quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Negociações políticas

Conversa particular entre o gestor eleito e um candidato a cargo político:

- Bem, eu posso lhe oferecer um posto com 30 FG, 200 milhões para CP e 5 PS.
- Mas você tinha me prometido um posto com 500 milhões para CP...
- É verdade, porém, o posto com 500 milhões para CP não tem nenhum PS e apenas 10 FG, o que você prefere?
- 10 FG!! Isso não dá pra nada!
- Exatamente! Eu quero dizer que você precisa mais de FG do que de CP.
- Você não pode aumentar pra 20 FG? Já ajudaria...
- Não dá! O pessoal da Fazenda vem com tesoura afiada. E eu prometi não aumentar FG.
- Este posto com 30 FG é interessante, mas 200 milhões de CP é muito pouco...
- Você esta esquecendo que o posto tem 5 PS. Você vai aparecer na mídia todos os dias!
- Bem, isso é verdade, mas com pouca CP não poderemos movimentar recursos. E dinheiro é a mola de tudo!
- Meu caro, você terá dinheiro separado para manter os PS...
- Dinheiro carimbado! Não pode ser gerido! A Secretaria do Tesouro vai ficar olhando, metendo o bedelho!
- Realmente, é dinheiro carimbado, mas com enorme repercussão política!
- Acho que este posto deve ser dado a algum político jovem, que quer aparecer, fazer nome. Não é o meu caso, já sou conhecido, já estou velho. Estou precisando de muita CP, movimentar recursos!
- Você não pretende candidatar-se na próxima?
- Não! Chega! Pretendo terminar a carreira neste posto de sua gestão. Estou pensando em lançar o meu neto...
- O Netinho? Aquele menino? Qual é a idade dele?
- Está com 12 anos, mas é muito esperto! Já sabe dirigir!!
- Parabéns! No entanto, você não acha que é muito cedo para ele?
- Quando terminar o mandato ele terá 16. Faço uma jogadinha e aumento pra 18. E ele vai de vereador pra começar.
- Ora, algum adversário vai fazer conta e descobrir a idade certa dele.
- Por isso eu preciso de muita CP! Com dinheiro eu elimino até a matemática dos adversários!
- Bem, o risco é seu, mas de qualquer modo não tenho outra vaga.
- Mas você tinha me prometido 500 milhões de CP.
- É verdade, mas aquele posto foi ocupado pelo Breguete...
- Breguete vai voltar?
- Vai. Foi ele que quis e você sabe que não posso dizer não.
- Claro! E ele vai ficar com o posto de 500 milhões de CP?
- Mais ainda! Tive de aumentar para 1 bilhão.
- Então está feito! Aceito o posto que você me ofereceu!
- Você não vai ficar zangado?
- Não! O Breguete vai me ajudar, tenho certeza! Ele é meu amigo!
- Olha! Cuidado com esses repasses...
- Tranquilize-se! O Breguete sabe como fazer essas coisas
- Então, está fechado! Posso comunicar à imprensa?
- Pode, mas me diz uma coisa: qual é a função deste posto?

Informação – significado das abreviaturas:
FG – Função Gratificada;
CP – Concorrência Pública;
PS – Programa Social.

domingo, 28 de dezembro de 2014

O Governador e o Ministério Público

O Governador eleito comparece na sede do Ministério Público Estadual.

Governador – Bom dia, doutor! Como o senhor está?
Procurador-Chefe – Bom dia, Governador. A que devo a honra da sua visita?
Governador – Como o senhor sabe ano que vem assumo a Governança...
Procurador-Chefe – Estou sabendo...
Governador – Pois é. Agora, estou montando a minha equipe e estou cheio de dúvidas...
Procurador-Chefe – O ato de nomear é de grande responsabilidade...
Governador – É sempre aquela história, muitos pedidos, muitos compromissos, muitos afiliados...
Procurador-chefe – Mas aonde o senhor quer chegar?
Governador – É o seguinte: estou com medo de nomear gente com problemas na Justiça...
Procurador-Chefe – Fácil de resolver: pede certidão negativa da Justiça.
Governador – Não funciona! Todo mundo é ficha limpa, mas, de repente, pimba! Lá aparece ele indiciado em alguma tramoia.
Procurador-Chefe – São coisas que acontecem...
Governador – Acontece porque o Ministério Público já o investigava, não é isso?
Procurador-Chefe – Bem, investigar é uma de nossas funções...
Governador – Exatamente! O Ministério Público pode estar investigando um nome que ainda é ficha limpa, não é mesmo?
Procurador-Chefe – Bem, isso realmente é possível...
Governador – Pois então! Este é o meu receio!
Procurador-Chefe – E o que é que o senhor deseja?
Governador – Bem, eu gostaria de passar uma lista para o senhor e receber resposta de quem está sendo investigado e quem não está, seria possível?
Procurador-Chefe – Impossível! Não podemos fazer isso!
Governador – Por que o senhor não pode fazer isso?
Procurador-Chefe – Porque o Ministério Público não é serviço de cadastro!
Governador – Olha, seria somente um sim ou um não! Nada mais!
Procurador-Chefe – Não podemos! As nossas investigações preliminares são confidenciais.
Governador – Mas a informação seria estritamente confidencial! Não conto pra ninguém!
Procurador-Chefe – Mesmo confidencial ia parecer que estamos abonando e desabonando nomes. Não podemos endossar candidatos a cargos políticos!
Governador – Seria por debaixo do pano. Eu não quero nomear alguém e depois descobrir que o sujeito está com problemas no Ministério Público.
Procurador-Chefe – Infelizmente, não podemos ajudar. Se amanhã um nomeado for indiciado o senhor vai dizer que o Ministério Público aprovou o nome dele.
Governador – Não vou fazer isso! Hoje é uma situação, amanhã é outra!
Procurador-Chefe – Desculpe, mas não vai dar. Volto a recomendar que as pessoas indicadas apresentem certidões negativas.
Governador – Meu amigo, ficha limpa todo mundo tem. Depois que inventaram a tal da prescrição e a tal da certidão positiva com efeitos negativos, a certidão é papel sem valor...
Procurador-Chefe – Discordo! Ainda significa muito!
Governador – Ah é? Pois veja, eu tenho certidão negativa, mas estou sabendo que o Ministério Público anda investigando o meu nome...
Procurador-Chefe – Não sei nada disso...
Governador – Sabe sim! Foi o senhor que mandou me investigar, não é verdade?
Procurador-Chefe – Não comento investigações preliminares...
Governador – E nem me dizer como andam essas investigações preliminares?
Procurador-Chefe – Segredo de justiça, senhor Governador, segredo de justiça.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Cadastrando o IPTU

Da série: Manicômio Fiscal

No Setor de Atendimento da Prefeitura:
- Bom dia, eu queria que o IPTU da minha casa fosse feito em meu nome...
- Qual é a inscrição da sua casa?
- Está aqui... A senhora pode ver que ainda está em nome da loteadora...
- Estou vendo aqui no computador que a sua casa pertence à Loteadora Lava a Jato Ltda.
- Pois é. Mas esta loteadora faliu há mais de trinta anos e os donos fugiram.
- Tudo bem! O senhor me traz a escritura registrada no Cartório, seu CPF e RG, certidão de nascimento, certidão negativa do imóvel e comprovação do pagamento do ITBI que eu transfiro o imóvel para o seu nome.
- Mas eu não tenho escritura! Sou posseiro do imóvel.
- Ah, sem escritura não posso mudar o nome.
- Mas, minha senhora, fui eu que construí essa casa e vivo lá há mais de vinte anos!
- Não tem jeito, sem escritura não dá.
- Deixa eu mostrar à senhora... Veja, aqui estão os carnês desses anos todos! Sou eu que pago!
- Isso não prova nada! O senhor tem o contrato de promessa de compra e venda?
- Não! Eu comprei o terreno do seu Bidinho, que vivia lá desde que a loteadora faliu. Olha, eu tenho aqui o papel da compra...
- Papel de pão?
- É o que a gente tinha na hora. Está vendo esse X aqui? É a assinatura do seu Bidinho.
- Meu senhor! Eu não posso usar esse papel como documento de aquisição. Preciso da escritura!
- Mas, minha senhora, nem o seu Bidinho tinha escritura. Ele só ocupou o terreno e fez um barraco. Fui eu que construí a casa muito tempo depois.
- Em português claro, o seu Bidinho invadiu a propriedade, não é mesmo?
- Invadiu é uma palavra forte. O seu Bidinho, que Deus o tenha, era um homem de bem. Ele ocupou o terreno que estava abandonado.
- Mas tinha um dono...
- Uma loteadora que não existia mais!
- Bem, não importa! Sem escritura não altero o nome do proprietário.
- Então, me diz uma coisa: se eu deixar de pagar o IPTU, a Prefeitura vai cobrar de quem?
- Ora, isso não é assunto meu, é lá do pessoal da dívida ativa, mas acho que o IPTU vai ser cobrado da loteadora.
- A loteadora não existe há séculos!
- Então, acho que vão atrás de quem mora lá...
- Que sou eu!
- Vão cobrar do senhor!
- Ué! Como vão cobrar de mim se eu não sou proprietário?
- Não importa! A lei diz que o possuidor também é responsável pelo IPTU.
- Este é o ponto, minha senhora! Se eu também sou responsável, por que a casa não pode estar no meu nome?
- Porque o senhor não tem escritura!
- Mas para cobrar de mim não importa se tenho escritura, é assim?
- É mais ou menos assim.
- Minha senhora, sou pobre, mas não sou burro. Vou fazer o seguinte: vou deixar de pagar o IPTU e a Prefeitura vai me cobrar o imposto. Então, peço para que a Prefeitura prove que eu sou o posseiro. Quando ela provar, pago tudo e venho aqui para mudar o nome do proprietário. Assim, fica tudo certo, não é mesmo?
- Ah não sei! O senhor faça do jeito que achar melhor. O PRÓXIMO!!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Aperreio no ISS

Da série: Manicômio Fiscal


- Senhor Fiscal, eu estou com uma dúvida atroz! Não sei onde pagar o ISS!
- O senhor pode explicar o problema?
- Perfeitamente, senhor Fiscal. A empresa é sediada no Município de Pantaleão, onde fica a administração. Tem filial em Capenga, que atende a região onde o serviço foi prestado. O serviço foi prestado em Chulé, cidade vizinha de Capenga. O serviço é desenvolvido em Pirão, onde ficam os técnicos. Em qual Município eu devo recolher o ISS?
- Qual é a atividade?
- A empresa desenvolve sistemas de software.
- Bem, de acordo com a lei, sistemas de informática são tributáveis no estabelecimento prestador...
- Isso eu sei, mas qual é o estabelecimento prestador?
- O senhor deveria fazer essa consulta por escrito e receber uma resposta oficial, mas me parece que o ISS deve ser pago em Pantaleão, onde fica a sede da empresa.
- O problema é que a nota fiscal foi emitida em Capenga.
- A empresa tem estabelecimento em Capenga?
- Claro que tem! É uma filial estabelecida!
- Bom, então eu acho que deve ser em Capenga.
- De início também pensei assim, mas ao examinar a lei verifiquei que o estabelecimento é aquele que desenvolve o serviço. E o serviço foi desenvolvido em Pirão, onde ficam os técnicos de sistemas.
- Realmente, o senhor tem razão. A lei diz que se considera estabelecimento o local onde o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços. Acho que o ISS deve ser pago em Pirão.
- Ocorre que Pirão somente desenvolve. Quem fecha o negócio na região é o pessoal da filial, em Capenga. E segundo o Superior Tribunal de Justiça, o ISS incide onde o negócio se perfectabiliza.
- E o negócio se perfectabilizou em Capenga...
- Exatamente! Todos os negócios da região são perfectabilizados em Capenga.
- E onde os contratos são assinados?
- Bem, são preparados em Capenga e a diretoria assina em Pantaleão.
- Então, quem vai perfectabilizar o contrato é a assinatura, que é feita em Pantaleão! O ISS deve ser recolhido em Pantaleão.
- Acontece que o cliente assinou o contrato em Chulé e só neste momento o negócio foi perfectabilizado...
- Tem razão. Acho que o ISS é devido em Chulé.
- Senhor Fiscal, desculpe a minha ignorância, mas o que significa realmente o verbo perfectabilizar, palavra usada pelo Superior Tribunal de Justiça? Eu procurei no dicionário e não encontrei este verbete.
- Devo confessar que também procurei e nada achei, mas encontrei o adjetivo perfectível, que significa aquilo que é suscetível de ser aperfeiçoado.
- E o que tem isso a ver com o local da prestação do serviço?
- Talvez signifique que o ISS incide no local onde o serviço é aperfeiçoado...
- Mas, no meu caso, onde o serviço foi aperfeiçoado?
- Aperfeiçoar tem o sentido de terminar o que está incompleto...
- E a prestação do serviço foi completada em Chulé, quando foi entregue ao tomador, não foi?
- Tem razão. O serviço foi prestado em Chulé.
- Sendo assim, o senhor concorda que devo pagar o imposto no Município de Chulé?
- Olha, não concordo com nada! Faça a consulta por escrito e aguarde a resposta oficial, está bem?

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

As pedaladas contábeis

O assessor entra suspirando na sala do chefe.

- Chefe, não adianta! A contabilidade não bate!

O chefe olha irritado o assessor.

- Você fez tudo que eu mandei? Escondeu as propinas? Disfarçou as retiradas dos sócios? Camuflou despesas? Aumentou as receitas cambiais?

- Tentei tudo! Não adianta! A empresa continua dando prejuízo!

O chefe dá um murro na mesa.

- Não pode!! A empresa tem que dar lucro! Os sócios precisam receber dividendos!

- Desculpe, chefe, mas não sei mais o que fazer.

O chefe levantou-se da cadeira e passeou na sala.

- Faz o seguinte, aumenta a receita!

- Mas, e a contrapartida? Para aumentar a receita é preciso fechar o lançamento.

- Quem disse isso?

- Ora, é a técnica contábil, das partidas dobradas...

- Quem inventou isso?

- Ah não sei, chefe. Isso vem desde o tempo do monge Paciolo...

- Monge Paciolo? Nunca ouvi falar... Trabalhou aqui?

- Não, chefe! Ele viveu antes do Brasil ser descoberto!

O chefe gritou feroz.

- O quê? E nós temos que obedecer ao que este monge maluco disse no tempo da idade média?

- Mas é a base da contabilidade... Um crédito corresponde a um débito...

- De jeito nenhum!! Estamos na época dos computadores! Vamos adotar outro sistema! Fala com o pessoal da informática! A partir de hoje o nosso sistema será o da pedalada! Um crédito corresponde a um crédito, um débito corresponde a outro débito, e assim por diante.

O assessor ainda tentou convencer o chefe.

- Chefe, se fizer desse modo, a contabilidade não retratará a realidade da empresa...

O chefe deu uma risada.

- E desde quando a contabilidade retrata a realidade da empresa?

- Não retrata?

- Claro que não! Não seja idiota! Ela serve para disfarçar a realidade, não é isso que estamos discutindo aqui?

- Mas, então, vamos ficar perdidos...

- Perdidos? Claro que não! O que retrata a realidade são esses cadernos que guardo aqui no cofre... Por falar nisso, me traz mais um caderno novo. 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Assédio Moral no Serviço Público

Em 2013, a Justiça do Trabalho julgou 656 ações de assédio moral, culpando as empresas que nada fazem para impedir atos de seus chefes que humilham os funcionários. Em certos casos até incentivam indiretamente tais atos por meio da insidiosa pressão que exercem sobre os responsáveis dos setores administrativos e de produção. Os chefes pressionados descarregam sua fúria nos subalternos. Os subalternos atormentados pelos chefes descontam na família ou chutam o cachorro da casa. A família fica infeliz; o cachorro vai morder o gato.

Esse é o chamado assédio moral hierárquico, o chefe promovendo terrorismo psicológico no seu setor, semeando a discórdia entre os funcionários, ridicularizando seus subordinados.

São consideradas práticas de assédio moral:
1– Marcar tarefas com prazos impossíveis;
2– Mudar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais;
3– Apropriar-se de ideia alheia;
4– Ignorar ou excluir funcionário só se dirigindo a ele por meio de terceiros;
5– Sonegar informações de forma reiterada;
6– Espalhar rumores maliciosos;
7– Criticar com persistência;
8– Subestimar esforços;
9– Determinar atribuições incompatíveis com o cargo;
10– Sonegar trabalho ao funcionário.

Diz-se que é considerado assédio moral quando a prática se torna repetitiva, persistente, rotineira. Deste modo, um ato isolado, um rompante ocorrido numa discussão, não chegaria ao ponto de ser considerado assédio moral. Contudo, alguns atos isolados podem repercutir e provocar reflexos no futuro, cujas consequências não cessam no momento ou no calor da discussão. Um exemplo seria o de direcionar a um determinado servidor toda a responsabilidade por um erro praticado no setor onde ele trabalha. O coitado passa a ser o bode expiatório das mazelas internas.

Diversos Municípios formularam leis que proíbe a prática de assédio moral nos órgãos municipais. Uma das leis define como assédio moral “toda ação, gesto ou palavra, praticada de forma repetitiva por agente, servidor, empregado ou qualquer pessoa que, abusando da autoridade que lhe confere suas funções, tenha por objetivo ou efeito atingir a autoestima e a autodeterminação do servidor, com danos ao ambiente de trabalho, ao serviço prestado ao público, bem como a evolução, a carreira e a estabilidade funcional do servidor”.

O Município de São Paulo já possui lei sobre a matéria desde 2002. Trata-se da Lei n. 13.288 que define assédio moral da seguinte maneira: "Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a autoestima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de ideias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços".

Segundo a lei de São Paulo, o servidor que praticar assédio moral poderá ser suspenso, multado ou demitido.

A pergunta que se faz é a seguinte: O Município precisa de lei própria para proibir a prática de assédio moral? A pergunta é relevante, pois esse tipo de crime ainda não consta no Código Penal, embora circule no Congresso projeto de lei neste sentido. Todavia, o assédio moral não deixa de estar, subjetivamente, inserido como forma de dano à moral e à liberdade do trabalhador, e, assim, a sua reparação estaria explícita como ato ilícito previsto no art. 186 do Código Civil. Caberia, portanto, uma ação indenizatória por danos morais, mas, pelo menos por enquanto, não seria o caso de uma ação criminal.

Neste sentido, seria importante uma lei municipal dirigida exclusivamente aos seus quadros de servidores, a promover sanções internas aos que assediam os seus colegas de trabalho.

Aspecto importante é que cabe ao servidor provar que sofreu dano moral. Por isso, deve se cercar de provas do ato, inclusive atestados médicos que registrem os problemas físicos ou psicológicos atribuídos às condições de trabalho. O servidor deve reunir tudo que possa ser considerado como prova do ato e o seu nexo causal ao dano moral sofrido.

domingo, 19 de outubro de 2014

O Profissionalismo no Serviço Público

É preciso acabar de vez com a antiga história de que servidor público não é um profissional, para encerrarmos o nefasto círculo vicioso que conjuga o deficiente serviço público com o minguado salário que o servidor recebe. É assim: servidor público presta serviço ruim porque recebe salário ínfimo; servidores ganham salários ínfimos e, por isso, prestam serviços ruins.

Um engenheiro servidor público, por exemplo, não pode, em hipótese alguma, receber salário abaixo do piso profissional da categoria. Mas, isso não significa que o engenheiro servidor público tem que ganhar o piso profissional, ou seja, o salário mínimo profissional. Tem que ser daí para cima, numa escala evolutiva por tempo de serviço ou por mérito.

Servidor público não é serviçal, é servidor. Não tem que ficar chamando os usuários de sahib, como os indianos chamavam os senhores ingleses. Tem que tratar o usuário com educação, mas em igualdade de condições. Aliás, a educação se reflete em todos os atos do servidor: ao despachar um processo na forma cortês de redigir; ao emitir uma notificação; nas relações internas; no respeito aos ocupantes de cargos de chefia (e vice-versa).

Alguns péssimos costumes ficaram arraigados no serviço público. Certos despachos processuais ainda utilizados simbolizam o ranço da arrogância, tipo, “Cumpra-se!”; “Indefira-se!”; “Arquive-se!”, sem explicar os motivos de cumprir, de indeferir, de arquivar.

Uma das medidas para profissionalizar o serviço público é a instituição de cargos de carreira, com servidores aprovados em concurso público. O exercício de atividade pública exige conhecimentos específicos e não é mais cabível agrupar pessoas que se revelam totalmente inadequadas ao cargo. Esta tática de nomear por apadrinhamento pessoas incompetentes e desclassificadas, com vistas a manter o controle dos poderes políticos, tem que ser erradicada de uma vez por todas. A famigerada técnica de nomear por indicação política é a responsável pelos desmandos, pelo rigor patológico da burocracia (a insegurança do gestor gera excessos burocráticos) e pela improbidade. O caso atual da Petrobrás é um ótimo exemplo.

Serviço público existe para satisfazer as necessidades sociais, tanto faz a função exercida pelo servidor, pois este representa o interesse da coletividade. Atua como se fosse um representante da população, cumprindo a legislação aprovada por seus mandatários. Para tanto, o servidor tem que exercer suas funções com independência, sob a qual responde por seus atos discricionários, assume responsabilidades e sobre as suas consequências.

São tolos aqueles que nomeiam por lealdade, laços de sangue, amizade ou identificação  ideológica, acreditando que assim se previnem contra os desmazelos e corrupções. Esquecem que tanto o incompetente quanto o corrupto, ao assumir o poder somente bajulam seus nomeantes para assegurar-se no cargo. O pior servidor (em qualquer área) é aquele que sobrevive pela bajulação. E o pior gestor político é aquele que se alimenta da bajulação recebida. Se um dia ele perder o posto, os bajuladores nunca mais o procurarão. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A entrevista gramatical

- A senhora acredita que a situação econômica do Brasil vai melhorar em 2015?
- Não sei responder por que não sou videnta!
- VIDENTA? Não seria vidente?
- Eu sou mulher, homem é que é vidente.
- Tudo bem. O próximo governo será diferente do atual?
- Eu queria dizer que no próximo mandato eu serei estadista, enquanto que no atual eu fui gerenta!
- GERENTA? Não seria gerente?
- Gerente é homem, gerenta é mulher.
- Tudo bem. E os escândalos de propinas serão esclarecidos?
- Sem dúvida! Eu serei inclementa contra os ladrões!
- INCLEMENTA? Não seria inclemente?
- Sou mulher, portanto, sou inclementa.
- Já entendi. E o PIB vai melhorar?
- Não vou tolerar pibinho! Eu sou uma mulher persistenta!
- PERSISTENTA? Não seria persistente?
- Eu não sou homem para ser persistente.
- Está bem. E a bolsa família vai continuar?
- Não só continuar como crescer. Quero criar a bolsa mulher! Quero ver todas as mulheres deste país felizes e sorridentas.
- SORRIDENTAS? Não seriam sorridentes?
- Sorridentes são os homens. Eu falei nas mulheres.
- E vai ter dinheiro para suprir esse novo programa?
- Farei tudo com os pés no chão. Eu sempre fui prudenta!
- PRUDENTA? Não seria prudente?
- Não esqueça que eu sou mulher!
- Desculpe. A senhora é religiosa?
- Eu sempre fui uma mulher tementa a Deus.
- TEMENTA? Não seria temente?
- Não confunda o meu sexo, por favor!
- E como a senhora vai formar o quadro político do governo?
- O quadro tem que ser, obrigatoriamente, técnico. Não sou atendenta de pedidos políticos.
- ATENDENTA? Não seria atendente?
- Já lhe disse que sou mulher!
- Em suma, o novo governo será diferente do atual?
- Em alguns aspectos, sim, mas nunca esquecer que a palavra final será minha, pois eu continuo a ser a principal DIRIGENTA!
- E senhora vai com tudo nesse segundo turno?
- Claro que sim! Eu sempre fui uma mulher COMBATENTA!!

NOTA: Apesar da brincadeira acima, não podemos esquecer que Machado de Assis, em Obras Póstumas de Brás Cubas, escreveu no Capítulo 80 - Do Secretário: “Na verdade, um presidente, uma presidenta, um secretário, era resolver as cousas de um modo administrativo” (o negrito é nosso).

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Tumulto na Comunidade


O Posto de Saúde da comunidade foi inaugurado com pompa e circunstância. Foguetório, trio elétrico, passistas de escola de samba e um mundo de autoridades. A comunidade em peso foi lá participar da festa, afinal, uma novidade não se desperdiça, ainda mais que agora é possível gravar o capítulo da novela e assistir depois.


Dia seguinte, o posto estava cheio de gente. Doentes, mais ou menos doentes, sadios e mais ou menos sadios, todos foram ao posto para serem atendidos e admirarem o prédio novo. Os azulejos brancos e novinhos das paredes já estavam repletos de papéis colados, dando avisos escritos a mão: vacinas pra lá, remédios pra cá, idosos à direita, crianças à esquerda, não fume, uma infinidade de valiosas informações grudadas com cola ou fitas adesivas, que ninguém lia. Todos queriam falar na recepção, onde atendentes desesperadas procuravam atender a todos. Uma festa!


Zeca do Peixe, com seus oitenta anos, lá estava também, querendo ser atendido por um médico qualquer. Depois de duas horas de espera, o que não o incomodou, pois estava em boa conversa com o seu Broa, foi atendido por um médico cubano. Com certa dificuldade de comunicação, conseguiu, enfim, explicar ao médico que ele nada sentia de ruim, sintoma que o preocupava, porque homem de oitenta anos tem que sofrer de alguma coisa, não é natural um velho não contrair uma doença, não ter uma dorzinha aqui ou ali, essa falta de problemas o incomodava muito.

O cubano receitou uma caminhada diária, era preciso fazer algum exercício. Zeca do Peixe saiu aborrecido da consulta, onde já se viu médico não receitar nenhum remédio, ainda por cima nem sabe falar direito, “parece o japonês do pastel”. Seu Broa meneou a cabeça concordando. De qualquer forma saiu do posto e foi caminhar no calçadão da praia. Mas, depois de alguns passos, não gostou de caminhar e resolveu correr. E depois de uma corrida de uns quinhentos metros sentiu falta de ar e caiu desmaiado. Os bons samaritanos acudiram e o levaram depressa ao posto de saúde. Já chegou morto, infarto bravo.

A morte do Zeca do Peixe causou perplexidade, comoção e revolta, nesta ordem. Todos que estavam no posto de saúde tomaram conhecimento da triste notícia e o murmurinho inicial transformou-se em gritaria. Discursos acalorados ressoavam nos corredores do posto. “O culpado foi esse médico cubano!”, gritou Índio das Verduras sob os uivos da multidão. O Henheco, eletricista comunista, vociferou: “O posto, em vez de trazer saúde, trouxe a morte para a comunidade”.

Começou o quebra-quebra e a perseguição ao cubano. O coitado do médico corria como louco, fugindo da turba até levar uma cadeirada de rodas nas costas e tombar no corredor. Quem o derrubou foi a dona BPereira que passeava pelo posto na cadeira de rodas que pegou no almoxarifado. Dona BPereira estava grávida pela vigésima terceira vez, mas ainda forte como um touro.

A segurança conseguiu resgatar o que sobrou do médico e o levou para destino ignorado na ambulância do posto de saúde. Tudo ficou destruído. Um candidato a Deputado Estadual prometeu a reconstrução do posto e garantiu não realocar médicos cubanos. A turma foi embora já na expectativa de uma nova festa de inauguração. Cada um levava um santinho com o número do candidato.

domingo, 21 de setembro de 2014

Mensagens eletrônicas

Recebo diariamente uma infinidade de mensagens eletrônicas misteriosas, estranhas ou comoventes. Fico assim, sem saber o que fazer com elas, se deleto ou respondo, pois ainda considero falta de educação jogar na lixeira as mensagens dos outros. Mas são muitas! Se ficar respondendo acabo não fazendo mais nada durante o dia. Problema sério!


Alguém envia e-mail me dizendo que posso comprar duas sandálias havaianas pelo preço de uma. Sem dúvida, uma gentileza da pessoa ao avisar-me de tal oportunidade e seria um desrespeito simplesmente ignorá-la. Ocorre que não estou precisando de sandália havaiana, a minha ainda dá pro gasto, o que fazer? De qualquer modo, agradeço a oferta.

Outra mensagem me pergunta se quero ser funcionário público. Se quiser, muito simples, basta fazer um curso. Respondo dizendo que não posso, já passei dos setenta. A pessoa não me responde.

Outra me oferece quatro entradas de cinema por um real. Realmente interessante, mas o cinema está localizado em São Paulo. Faço as contas e vejo que não compensa a despesa de passagem do Rio para São Paulo. Respondo agradecendo e explicando o motivo da recusa. A pessoa não me responde.

Uma senhorinha me diz que tem 3 milhões de e-mails abertos. Se eu quiser, basta baixar o donloude. Fico pensando: o que vou fazer com 3 milhões de e-mails abertos? Respondo dizendo que não preciso, porém, agradeço a deferência da oferta. Ela não responde.

A Cacique me oferece empréstimo pessoal e imediato. Seria bom receber uma graninha, mas depois terei de pagar e isso me preocupa. Dispenso o gentil oferecimento e respondo que se um dia houver doação para velhinhos, por favor, me enviar oferta. A Cacique não responde.

O Senhor Marcelo me pergunta se as minhas noites estão sendo prazerosas, e se a minha parceira compartilha do prazer. Não sei como responder. Pergunto à minha mulher e ela, como resposta, dá uma risada irônica. Respondo ao Senhor Marcelo que não sei se as minhas noites são prazerosas porque tenho o costume de dormir de noite. Ele não responde.

Um tal de “prevent sênior” me oferece preventivo especial para terceira idade. Não tive coragem de abrir o e-mail, mas parece que ele demonstra as qualidades de um enorme bastão elétrico. Fiquei com medo, não só pelo fato de que quem tem, tem medo, mas, principalmente, porque o bastão pode dar choque ou provocar um curto-circuito. Fiquei imaginando eu na cama sendo eletrocutado e agarrado no bastão. Cruz credo! Estou fora!

O mais gentil e-mail que recebi foi o de uma moça chamada Suzaninha, a perguntar se eu gostaria de sua carinhosa companhia. Fiquei até comovido. Perguntei à minha mulher o que ela achava da proposta, e ela me disse para convidar a mocinha para o chá das cinco. E perguntar o que ela prefere para acompanhar o chá: bolinhos de mel ou torta de chocolate. Suzaninha não respondeu. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A reforma tributária do Simples Nacional


Desde 2006 venho dizendo que o Simples Nacional foi a semente de uma reformulação de gestão tributária a ser implantada no País. Na época, protestei veementemente contra a constitucionalidade da Lei Complementar n. 123/2006, que, em minha opinião, violava a cláusula pétrea da autonomia dos entes políticos, particularmente dos Estados e Municípios, mas eu sabia que a instituição do Simples Nacional daria curso a uma série de mudanças, tudo a depender do sucesso de implantação do programa.

A inconstitucionalidade a que me referia era a criação de um Comitê Gestor com amplos poderes de regulamentar a tributação em nome da União, Estados e Municípios, atingindo frontalmente o direito dos entes federativos em legislar sobre matéria tributária de sua responsabilidade. A tentativa de “harmonizar” essa atrevida ingerência na autonomia das pessoas políticas ocorreu com a ampliação da competência de leis complementares, passando a alcançar a definição do tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e empresas de pequeno porte, astutamente acrescentado no ano de 2003, no art. 146 da Constituição. Na época, percebi que algo maior estava por vir, principalmente depois da frustrada tentativa de reforma tributária do governo anterior. E três anos depois surgiu o Simples Nacional.

Em termos cronológicos, foi assim:
2003 – Emenda Constitucional n. 42 que permite por lei complementar definir o tratamento de microempresas e empresas de pequeno porte e instituir regime único de arrecadação para essas empresas;
2006 – Lei Complementar n. 123/06 que institui o programa do Simples Nacional;
2008 – Lei Complementar n. 128/08 que institui a figura do Microempreendedor;
2011 – Lei Complementar n. 139 que ampliou o teto de faturamento das empresas do Simples Nacional;
2014 – Lei Complementar n. 147 que amplia as atividades que podem ser enquadradas no Simples Nacional.

Alguém pode achar longo o lapso de tempo entre as medidas, mas não é bem assim se levarmos em conta as gigantescas alterações introduzidas, que precisavam de tempo suficiente para maturar, além de mudanças no Código Civil, introdução de sistemas especiais e a complicada formação do Comitê Gestor, tarefa árdua para não perder o viés técnico do grupo e evitar por todos os meios não cair nas teias das aranhas políticas. Não há dúvida que o Comitê Gestor do Simples Nacional muito padeceu no início para apaziguar os ânimos de seus pares e acertar o seu caminho. Fez, também, uma série de trapalhadas, mas teve o mérito de corrigir os seus próprios erros e nunca desistir. Deve-se louvar a dedicação dos seus membros e ter ciência do stress que muitos sofreram.

E o processo continua. A depender da nova situação política em 2015, vamos ter a ampliação do conceito de empresas de pequeno porte, passando do atual faturamento de R$3,6 milhões (sem considerar as exportações) para, provavelmente, R$5,4 milhões (esta é a minha estimativa), mas não será surpresa se atingir a casa dos R$6 milhões.

Pretende-se, também, criar uma faixa de transição. As empresas que superarem o limite de receita terão um período de um ou dois anos ainda com direito ao programa, a fim de evitar uma transformação súbita.


E outra medida que irá afetar diretamente os Municípios será a liberação quase automática do alvará de funcionamento das empresas. Atividades de baixo risco serão autorizadas a funcionar de forma quase imediata, dando fim à farra dos alvarás. O alvará será único! O CNPJ substituirá todas as outras inscrições, inclusive a estadual e municipal. Não haverá mais necessidade de alvará ambiental, alvará da vigilância sanitária, alvará do Bombeiro, alvará do Urbanismo, alvará da Igreja Universal. Um só e pronto! Aleluia, Senhor!  

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O ISS das Propinas

O nosso mestre, Sacha Calmon, conta no seu “Curso de Direito Tributário Brasileiro” que um sujeito montou consultório de psicanalista e atendeu por anos a uma seleta clientela. Descoberto o fato de que não era formado em coisa nenhuma, o cara foi preso. Mas, o ISS e o IR tiveram que ser pagos. Afinal, serviços foram prestados e receitas subtraídas. Não há perdão.

Importante entender tal situação: atividades lícitas, embora realizadas ilicitamente, são tributáveis. Atividades ilícitas (jogo do bicho, por exemplo) não podem ser tributadas. Lembro-me de um caso antigo, do Fiscal Municipal que intimou as prostitutas da sua cidade para se inscreverem na Prefeitura como profissionais autônomas e pagarem o ISS. A mulherada fez fila no setor do Cadastro Mobiliário, todas querendo um crachá de autonomia legalizada. Foi uma confusão! O Chefe cancelou as intimações, sob protesto geral. A prostituição, pelo menos naquela época, era atividade proibida.

Afinal, a origem do dinheiro tem importância?

Bem, se dinheiro fede ou não fede, o assunto é lá de Roma antiga. Aliás, esse tal de Vespasiano, Imperador de Roma, adorava fazer frases de efeito ditadas ao seu filho, Tito. “Pecunia non olet” (“dinheiro não cheira”), ele disse ao filho. Vespasiano foi o mesmo que explicou ao seu filhão que o povo prefere pousar o seu “cunis” na arquibancada de um estádio do que no banco de uma escola. Ou o sujeito era realmente muito criativo ou tinha um excelente marqueteiro.

Mas o assunto aqui é outro: a cobrança do ISS relativo às receitas auferidas provenientes de serviços de propinas. Podemos cobrar? Respondo que sim, embora inexista item específico na lista de serviços. Realmente, a lista de serviços do ISS não inclui “Serviços de Propina”, ou, de forma mais abrangente, “Serviços prestados mediante peculato, apropriações indevidas, falsificações de documentos públicos, inserção de dados falsos, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, concussão, corrupção passiva e congêneres”.

Ora, todo mundo sabe que a lista de serviços é taxativa (ou “numerus clausus”), porém, nenhum corrupto confessa claramente que exerceu atividade de corrupto. Eles dizem que prestaram serviços de consultoria, assessoria, intermediação, representação, guarda de bens, fornecimento de dados, analista, enfim, eles sempre se auto-intitulam como profissionais de uma atividade lícita. Deste modo, o ISS é tributável, não importa que o corrupto não fosse credenciado ao exercício da atividade permitida.

Está aí a redenção dos Municípios. Segundo os jornais, só na Petrobrás o rombo está calculado em quase R$4 bilhões, o que renderia uns R$200 milhões aos cofres públicos municipais. Se somarmos as propinas em todos os setores e em todos os entes políticos, que receita maravilhosa seria obtida!


Por isso, recomendo às autoridades municipais a criação do SASEP (Setor de Apuração de Serviços de Propina), nomeando um Auditor Fiscal para comandá-lo. É possível que uma empresa de informática queira criar um software específico para controle dessa atividade. Se for única, talvez se consiga a inexigibilidade de licitação.  

sábado, 6 de setembro de 2014

Tensão na retaguarda

Um jovem de semblante tenso abre a porta do gabinete federal e põe a cabeça para dentro da sala.
- Diretor Vitalício! Posso ter uma conversa particular com o senhor?
- É claro, Raimundinho! Entra e feche a porta.
Raimundinho entra e desaba na poltrona em frente da mesa do Diretor. Passa a mão no rosto e começa:
- Diretor Vitalício, eu estou muito preocupado, não consigo nem dormir direito.
- O que está acontecendo?
- É esta situação das eleições! O nosso partido está correndo o risco de perder!
O Diretor Vitalício esboça um sorriso.
- Perder faz parte do jogo, Raimundinho. Esse é o lado perverso do regime democrático.
Raimundinho balança nervosamente a cabeça.
- Mas se o nosso partido perder todos nós seremos exonerados!
- É possível, a não ser que se consiga um pistolão no partido vencedor.
- Mas quem, Diretor? Ninguém conhece essa candidata!
O Diretor Vitalício coça o queixo desconfiado.
- Você já andou tentando?
Raimundinho apruma o corpo e se aproxima da mesa.
- Diretor, eu nunca fui traíra, o senhor sabe, mas a gente tem que se precaver.
- O que você fez?
- Bem, andei fazendo alguns contatos. Na primeira situação estava mais fácil, conversei com políticos do outro partido, recebi algumas promessas, se desse zebra o meu cargo já estava garantido... Bom, mais ou menos garantido.
- Raimundinho, nunca confie nas promessas dos políticos...
- Eu sei! Mas quebrei uns galhos para certos adversários...
- Tudo bem! Não precisa me dizer como conseguiu as promessas.
- Certo! Mas agora não consigo encontrar ninguém!
- Você tentou com políticos do Acre?
- Tentei! São todos contra a candidata!
- E em Pernambuco?
- Ninguém gosta dela! Os políticos de lá dizem que ainda estão digerindo a candidata! O senhor não se preocupa com isso?
O Diretor encostou-se na poltrona e deu um suspiro.
- Meu caro, estou aqui há doze anos, já sou aposentado, tenho uma poupança, já passei dos setenta, estou conformado, está na hora de pendurar as chuteiras.
- Mas não é o meu caso! Este cargo foi o meu primeiro emprego, também estou aqui há doze anos, que emprego vou conseguir?
- Ora, neste tempo todo você deve ter aprendido alguma coisa...
- O quê? A única coisa que faço é despachar processo. Não conheço nenhuma profissão de despachador de processo.
- Já falou com o seu pai? Ele não é deputado?
Raimundinho abanou a mão num gesto de desalento.
- Ele já foi deputado! Perdeu as duas últimas... Mas, o senhor sabe como é, vive passeando nos corredores da Câmara como se ainda tivesse algum poder.
O Diretor assentiu meneando a cabeça.
- É verdade... Não existe ex-deputado.
- Por favor, Diretor! Me ajude! Com quem eu devo conversar?
O Diretor deu outro suspiro de cansaço.
- Não sei realmente. Essa moça surgiu como um furacão, alterando todo o cenário. Antes dela a coisa não estava tão má, meio preocupante, é verdade, mas com boas perspectivas. Além disso, os políticos adversários eram todos conhecidos da gente. Dava para conversar e acertar alguns ponteiros.
- E agora, Diretor?
- Acho que agora é hora de rezar, pagar as penitências e preparar um bom currículo.