domingo, 29 de junho de 2014

O Outdoor e as chantagens tributárias

Da série: Manicômio Fiscal


Tormento maior dos empresários e respectivos contabilistas é o de resistir ao canto das sereias fiscais. Eles sabem que está errado ser atraído às armadilhas fiscais, mas, quem há de recusar aos mimos dadivosos?

Vejam só. Em março de 2014, o Superior Tribunal de Justiça refutou a tese de que o serviço de divulgação de publicidade em outdoor sofre incidência do ICMS. Entendeu o STJ que tal serviço não deixa de ser publicidade, e, assim, sofre incidência do ISS, não se tratando de serviço de comunicação (ICMS), como queria o embargante e, por consequência, o Estado.
Foi essa a decisão do STJ:
“(...)
3. In casu, a Corte de origem, com base no contexto fático dos autos, verificou que "não há como negar o caráter publicitário da atividade dos apelantes. Ao receber o material criativo das agências de propaganda (ideias, produtos ou serviços a serem divulgados) e alocá-los de maneira específica em um outdoor, realizam os apelantes serviço de publicidade, pois tornam públicos a ideia, o produto, a mensagem elaborada, de forma criativa, pelo propagandista. Nessa esteira, conclui-se que veicular informação nada mais é do que realizar publicidade" (fl. 785, e-STJ). Sobre serviços de composição gráfica não incide ICMS, a teor da Súmula 156 do Superior Tribunal de Justiça.
4. O Tribunal a quo considerou, com análise das provas acostadas aos autos, que a atividade desenvolvida se subsume à descrição contida no item 17.06 do anexo da LC n. 116/03 (...)” (AgRg no AREsp 464154/SP – Rel. Min. Humberto Martins – DJ 31/03/2014).

Ou seja, outdoor paga ISS ao Município e não ICMS ao Estado.

Diante de tal decisão, o Estado de São Paulo (a decisão acima foi originária de São Paulo, Município de Cotia) ficou preocupado em perder todas as ações de cobrança do ICMS sobre receitas de outdoor. Podemos imaginar o volume de lançamentos e cobranças em todo o Estado, haja vista o número de outdoors espalhados no território paulista.

E assim, publicou o canto da sereia, ou melhor, o Decreto nº 60.571, de 25 de junho de 2014. Este decreto oferece aos supostos contribuintes que atuam na atividade citada:
- dispensa total do pagamento das multas e demais acréscimos legais relativos ao ICMS dos serviços “de comunicação visual em mídia exterior” (é assim que o Estado denomina outdoor);
- parcelamento do principal em até 24 parcelas mensais sucessivas;
- aplicação de alíquota de 5% sobre o principal (lembrando que 5% é a alíquota máxima do ISS).

Contudo, a dádiva oferecida está condicionada ao seguinte:
- adote como base de cálculo do ICMS o valor total dos serviços cobrados do tomador (ou seja, até mesmo a confecção dos painéis e instalação);
- não questione, judicial ou administrativamente, a incidência do ICMS sobre tais serviços;
- desista formalmente de ações judiciais e recursos administrativos contra a Fazenda Pública Estadual.

Em resumo, o Estado de São Paulo tenta receber o que não é devido, através de vantagens pecuniárias, mas exige que o suposto contribuinte não use do seu direito (constitucional) de questionar a cobrança na Justiça ou na própria Administração.

Lá em Tremembé a gente chamaria isso de chantagem... Ou seria extorsão? Não sei.



PS - O Superior Tribunal de Justiça manteve a incidência do ISS nos serviços de outdoor, ao julgar o Embargo de Declaração no AREsp 464154/SP. Veja a notícia no portal do Consultor Municipal, em 28/10/2014.

domingo, 22 de junho de 2014

A remoção do cadáver

Não foi difícil matá-lo. Convidei-o a dar um passeio no meu carro e conversarmos como dois adultos civilizados sobre as nossas divergências, nada de gente por perto, e fora do nosso ambiente de trabalho. Uma conversa cara a cara, franca e leal. Ele pareceu não entender o meu convite porque, segundo ele, o seu propósito foi sempre de ajudar, de colaborar, ora, aquele gordo maldito! Suas observações eram sempre de natureza construtiva, disse-me ele, jamais pretendeu me ofender com as suas observações, apenas ajudar... Ajudar? Pois não dava mais para suportar aquela permanente intromissão em tudo que eu fazia, dizendo que eu devia ter feito assim e assim, logo quem! Um funcionário! Um reles subalterno! A dar conselhos sem ser solicitados! E na frente de todo mundo, com a maior naturalidade, onde já se viu?... Não!! Em absoluto! Não estou zangado não! Quero apenas trocar umas ideias, conversar sobre o trabalho, você sempre me dá boas sugestões... Parece que ele acreditou. Deu um sorriso, disse que gostava de mim, que estava à minha disposição... Pois sim! Eu sei o que ele queria! Ele queria o meu cargo! Estava de olho na minha posição! Ele queria que todos soubessem da sua capacidade, que era superior a mim, mais inteligente do que eu, que era uma injustiça eu ser o seu chefe. Gordo maldito! Não foi difícil matá-lo.

Durante a conversa no carro, dei a ele a latinha de cerveja, na qual injetei previamente uma boa dose de veneno, ele bebeu, passou mal, o corpo a tremer em espasmos, e morreu olhando perplexo para mim. Eu escolhera um bom lugar para estacionar, de noite e sem ninguém por perto. Bem, o assunto estava resolvido, não haveria mais aquela perigosa sombra a atormentar-me.

Mas agora precisava dar sumiço no cadáver, e eu não planejara essa parte do plano... Nunca fui bom de planos, pensei apenas como matá-lo, talvez pelo ódio que eu nutria por ele, e esquecera por completo planejar todo o procedimento.

Pensei inicialmente em retirá-lo do carro e jogar o corpo no meio das pedras onde as ondas espumavam na arrebentação. Esqueci que ele era gordo demais e eu não tinha forças para puxá-lo e levá-lo até a encosta do mar. Resolvi, então, levá-lo até a minha casa, onde abri a garagem e o deixei no carro. Eu estava cansado, fui dormir e o deixei ali mesmo. No dia seguinte eu pensaria numa solução.

No dia seguinte, o corpo estava inchado e já fedia. Disfarcei o cheiro da garagem com um aerosol aroma jasmim, mas não ajudou muito. O cadáver, agora mais gordo e inchado, era impossível retirá-lo do carro. E, além disso, eu precisava trabalhar, não podia faltar ao expediente no mesmo dia em que o gordo também não comparecesse, ele era o meu braço direito, como todos diziam, era ele que resolvia os problemas, eu ficava na parte política, tratando com a diretoria... Questões pequenas eram com ele. Um absurdo o gordo faltar ao trabalho exatamente no dia em que eu precisava estar ausente!

Tranquei a porta da garagem, vedei as frestas das janelas, e fui de ônibus para o serviço. Mandei cortar o ponto do gordo! Faltou sem dar uma única justificativa! Comentei o caso da ausência com o diretor e ele ficou surpreso, “o gordo faltou? Ele não é disso!”. Ah-ah, foi bom o diretor saber que o gordo não era tão perfeito assim.

A minha garagem transformou-se em mausoléu, o carro em caixão. Joguei cal sobre o cadáver para diminuir o cheiro e nunca mais usei o meu veículo. Dei queixa de roubo e recebi o seguro. No serviço, todos sentiam falta do gordo, a polícia andou por lá fazendo perguntas, o desaparecimento era um mistério. Fiquei consternado... Será que ele tinha uma amante? Fugiu com ela? Essas coisas...

E anos se passaram e o cadáver na garagem. De vez em quando vou até lá e me sento ao lado do corpo decomposto. E converso com ele, conto as novidades da empresa e faço perguntas sobre coisas do serviço, mas o gordo nada fala e não responde às minhas perguntas. Fica lá se decompondo... Gordo maldito!


quinta-feira, 12 de junho de 2014

O Brasil aos olhos da imprensa internacional

Com o advento da Copa do Mundo a imprensa internacional resolveu falar sobre o Brasil. Notícias interessantíssimas! E como a mídia brasileira esconde muita coisa dos seus leitores, vale a pena reproduzir certas informações que a vetusta imprensa internacional diz a nosso respeito.

A – Os atletas quando jogarem no Estádio de Manaus deve tomar cuidado com as cobras que infestam o gramado. Podem até ser engolidos por uma sucuri! E os torcedores, quando se dirigirem ao Estádio, devem andar juntos e acompanhados por um guia armado de fuzil, para evitar qualquer ataque de uma onça ou bando de macacos enfurecidos.

B – Nos passeios no Rio de Janeiro, os turistas/torcedores devem sair pelados do hotel, não basta deixar carteira e utensílios nos cofres, porque os pivetes de rua roubam até as roupas dos incautos.

C – Não comam o tal de acarajé na Bahia! A sua receita leva até veneno de escorpião, e se você não morrer no ato, morrerá depois de diarréia. E cuidado com a pimenta baiana! Foi ela que matou o guarda.

D – Não pegue metrô em São Paulo! A viagem será interrompida repentinamente por causa de uma greve. Não ande de ônibus! Ele pode ser queimado por baderneiros! E não ande de táxi! O taxista vai lhe roubar! E quando você fugir do Brasil chegue seis horas antes do horário do vôo. Caso contrário, certamente você perderá a viagem.

E – Se você for assistir jogo em Natal, cuidado com as tempestades de areia! O nome do Estádio (das dunas) tem o seu motivo. As dunas se locomovem rapidamente e podem lhe sepultar em frações de segundos!

F – Cuidado com Porto Alegre! A cidade está cheia de alemães nazistas conspirando a favor do retorno de Hitler. Aliás, dizem que Hitler ainda está vivo e mora lá.

G – Cuiabá é um caldeirão de calor infernal, com mais de 50º à sombra. O motivo do alto índice de mortalidade local é a torrefação espontânea.

H – Não vá às praias de Recife porque os tubarões vão te comer! Não ande nas ruas do centro da cidade porque as piranhas vão te comer! Ou vice-versa.

I – Ao chegar em Brasília consiga um crachá de servidor público. Tem camelô que vende crachá de várias modalidades nas ruas. Com crachá você consegue entrar de graça nos eventos públicos e tem desconto nos restaurantes.

E em todas as cidades brasileiras você ainda presenciará cenas degradantes, como crianças escravas pedindo esmolas, ruas imundas, trânsito caótico, prédios históricos rabiscados grotescamente, gente urinando nas ruas... Bem, algumas coisas até que são verdadeiras.


sexta-feira, 6 de junho de 2014

O Alvará de Funcionamento

Em remotas épocas, lá nos idos da década de 90, uma Prefeitura emitia o Alvará de Funcionamento, naquele modelo que parecia um diploma, colorido e muito bonito, com a seguinte mensagem no verso:

Senhor(a) Empreendedor(a),
Em nome do Município, agradecemos a sua iniciativa de investir em um novo empreendimento econômico em nossa cidade e fazemos votos que ele se desenvolva e prospere.
Permita-nos lembrar alguns cuidados que deverão ser tomados em relação ao seu novo estabelecimento:
- procure mantê-lo sempre limpo e asseado, sem obstáculos nas passagens dos visitantes e clientes.
- cuide dos aspectos de segurança, cumprindo as normas expedidas pelo Corpo de Bombeiros, mantendo livres as saídas de emergência e os extintores na validade exigida;
- os banheiros devem estar sempre limpos e higiênicos, e os seus equipamentos funcionando!
- mantenha a calçada frontal ao estabelecimento limpa e não deposite a sujeira nas sarjetas;
- coloque o lixo em recipiente adequado e de acordo com as normas de limpeza pública; e o deposite para recolhimento no dia em que a coleta de lixo for executada em sua rua;
- qualquer obra de reforma do estabelecimento deve ser comunicada à Prefeitura, a não ser pequenas obras, tipo pintura, instalação de pequenos equipamentos, pequenos consertos elétricos ou hidráulicos. Obras que alterem ou provoquem mudanças no projeto, devem ser requeridas com a apresentação do novo projeto, assinado pelo engenheiro ou arquiteto responsável;
- se estiver em dúvida se pode ou não pode fazer alguma reforma no estabelecimento, o melhor caminho é consultar previamente a Prefeitura.
Evite o constrangimento de ser advertido ou autuado pela Fiscalização Municipal. Nós também não queremos que isso venha a ocorrer.
Desejamos-lhe muito sucesso!
O Prefeito

Tinha gente que dizia que a mensagem era politiqueira, mas, na verdade, não constava o nome do Prefeito e este modelo de Alvará passava por diversos mandatos eleitorais. A mensagem, porém, trazia uma responsabilidade para a própria Prefeitura: ter servidores aptos a receber os contribuintes, ouvir suas pretensões ou dúvidas e explicar, educadamente, o que seria ou não permitido, nos termos da legislação em vigor.

E ter servidores treinados e capacitados para exercer o atendimento é problema de gestão administrativa. Aliás, é comum gastar grandes recursos em locais de Atendimento ao Contribuinte e nada na capacitação e motivação dos servidores.

O Jornalista Carlos Alberto Sardenberg publicou artigo no Jornal O Globo, de 5/6/2014, sob o título “Quem quer empresas?”. Ele, de início, critica a legislação que em vez de incentivar a abertura de novos negócios, procura criar todas as dificuldades possíveis, algumas delas nas raias do absurdo.

Ele conta que um microempresário tentou abrir uma empresa de informática em São Paulo, num sobrado em bairro residencial. Não recebe clientes e todo o trabalho é on-line. No cardápio de exigências, havia laudo do corpo de bombeiros, projeto de engenheiro... e até a exigência de contrato de convênio de estacionamento! O microempresário gastou mais de R$3.000,00 só para conseguir os papéis exigidos.

Em outra história, o Jornalista conta a odisséia de um casal que exerce atividade de Artesanato há quinze anos. De repente, a Receita Federal resolve alterar o CNAE da firma, porque a atividade de artesanato tinha sido excluída do cadastro. O CNAE foi direcionado para o código mais próximo, batizando a firma com a atividade de “Agência Matrimonial”, coisa que nunca fizeram e não entendem patavina do assunto. A piorar, o local do estabelecimento, de acordo com a lei de zoneamento municipal, só permite indústria. E de artesanato deu um pulo para indústria, com o recheio de Agência Matrimonial. Foram obrigados a mudar de endereço.

Na Prefeitura, tiveram que responder um volumoso questionário com perguntas do tipo: Quantas árvores vão derrubar? Qual a área de manancial a destruir? Quantas toneladas de lixo industrial serão produzidas? E tudo isso para fabricar pequenos artefatos artesanais. O casal ainda tentou convencer um Fiscal para visitar a “empresa” e verificar o que faziam. O Fiscal recusou, dizendo que se fosse até lá teria de autuá-los porque a atividade era exercida de forma irregular.

Em minha opinião, acho que o casal devia desistir de trabalhar e inscrever-se no programa Bolsa Família. É mais fácil.  


segunda-feira, 2 de junho de 2014

O Call Center

 - Bom dia! Quem fala é Florisvalda! Em que posso ajudar?
- Bem, eu não estou conseguindo entrar na minha conta do Banco.
- Em primeiro lugar o senhor precisa conectar o token no computador!
- Isso eu já fiz.
- Verifique então se o computador está ligado na tomada elétrica!
- Claro que está.
- Observe se a internet não está fora do ar!
- A internet está funcionando plenamente.
- Veja se o senhor digitou direito o site do Banco!
- O site abriu, mas não consigo entrar na minha conta.
- O problema então é mais complexo! O senhor precisa falar com o Atendimento B! Vou passar a ligação!

(...)

- Bom dia! Quem fala é Washington! Em que posso ajudar?
- Eu não estou conseguindo entrar na minha conta do Banco.
- Qual é a mensagem que aparece na tela?
- Mensagem nenhuma. Fica uma rodinha rodando sem parar.
- Mas tem que ter uma mensagem!
- Mas não tem mensagem!
- Bem, sem mensagem eu não posso ajudar.
- E eu faço o quê?
- Vou passar o senhor para o Atendimento C!


(...)

- Bom dia! Quem fala é Otto! Em que posso ajudar?
- Não estou conseguindo entrar na minha conta do Banco.
- Qual é a informação que aparece na tela?
- Nenhuma!
- Faz o seguinte: desliga o computador, desliga tudo e cinco minutos depois religa!
- E você vai ficar aguardando na linha?
- Não! Caso o problema não tenha sido resolvido o senhor telefona de novo.

(...)

- Bom dia! Quem fala é Florisvalda! Em que posso ajudar?
- O Atendimento C me mandou desligar o computador e ligar de novo. Mas o problema continua.
- Que problema?
- Não consigo abrir a minha conta no Banco!!
- Em primeiro lugar o senhor precisa conectar o token no computador!
(...)