quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O petróleo do “pré-sol”

Eu estava sentado ao lado do seu Broa no banquinho de madeira que a Prefeitura andou instalando na calçada da nossa praia. Nós olhávamos o grande mar a nossa frente, calados como convém em certos momentos de reflexão, oração e admiração. Eu gosto do seu Broa, pessoa ponderada, discreta, seu Broa tem uma idade indefinida, eu diria que a sua idade está entre cinquenta e oitenta anos, não sei dizer melhor. Seu cabelo curto e crespo ainda é preto, mas a barba rala já embranquece. A cor negra de sua pele é agora meio cinzenta, curtida pelo sol.

Depois de um bom tempo calado, ele disse naquele tom baixo e suave, sem desviar os olhos do mar: “Estou com uma ideia de ganhar dinheiro”. “O dinheiro não está dando?”, perguntei curioso, pois não sei bem de onde o seu Broa tira dinheiro, se de aposentadoria ou do bolsa família. “A família cresce, doutor. Chegou outro bisneto”, respondeu com a sua calma.

Olhei pra ele que mantinha os olhos no mar. “Qual é a ideia?” Ele mudou de posição, aprumou o corpo e respondeu: “Estou pensando em explorar o óleo do pré-sol”. Segurei um sorriso para não melindrá-lo. “O senhor está se referindo ao pré-sal”. Quem deu um sorriso foi ele. “Não, doutor, eu falo do pré-sol. Este pré-sal é dos bacanas, já está todo fatiado e reservado. Estou de olho é no pré-sol”. “Mas que óleo é esse, do pré-sol?”, perguntei. Ele explicou.

“Todas as noites, antes do amanhecer, esses navios que o senhor está vendo, que agora ficam estacionados aqui na beira da praia, limpam seus tanques e despejam o óleo no mar. Quando amanhece, a praia fica desse jeito, a água brilhando de óleo, a areia preta. Este é o óleo que eu quero explorar, o óleo do pré-sol”.

Olhei o quebra-mar e entendi. “E como o senhor pretende explorar esse óleo?”, perguntei. “Compro alguns barcos, contrato essa meninada, e todas as noites a gente retira o óleo da água e colocamos em garrafas pet. Fiz uns cálculos e acho que dá para encher umas quinhentas garrafas pet por noite”.

Percebi que o assunto era sério, aliás, o seu Broa não é de brincadeira. “E quem vai comprar o óleo?”, perguntei. “Ora, a Petrobrás. Falou em óleo ela compra tudo”. De forma alguma eu quis contradizer o amigo. Tentei ponderar: “Mas, seu Broa, o senhor vai precisar de dinheiro, comprar os barcos, as garrafas, contratar gente, abrir empresa...”. “Já pensei nisso tudo”, respondeu. “Pego dinheiro no Benedé”. Procurei corrigir delicadamente: “No BNDS? Mas será que ele empresta?”. Ele me olhou nos olhos. “Doutor, o senhor é homem letrado, mas ingênuo. Como foi que aquele moço, o tal de Aico conseguiu?”

Pensei um pouco para saber do que ele estava falando. “Ah, o Eike Batista! Mas o senhor não acha meio diferente? Ele é empresário, conhecido no mercado...” O seu Broa me interrompeu: “E não conhecia nada de petróleo. O segredo é o seguinte: arranja uns políticos pra mexer os pauzinhos, pede alguém pra botar a ideia no papel, eles gostam muito de coisa escrita, chuta a produção e o lucro pra cima, em vez de quinhentas garrafas por dia escreve quinhentas mil. Eles gostam de coisa grande”.
“E o senhor já tem os políticos?”. Ele passou a mão na cabeça. “Vou falar com aquele tal de Pisão, aquele que veio aqui naquela noite. Ele é candidato e todo candidato tem interesse em novos negócios”. Lembrei-me do Pisão, na noite de inauguração do início das obras de pavimentação na comunidade. “E qual vai ser o nome da empresa?”, perguntei. Ele coçou a barba rala. “Estou pensando em ipsilone, alguma coisa como OBY, Organização Broa Ipsilone. Aquele moço, o tal de Aico, botou X na empresa dele; eu ponho ipsilone”. “E quem vai escrever o projeto?”, perguntei desconfiado. Ele olhou pra mim e colocou a mão no meu ombro. “Estava pensando no senhor”. Sobrou pra mim.


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