quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Negociações políticas

Conversa particular entre o gestor eleito e um candidato a cargo político:

- Bem, eu posso lhe oferecer um posto com 30 FG, 200 milhões para CP e 5 PS.
- Mas você tinha me prometido um posto com 500 milhões para CP...
- É verdade, porém, o posto com 500 milhões para CP não tem nenhum PS e apenas 10 FG, o que você prefere?
- 10 FG!! Isso não dá pra nada!
- Exatamente! Eu quero dizer que você precisa mais de FG do que de CP.
- Você não pode aumentar pra 20 FG? Já ajudaria...
- Não dá! O pessoal da Fazenda vem com tesoura afiada. E eu prometi não aumentar FG.
- Este posto com 30 FG é interessante, mas 200 milhões de CP é muito pouco...
- Você esta esquecendo que o posto tem 5 PS. Você vai aparecer na mídia todos os dias!
- Bem, isso é verdade, mas com pouca CP não poderemos movimentar recursos. E dinheiro é a mola de tudo!
- Meu caro, você terá dinheiro separado para manter os PS...
- Dinheiro carimbado! Não pode ser gerido! A Secretaria do Tesouro vai ficar olhando, metendo o bedelho!
- Realmente, é dinheiro carimbado, mas com enorme repercussão política!
- Acho que este posto deve ser dado a algum político jovem, que quer aparecer, fazer nome. Não é o meu caso, já sou conhecido, já estou velho. Estou precisando de muita CP, movimentar recursos!
- Você não pretende candidatar-se na próxima?
- Não! Chega! Pretendo terminar a carreira neste posto de sua gestão. Estou pensando em lançar o meu neto...
- O Netinho? Aquele menino? Qual é a idade dele?
- Está com 12 anos, mas é muito esperto! Já sabe dirigir!!
- Parabéns! No entanto, você não acha que é muito cedo para ele?
- Quando terminar o mandato ele terá 16. Faço uma jogadinha e aumento pra 18. E ele vai de vereador pra começar.
- Ora, algum adversário vai fazer conta e descobrir a idade certa dele.
- Por isso eu preciso de muita CP! Com dinheiro eu elimino até a matemática dos adversários!
- Bem, o risco é seu, mas de qualquer modo não tenho outra vaga.
- Mas você tinha me prometido 500 milhões de CP.
- É verdade, mas aquele posto foi ocupado pelo Breguete...
- Breguete vai voltar?
- Vai. Foi ele que quis e você sabe que não posso dizer não.
- Claro! E ele vai ficar com o posto de 500 milhões de CP?
- Mais ainda! Tive de aumentar para 1 bilhão.
- Então está feito! Aceito o posto que você me ofereceu!
- Você não vai ficar zangado?
- Não! O Breguete vai me ajudar, tenho certeza! Ele é meu amigo!
- Olha! Cuidado com esses repasses...
- Tranquilize-se! O Breguete sabe como fazer essas coisas
- Então, está fechado! Posso comunicar à imprensa?
- Pode, mas me diz uma coisa: qual é a função deste posto?

Informação – significado das abreviaturas:
FG – Função Gratificada;
CP – Concorrência Pública;
PS – Programa Social.

domingo, 28 de dezembro de 2014

O Governador e o Ministério Público

O Governador eleito comparece na sede do Ministério Público Estadual.

Governador – Bom dia, doutor! Como o senhor está?
Procurador-Chefe – Bom dia, Governador. A que devo a honra da sua visita?
Governador – Como o senhor sabe ano que vem assumo a Governança...
Procurador-Chefe – Estou sabendo...
Governador – Pois é. Agora, estou montando a minha equipe e estou cheio de dúvidas...
Procurador-Chefe – O ato de nomear é de grande responsabilidade...
Governador – É sempre aquela história, muitos pedidos, muitos compromissos, muitos afiliados...
Procurador-chefe – Mas aonde o senhor quer chegar?
Governador – É o seguinte: estou com medo de nomear gente com problemas na Justiça...
Procurador-Chefe – Fácil de resolver: pede certidão negativa da Justiça.
Governador – Não funciona! Todo mundo é ficha limpa, mas, de repente, pimba! Lá aparece ele indiciado em alguma tramoia.
Procurador-Chefe – São coisas que acontecem...
Governador – Acontece porque o Ministério Público já o investigava, não é isso?
Procurador-Chefe – Bem, investigar é uma de nossas funções...
Governador – Exatamente! O Ministério Público pode estar investigando um nome que ainda é ficha limpa, não é mesmo?
Procurador-Chefe – Bem, isso realmente é possível...
Governador – Pois então! Este é o meu receio!
Procurador-Chefe – E o que é que o senhor deseja?
Governador – Bem, eu gostaria de passar uma lista para o senhor e receber resposta de quem está sendo investigado e quem não está, seria possível?
Procurador-Chefe – Impossível! Não podemos fazer isso!
Governador – Por que o senhor não pode fazer isso?
Procurador-Chefe – Porque o Ministério Público não é serviço de cadastro!
Governador – Olha, seria somente um sim ou um não! Nada mais!
Procurador-Chefe – Não podemos! As nossas investigações preliminares são confidenciais.
Governador – Mas a informação seria estritamente confidencial! Não conto pra ninguém!
Procurador-Chefe – Mesmo confidencial ia parecer que estamos abonando e desabonando nomes. Não podemos endossar candidatos a cargos políticos!
Governador – Seria por debaixo do pano. Eu não quero nomear alguém e depois descobrir que o sujeito está com problemas no Ministério Público.
Procurador-Chefe – Infelizmente, não podemos ajudar. Se amanhã um nomeado for indiciado o senhor vai dizer que o Ministério Público aprovou o nome dele.
Governador – Não vou fazer isso! Hoje é uma situação, amanhã é outra!
Procurador-Chefe – Desculpe, mas não vai dar. Volto a recomendar que as pessoas indicadas apresentem certidões negativas.
Governador – Meu amigo, ficha limpa todo mundo tem. Depois que inventaram a tal da prescrição e a tal da certidão positiva com efeitos negativos, a certidão é papel sem valor...
Procurador-Chefe – Discordo! Ainda significa muito!
Governador – Ah é? Pois veja, eu tenho certidão negativa, mas estou sabendo que o Ministério Público anda investigando o meu nome...
Procurador-Chefe – Não sei nada disso...
Governador – Sabe sim! Foi o senhor que mandou me investigar, não é verdade?
Procurador-Chefe – Não comento investigações preliminares...
Governador – E nem me dizer como andam essas investigações preliminares?
Procurador-Chefe – Segredo de justiça, senhor Governador, segredo de justiça.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Cadastrando o IPTU

Da série: Manicômio Fiscal

No Setor de Atendimento da Prefeitura:
- Bom dia, eu queria que o IPTU da minha casa fosse feito em meu nome...
- Qual é a inscrição da sua casa?
- Está aqui... A senhora pode ver que ainda está em nome da loteadora...
- Estou vendo aqui no computador que a sua casa pertence à Loteadora Lava a Jato Ltda.
- Pois é. Mas esta loteadora faliu há mais de trinta anos e os donos fugiram.
- Tudo bem! O senhor me traz a escritura registrada no Cartório, seu CPF e RG, certidão de nascimento, certidão negativa do imóvel e comprovação do pagamento do ITBI que eu transfiro o imóvel para o seu nome.
- Mas eu não tenho escritura! Sou posseiro do imóvel.
- Ah, sem escritura não posso mudar o nome.
- Mas, minha senhora, fui eu que construí essa casa e vivo lá há mais de vinte anos!
- Não tem jeito, sem escritura não dá.
- Deixa eu mostrar à senhora... Veja, aqui estão os carnês desses anos todos! Sou eu que pago!
- Isso não prova nada! O senhor tem o contrato de promessa de compra e venda?
- Não! Eu comprei o terreno do seu Bidinho, que vivia lá desde que a loteadora faliu. Olha, eu tenho aqui o papel da compra...
- Papel de pão?
- É o que a gente tinha na hora. Está vendo esse X aqui? É a assinatura do seu Bidinho.
- Meu senhor! Eu não posso usar esse papel como documento de aquisição. Preciso da escritura!
- Mas, minha senhora, nem o seu Bidinho tinha escritura. Ele só ocupou o terreno e fez um barraco. Fui eu que construí a casa muito tempo depois.
- Em português claro, o seu Bidinho invadiu a propriedade, não é mesmo?
- Invadiu é uma palavra forte. O seu Bidinho, que Deus o tenha, era um homem de bem. Ele ocupou o terreno que estava abandonado.
- Mas tinha um dono...
- Uma loteadora que não existia mais!
- Bem, não importa! Sem escritura não altero o nome do proprietário.
- Então, me diz uma coisa: se eu deixar de pagar o IPTU, a Prefeitura vai cobrar de quem?
- Ora, isso não é assunto meu, é lá do pessoal da dívida ativa, mas acho que o IPTU vai ser cobrado da loteadora.
- A loteadora não existe há séculos!
- Então, acho que vão atrás de quem mora lá...
- Que sou eu!
- Vão cobrar do senhor!
- Ué! Como vão cobrar de mim se eu não sou proprietário?
- Não importa! A lei diz que o possuidor também é responsável pelo IPTU.
- Este é o ponto, minha senhora! Se eu também sou responsável, por que a casa não pode estar no meu nome?
- Porque o senhor não tem escritura!
- Mas para cobrar de mim não importa se tenho escritura, é assim?
- É mais ou menos assim.
- Minha senhora, sou pobre, mas não sou burro. Vou fazer o seguinte: vou deixar de pagar o IPTU e a Prefeitura vai me cobrar o imposto. Então, peço para que a Prefeitura prove que eu sou o posseiro. Quando ela provar, pago tudo e venho aqui para mudar o nome do proprietário. Assim, fica tudo certo, não é mesmo?
- Ah não sei! O senhor faça do jeito que achar melhor. O PRÓXIMO!!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Aperreio no ISS

Da série: Manicômio Fiscal


- Senhor Fiscal, eu estou com uma dúvida atroz! Não sei onde pagar o ISS!
- O senhor pode explicar o problema?
- Perfeitamente, senhor Fiscal. A empresa é sediada no Município de Pantaleão, onde fica a administração. Tem filial em Capenga, que atende a região onde o serviço foi prestado. O serviço foi prestado em Chulé, cidade vizinha de Capenga. O serviço é desenvolvido em Pirão, onde ficam os técnicos. Em qual Município eu devo recolher o ISS?
- Qual é a atividade?
- A empresa desenvolve sistemas de software.
- Bem, de acordo com a lei, sistemas de informática são tributáveis no estabelecimento prestador...
- Isso eu sei, mas qual é o estabelecimento prestador?
- O senhor deveria fazer essa consulta por escrito e receber uma resposta oficial, mas me parece que o ISS deve ser pago em Pantaleão, onde fica a sede da empresa.
- O problema é que a nota fiscal foi emitida em Capenga.
- A empresa tem estabelecimento em Capenga?
- Claro que tem! É uma filial estabelecida!
- Bom, então eu acho que deve ser em Capenga.
- De início também pensei assim, mas ao examinar a lei verifiquei que o estabelecimento é aquele que desenvolve o serviço. E o serviço foi desenvolvido em Pirão, onde ficam os técnicos de sistemas.
- Realmente, o senhor tem razão. A lei diz que se considera estabelecimento o local onde o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços. Acho que o ISS deve ser pago em Pirão.
- Ocorre que Pirão somente desenvolve. Quem fecha o negócio na região é o pessoal da filial, em Capenga. E segundo o Superior Tribunal de Justiça, o ISS incide onde o negócio se perfectabiliza.
- E o negócio se perfectabilizou em Capenga...
- Exatamente! Todos os negócios da região são perfectabilizados em Capenga.
- E onde os contratos são assinados?
- Bem, são preparados em Capenga e a diretoria assina em Pantaleão.
- Então, quem vai perfectabilizar o contrato é a assinatura, que é feita em Pantaleão! O ISS deve ser recolhido em Pantaleão.
- Acontece que o cliente assinou o contrato em Chulé e só neste momento o negócio foi perfectabilizado...
- Tem razão. Acho que o ISS é devido em Chulé.
- Senhor Fiscal, desculpe a minha ignorância, mas o que significa realmente o verbo perfectabilizar, palavra usada pelo Superior Tribunal de Justiça? Eu procurei no dicionário e não encontrei este verbete.
- Devo confessar que também procurei e nada achei, mas encontrei o adjetivo perfectível, que significa aquilo que é suscetível de ser aperfeiçoado.
- E o que tem isso a ver com o local da prestação do serviço?
- Talvez signifique que o ISS incide no local onde o serviço é aperfeiçoado...
- Mas, no meu caso, onde o serviço foi aperfeiçoado?
- Aperfeiçoar tem o sentido de terminar o que está incompleto...
- E a prestação do serviço foi completada em Chulé, quando foi entregue ao tomador, não foi?
- Tem razão. O serviço foi prestado em Chulé.
- Sendo assim, o senhor concorda que devo pagar o imposto no Município de Chulé?
- Olha, não concordo com nada! Faça a consulta por escrito e aguarde a resposta oficial, está bem?

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

As pedaladas contábeis

O assessor entra suspirando na sala do chefe.

- Chefe, não adianta! A contabilidade não bate!

O chefe olha irritado o assessor.

- Você fez tudo que eu mandei? Escondeu as propinas? Disfarçou as retiradas dos sócios? Camuflou despesas? Aumentou as receitas cambiais?

- Tentei tudo! Não adianta! A empresa continua dando prejuízo!

O chefe dá um murro na mesa.

- Não pode!! A empresa tem que dar lucro! Os sócios precisam receber dividendos!

- Desculpe, chefe, mas não sei mais o que fazer.

O chefe levantou-se da cadeira e passeou na sala.

- Faz o seguinte, aumenta a receita!

- Mas, e a contrapartida? Para aumentar a receita é preciso fechar o lançamento.

- Quem disse isso?

- Ora, é a técnica contábil, das partidas dobradas...

- Quem inventou isso?

- Ah não sei, chefe. Isso vem desde o tempo do monge Paciolo...

- Monge Paciolo? Nunca ouvi falar... Trabalhou aqui?

- Não, chefe! Ele viveu antes do Brasil ser descoberto!

O chefe gritou feroz.

- O quê? E nós temos que obedecer ao que este monge maluco disse no tempo da idade média?

- Mas é a base da contabilidade... Um crédito corresponde a um débito...

- De jeito nenhum!! Estamos na época dos computadores! Vamos adotar outro sistema! Fala com o pessoal da informática! A partir de hoje o nosso sistema será o da pedalada! Um crédito corresponde a um crédito, um débito corresponde a outro débito, e assim por diante.

O assessor ainda tentou convencer o chefe.

- Chefe, se fizer desse modo, a contabilidade não retratará a realidade da empresa...

O chefe deu uma risada.

- E desde quando a contabilidade retrata a realidade da empresa?

- Não retrata?

- Claro que não! Não seja idiota! Ela serve para disfarçar a realidade, não é isso que estamos discutindo aqui?

- Mas, então, vamos ficar perdidos...

- Perdidos? Claro que não! O que retrata a realidade são esses cadernos que guardo aqui no cofre... Por falar nisso, me traz mais um caderno novo.