terça-feira, 30 de abril de 2013

Manicômio Fiscal – o ISS


Da série: Conversas de Botequim



- Não acredito!! Quem é vivo sempre aparece! Arria teu corpo nesta cadeira e beba um trago!

- Garçom!! Traz uma Casa Bucco tradicional!

- Pois estou bebendo a sergipana Reserva do Barão... Muito boa!!

- Fico na gaúcha. E, então, quais as novidades da Prefeitura?

- Muito trabalho! Acabei de fiscalizar um salão de barbeiro...

- Encontrou diferença?

- O esperto pagava ISS de uma cadeira e lá tem duas! Dobrei o ISS!

- Desculpe a ignorância, mas cadeira paga ISS?

- É o modo de dizer. Faço a estimativa pelo número de cadeiras.

- E os Bancos? Estão pagando o imposto?

- Banco é mais difícil! Tem que examinar a contabilidade, uma montoeira de papel, muito complicado...

- Por que não cobra pelo número de caixas e de mesas de atendimento?

- Não posso!! Seria ilegal!!

- Mas se cadeira de barbeiro pode...

- Muito diferente! Bancos têm advogados, contadores, consultores. Eles vão logo derrubar o lançamento!

- E barbeiro?

- Não tem nada! O que a gente manda ele cumpre.

- E taxistas? Pagam o ISS?

- É claro! Faço o cálculo por veículo.

- Carro paga ISS?

- Não! É maneira de dizer. A estimativa é por conta do número de carros.

- Mas um taxista não tem um só carro?

- Nem sempre! Tem taxista com várias autonomias! Ele aluga os carros para outros. E esses outros não são inscritos na Prefeitura.

- E as operadoras de cartão de crédito? Pagam ISS?

- Não! Elas dizem que não são daqui...

- Mas as lojas que aceitam cartão e os Bancos que efetuam as operações estão aqui!

- As operadoras dizem que não têm nada com isso.

- E fica por isso mesmo?

- Fica... Elas têm advogados, contadores, consultores...

- Entendo... E as grandes empresas de informática? Pagam ISS?

- Aqui não... Elas estão estabelecidas nas nuvens.

- Então, elas só podem ser fiscalizadas de avião?

- Parece engraçado, mas é mais ou menos assim.

- E as grandes construtoras?

- É tudo deduzido. Materiais, mão de obra assalariada, insumos... Não sobra nada.

- Bem, pelo menos ainda tem os hospitais...

- Deduz tudo: medicamentos, alimentação, a cama do paciente é locação de bens móveis, fazem ressarcimento das despesas de energia, água, telefone...

- Mas sobram os médicos...

- Eles formam sociedades de profissionais. Pagam uma merreca.

- Afinal, quem paga esse tal de ISS?

- Bem, deixa ver... Barbeiro, Cabeleireiro, Taxista, Mecânico, Borracheiro... Borracheiro não! Ele agora é microempreendedor, só paga R$5,00.

- Então, de gente graúda só tem os titulares de cartórios?

- Seria, se eles não fossem isentos aqui no Município.

- Sobram os hotéis...

- Não emitem nota fiscal! Entrega uma folha de computador com a conta e o turista paga e vai embora. Turista nem sabe o que é nota fiscal...

- Quer experimentar a Reserva do Barão? Excelente cachaça!

- Não. Fico na Casa Bucco.

- Garçom!! Mais duas aqui! É melhor deixar logo as garrafas. Esta conversa vai demorar...

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Revivendo as posturas imperiais

Um portentoso Município está querendo (ou já fez) conveniar com o Estado, dando poderes à Polícia Militar para fiscalizar as posturas municipais. Vai daí o renascimento das antigas posturas imperiais, em situações como estas:

- POLÍCIA!!! O senhor tem alvará deste estabelecimento?
- Não senhor, eu...
- INTERDITE-SE!!! O senhor está preso!!!

- POLÍCIA!!! O senhor pagou a taxa do Alvará?
- Não senhor, estou sem dinheiro...
- INTERDITE-SE!!! Multa de um conto de réis ou prisão de cinco dias!!!

- POLÍCIA!!! O senhor pagou a taxa de ambulante?
- Não senhor, eu não sabia...
- APREENSÃO DA MERCADORIA!!! Multa de duzentos mil réis ou dois dias de cadeia!!!

- POLÍCIA!!! O senhor tem alvará da vigilância sanitária?
- Não senhor, eu tenho alvará da Postura...
- INTERDITE-SE!!! Multa de quinhentos mil réis ou três dias de prisão!!!

- POLÍCIA!!! O senhor está vendendo pastel de camarão?
- Eu vendo pastel de carne, queijo e camarão...
- APREENSÃO DA MERCADORIA!!! O senhor só pode vender pastel de queijo. Multa de cem mil réis ou um dia de prisão!!!

- POLÍCIA!!! A senhora é manicure?
- Faço cabelo e unha...
- INTERDITE-SE!!! O seu alvará só permite fazer cabelo!!! Multa de cem mil réis ou um dia de prisão!!!

- POLÍCIA!!! Foi o senhor que podou aquela árvore?
- Foi. Os galhos estavam entrando na minha casa...
- ESTÁ PRESO!!!

- POLÍCIA!!! Qual é o tamanho deste peixe que o senhor pescou?
- Ele tem, mais ou menos, dois palmos de comprimento...
- ESTÁ PRESO!!! Peixe tem que ter três palmos, no mínimo, de comprimento!!

- POLÍCIA!!! O senhor tem licença desta placa de propaganda?
- Mas esta placa é só informativa...
- APREENSÃO DA PLACA!!! Multa de trezentos mil réis ou dois dias de prisão!!

- SOCORRO!! Policial, estão assaltando a minha loja!!!
- Ora, minha senhora!! Não está vendo que estou ocupado, fiscalizando este camelô? Chama a Guarda Municipal, o Corpo de Bombeiro, o Exército da Salvação...

terça-feira, 23 de abril de 2013

O IPTU e o passeio

Eu estava em casa quando o carteiro entregou o carnê do IPTU. Junto ao carnê havia um comunicado da Prefeitura que dizia assim:
“Prezado Contribuinte,
O senhor vai notar que o IPTU deste ano sofreu um aumento de 20% sobre o valor do ano passado. Este aumento decorreu da valorização do seu imóvel, em função do incremento do mercado imobiliário em sua região. Parabéns pelo aumento do seu patrimônio! Se o senhor puder dedicar um tempo à sua Prefeitura, ficaríamos honrados com a sua visita ao Setor de Relacionamento, no endereço abaixo, para nos dar a oportunidade de mostrar como foram aplicados os recursos tributários dos contribuintes”.

 Curioso, resolvi visitar o referido Setor. Fui recebido por uma moça muito simpática que propôs um passeio ao bairro onde moro. Em uma van moderna, limpa e ar condicionado funcionando, dirigida por um educado motorista devidamente uniformizado, fomos visitar, primeiramente, uma nova escola municipal, instalada em prédio de primoroso acabamento, dotada de ginásio esportivo, piscina de águas azuis como o céu, biblioteca, salão de informática (com dezenas de computadores ligados a Internet), sala de videoconferência, refeitório de imaculada limpeza, cozinha moderna, salas de aula com mobiliário novo e confortável, onde os estudantes radiantes ouviam atentos os ensinamentos das diligentes professoras.

- Aqui, está uma parte do seu IPTU, disse sorridente a acompanhante.

Dali, formos ao novo Posto de Saúde do bairro. Recepção reluzente e enfermeiras atenciosas, atendimento imediato aos pacientes na emergência, equipamentos de última geração, laboratórios de todos os tipos de análises, e funcionando; sistema perfeito de controle, e médicos de todas as especialidades prontos para servir.

- Um pouco do seu tributo foi aplicado aqui, disse a moça.

Seguimos depois até a praça do bairro. Uma enorme área de lazer, para crianças e idosos, um bosque para passeios e caminhadas, com vários bancos confortáveis para descanso e leitura. Mesinhas de jogos, um gramado aberto onde crianças corriam sob os olhares vigilantes, mas tranqüilos, das mães. Ao lado, um teatrinho de marionetes divertia a criançada e os pais.

- Parcela do seu dinheiro está investida aqui, meu senhor, comentou a moça.

Passeamos nas ruas do bairro, todas pavimentadas e sinalizadas, espaçosas e margem exclusiva de ciclovias, onde somente os ciclistas transitavam. Garis mantinham as vias limpas e bem varridas, ajudados por caminhões equipados de detergentes e escovões. Passamos ao lado de um ônibus onde todos os passageiros viajavam confortavelmente sentados, e o motorista, sorridente, dirigia na velocidade permitida.

- O seu IPTU foi usado aqui também, explicou a moça.

A acompanhante fez questão de me deixar em casa. Quando estacionamos, os lixeiros recolhiam o lixo da minha casa e o depositava em um moderno caminhão compressor.

- Aí está a taxa de coleta de lixo que o senhor paga, disse a moça apontando o caminhão.

Foi neste momento do sonho que eu acordei.

domingo, 21 de abril de 2013

O bebedor de vinho


- Vamos degustar um vinho?

- Degustar? Bem, eu gosto de beber vinho...

- Vinho não se bebe, degusta!

- É mesmo? Puxa! Com toda a minha idade eu não sabia disso...

- Ora, não fique chateado! Essa ignorância a respeito de vinho é comum entre os leigos... Deixe-me examinar esta carta de vinhos... Ah! Este aqui é interessante... É vigoroso, traz notas de frutas negras e chocolate no nariz...

- Nós vamos degustar vinho ou comer chocolate?

- Ah-ah, esta é boa! Estou dizendo que o aroma lembra chocolate... Este outro é bem interessante! De cor rubi, tem aromas com notas de frutas vermelhas e couro!

- É mesmo? E eu que só sinto gosto de vinho quando bebo...

- Desculpe, mas você é um ignorante na arte de degustar vinho.

- Tem razão, me desculpe, eu não sabia que precisava fazer curso para beber vinho...

- Não! Não se apoquente! Mas degustar vinho é uma arte que se aprende com a experiência.

- Eu sou um burro! Estou com setenta anos e bebo vinho desde os dezesseis e nunca senti gosto de couro... Aliás, nem sei como é gosto de couro.

- O couro não é no gosto, é no aroma!

- Quer dizer que antes de beber um vinho eu preciso cheirar um couro?

- Ah-ah, você está brincando... Veja esse outro! Um vinho honesto! Bom frescor, leveza dos taninos, revela notas de cassis e amoras.

- Nossa! Tudo isso no vinho? Eu nunca comi cassis!

- Ah-ah, você é muito gozado... Mas eu vou pedir este aqui! Excelente! Taninos sempre presente, fruit bombs, cheio de corpo, frescor aportado pela acidez, de cor rubi quase negra, varietal mas com influência malbec e origem merlot, um blend de meritage, de caráter polido e uvas colhidas antes de amadurecidas, um ótimo vinho, a lembrar frutas vermelhas e exóticas.

- Quanto custa esta maravilha?

- Deixa-me ver... Bem razoável... R$480,00 a garrafa.

- O quê? Pagar R$480,00 por uma garrafa de vinho?

- É o que eu digo, degustar vinho é uma arte cara.

- Desculpe, meu amigo, mas em vez de degustar não podemos simplesmente beber um vinho? Olha aqui! Piriquita a quarenta reais, está muito bom!

- Piriquita? Este vinho jamais degustarei!!

- Tudo bem! Pede então essa salada de frutas e você paga a conta!

- Não vou fazer isso! Desperdiçar um vinho como este com um ignorante como você. Garçom!! Traz um Piriquita!

- E bem gelado!!

Acácio, o Deputado


Jornalista – Deputado Acácio, o governo Dilma vai bem?

Deputado – Esplêndido! Esplendoroso! Ao falar do governo Dilma, sinto as lágrimas me embargar a voz de tanta emoção!

Jornalista – Mas a inflação anda alta...

Deputado – Elevadíssima! Já atinge o espaço sideral!

Jornalista – E o governo diz que a tem sob controle...

Deputado – Super controlada!! A inflação, qual égua desembestada, está retida pelo cabresto e pelo chicote!

Jornalista – Entretanto, a infraestrutura econômica está afundando...

Deputado – Um verdadeiro Titanic! As estradas, um lodaçal! Os portos não porteiam! As ferrovias não ferroviam! Os aeroportos, decadentes! A energia elétrica, em colapso!

Jornalista – O governo promete investir maciçamente na infraestrutura.

Deputado – Investimentos colossais! Uma avalanche de dinheiro!

Jornalista – O índice de emprego está bom...

Deputado – Desemprego zero!! Tem trabalho para todo mundo, até para idosos e incapazes!

Jornalista – Mas as empresas reclamam da falta de mão de obra...

Deputado – É catar agulha no palheiro!! Uma cambada de vagabundos que vive nas tetas do governo!

Jornalista – Mas a bolsa família é um sucesso...

Deputado – Sucesso absoluto! Insofismável! A salvação do povo!!

Jornalista – Deputado, a Presidente Dilma está firme na reeleição...

Deputado – Firme como uma rocha! Pesquisas auspiciosas! Ninguém a segura!!

Jornalista – Mas o Governador Eduardo Campos não abre mão de sua candidatura...

Deputado – Decisão irreversível! Já conta com o apoio do povo! Tem todo o nordeste a seu favor!

Jornalista – E o Senador Aécio Neves tem grandes aspirações...

Deputado – Com os pulmões plenos!! Ares inesgotáveis!! De apoio irrestrito!

Jornalista – Mas, se o Lula quiser voltar...

Deputado – Pronto! Liquidou todo mundo! Basta querer que será eleito!

Jornalista – E a Marina também procura conquistar espaço...

Deputado – Avança com sua tropa em verdejante colina! Como uma Valquíria, galopa em direção ao planalto!

Jornalista – E o senhor, preparado para reeleger-se deputado?

Deputado – Preparadíssimo! Um caminho de bons agouros, a longa marcha de Mao tse Tung, a partir deste meu humilde tugúrio até subir o palácio do Congresso!

Jornalista – E quais são os seus projetos?

Deputado – Bem... Você poderia repetir a pergunta?

Nota: O nome “Acácio” é uma pequena lembrança ao Comendador Acácio, personagem de Eça de Queiroz na obra “O primo Basílio”. Qualquer deputado de nome Acácio é mera coincidência.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

A entrevista que não houve


Jornalista – Deputado Feliz, por que, afinal, o senhor insiste em ser Presidente da Comissão de Direitos Humanos?

Deputado – Ora, meu filho, a arte da política é ocupar espaço! Enquanto eu estiver na função nenhum deputado amiguinho de pederastas e sapatões poderá ocupá-lo!

Jornalista – Quer dizer que o senhor não tem uma missão a cumprir; apenas ocupar espaço?

Deputado – De certa forma é isso! Mas, eu tenho uma missão!

Jornalista – Qual é?

Deputado – De atrapalhar e impedir as missões desses outros, um bando de anormais! Sai fora satanás!!

Jornalista – Então, o senhor considera anormal uma pessoa homossexual?

Deputado – É claro! Tudo que não é normal é anormal! E a gente tem que aturar esses anormais, homem dando beijo na boca de outro, em plena rua, que nojo!

Jornalista – Mas se eles trocassem carinhos no interior de suas casas, o senhor aceitaria?

Deputado – Eles que façam suas sem-vergonhices escondidos! Não quero que as minhas filhas presenciem essas cenas nojentas!

Jornalista – Mas o senhor não acha que as pessoas já nascem com diferenças genéticas?

Deputado – Essas deformações não são de origem genética! Isso é coisa de satanás! O arrenegado está sempre pronto a nos fazer mal!

Jornalista – E isso que o senhor chama de anormalidade tem cura?

Deputado – Claro que tem!! Eu sou um exemplo: O beiçudo já tentou comigo, mas fiz as minhas orações e me livrei do mal!

Jornalista – O senhor, então, já teve tendências de homossexualismo?

Deputado – Há muito tempo, meu filho, há muito tempo... As orações e a automutilação me salvaram.

Jornalista – O senhor se automutilou?

Deputado – Não!! Eu fiquei nas orações e mandei o outro se automutilar. Ele tem até hoje as marcas nas costas, foi horrível. Eu só passei pomadinha.

Jornalista – E ele ainda é seu amigo?

Deputado – Eu o vejo de vez em quando... Ele agora está com outro, desfilando todo contente... Aquele ingrato... Sai fora satanás!!