigo balaio, e a cera derretida nos velhos jornais. De susto, fez sorrir a minha amargura, agora completamente às escuras, disse eu, “papagaio abusado, dize-me qual o teu nome lá das trevas infernais” e olhando-me de soslaio, disse o papagaio, “Nunca mais”.

            De pronto entendi, pertencia ao meu vizinho, a quem na vida pouco vi, mas sua fama conhecia, leitor profundo de poesia, somente ele capaz seria, nas palavras e nos sinais, ensinar o papagaio a dizer “nunca mais”. Sentei-me defronte dele, diante dos castiçais, e, enterrado na cadeira, perguntei-me o que queria esta ave agoureira, que deveria estar dormindo nas palmeiras, das florestas que não existem mais.

            Fez-se então o ar mais denso, como se fosse ardente incenso, para espantar mosquitos, e eu gritei, “Malditos! Se tivesse o ar ligado, ou o ventilador acionado, vocês seriam enxotados às nuvens celestiais!”.  E disse o papagaio, “Nunca mais”.  Levantei-me irado e gritei aos meus umbrais, “Profeta do agouro, de frase única e persistente, não minta, insolente, a luz retornará de repente, diga louro se a energia não volta mais”. E ele disse, “Nunca mais”.

            “Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!”, eu gritei. “Parte! Regressa à tua noite, deixa-me o dia, tamanha luz desejada e jamais racionada em meu casto abrigo. Leva contigo esta dor, de não poder ligar um simples ventilador! Parte daqui, do mundo dos devedores mortais, pobres inocentes, a quem os anjos chamam de gente, e na terra nem nome temos mais”.  E ele disse, “Nunca mais”.

            E o papagaio, na noite infinda, paira por sobre os castiçais. Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha, e eu, aguardando a chegada da conta, tentarei um parcelado, pedirei ao cobrador uma graça, se não estiver negativado e devedor cadastrado. E pousado no busto de Beethoven, aquele que ninguém mais ouve, o papagaio tosquiado, como as velas no balaio, percebe que nem sombra tenho mais e que a luz não voltará jamais.

(Com o devido respeito à memória de Edgar Allan Poe e ao monumental poema O Corvo).

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