sábado, 26 de dezembro de 2015

O vento e os gases

Os Municípios estão na bancarrota! Mas, não por culpa de seus gestores (pelo menos, em parte). O problema maior está na retração da economia, cujo motivo é assunto misterioso, do mais alto sigilo, vamos dizer até de segurança nacional. Por certo, um complô internacional neoliberalista com a intenção de derrubar os ideais neossocialistas do governo autêntico!

De qualquer modo, as prefeituras sofrem. Pouca receita, nenhum repasse, eleições próximas, os prefeitos estão aflitos! Situação tão angustiante que de nada adianta jogar a culpa no governo federal, nas pedaladas, na roubalheira desenfreada, no desajuste fiscal, na ficha borrada do presidente do congresso, ou no cenário internacional, na matança pelo estado islâmico, na queda do preço do petróleo, no levy, na princesa sonolenta ou na bruxa malvada, ou, então, nos sete a um da alemanha, ou no dunga e seus seis irmãos.

O motivo maior da crise foi denunciado pela presidente Dilma na ONU: o armazenamento do vento! Ou seja, o fracasso da ciência em inventar um modo de armazenar vento, de forma econômica autossustentável (adoro essa palavra). Se conseguíssemos estocar vento, o Brasil estaria em situação muito mais vantajosa, porque, todo mundo sabe, aqui venta muito. E como venta nesses brasis!

Aprende-se na escola que vento é o ar em movimento. Da mesma forma aprendemos que, desculpe a palavra chula, peido é uma ventosidade expelida pelo ânus. E brasileiro peida muito! Fato já comprovado pelos cientistas de ocasião que fazem pesquisas inúteis (mas ganham bolsa do governo). A razão ninguém sabe, talvez pelo feijão (“feijão faz gás”, dizia a minha avó), mas a verdade é que a ventosidade expelida em nossa terra é gigantesca, chegando a afetar a camada de ozônio. Vem daí a sábia advertência da nossa presidente: se houvesse tecnologia apropriada para armazenar as ventosidades e aproveitá-las na geração de energia autossustentável (adoro essa palavra), a economia brasileira seria, provavelmente, a maior do mundo, até mesmo superior a dos Estados Unidos, porque, fato notório, americano peida pouco (come pouco feijão, talvez).

Urge a descoberta pelos cientistas de uma maneira de estocar os peidos, até então liberados graciosamente, sem qualquer retribuição monetária, como se o povo pudesse liberar seus gases sem receber uma gratificação correspondente, ou pagar um ônus tributável. Um verdadeiro absurdo! Estamos desperdiçando uma importante fonte de energia, expelida à ilharga!

Vem daí a especulação a respeito do discurso da Presidente: ou o Governo pretende lançar a “Bolsa Peido”, ou pretende instituir o “Imposto do Peido”. Em vista da feiura da palavra, de péssimo gosto (não sei se alguém já ingeriu peido para explicar o seu gosto), a Bolsa deverá ter outra denominação, do tipo “Bolsa Pós Refeição”, ou “Bolsa Complementar da Digestão”. Meio salário mínimo mensal para cada peidão e estamos conversados.

Em relação ao imposto, os juristas entendem que seria uma Taxa e não Imposto. Uma espécie de taxa de poder de polícia, todo mundo que tivesse vontade de expelir gases, faria um requerimento, o boleto seria emitido e o dinheiro recolhido aos cofres públicos. Tudo isso pela Internet. Como haveria muita sonegação (os contribuintes peidariam sigilosamente, ou simulariam o peido batendo palmas na hora do evento), a melhor recomendação seria a liberação do Alvará do Peido. E a taxa seria paga anualmente em valores fixos estimados.

Ao mesmo tempo, os pecuaristas seriam obrigados a pagar a Taxa do Peido Vacum, pois todo mundo sabe que boi peida muito. Os ambientalistas estão alvoroçados, doidos para botar a mão nesse dinheiro. Está aí uma forma de o governo ganhar dinheiro com o vento, não importa a sua origem. Desde que seja autossustentável (adoro essa palavra!). 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Histórias estranhas (2)

Dizem que essa história é de mentirinha.

Um homem apresentou-se tranquilamente no atendimento do hospital de Saracuruna. Dirigiu-se à atendente.
- Moça, eu preciso ser atendido por um médico.

- Acontece que o hospital só está atendendo paciente com risco de morte.

O homem, então, abriu a camisa e mostrou uma faca cravada na sua barriga.

- Isso não pode ser risco de vida?

A atendente cheia de nojo:

- Puxa! Que coisa horrível! Isso não dói?

E o homem abotoando de novo a camisa:

- Só dói quando eu rio. 


Histórias estranhas (3)

Dizem que foi verdade.

Uma mulher alta e parruda entrou no hospital Miguel Couto, e dirigiu-se à atendente.

- Moça, um safado cortou o meu dedo anelar pra roubar o meu anel.

E mostrou a mão esquerda sangrando e enrolada em gaze. E abriu a mão direita onde estava o dedo decepado. A atendente arregalou os olhos:

- Puxa! Que coisa horrível! Está doendo muito?

- Ah, nada de mais, só fica latejando.

- Puxa! A senhora é corajosa! A senhora quer tentar reimplantar o dedo?

A mulher deu de ombros:

- Se for possível tudo bem, mas o que eu quero mesmo é saber se deu entrada aqui no hospital um cara com um anel enfiado no pinto.

A atendente atônita:

- Enfiado no pinto?

- Pois é, foi o castigo que lhe dei na hora da raiva. Ele surgiu de repente e cortou o meu dedo com um alicate. Fiquei muito brava! Arranquei a bermuda que ele usava, agarrei, espremi e estiquei o pinto dele até poder enfiar o anel, mas quando me abaixei pra pegar o meu dedo, o desgraçado saiu correndo gritando apavorado. Eu quero o meu anel de volta.
Cacilda! 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Histórias estranhas (1)


Há muito tempo, uma vila de casas no bairro de São Francisco, Niterói, sofria assaltos constantes. Um ladrão desconhecido entrava nas casas e levava o que pudesse carregar, principalmente durante o dia. A vila tinha dez casas e todas eram frequentemente assaltadas, e ninguém via o ladrão. Todas eram assaltadas, menos a Casa 7, cujos moradores (marido e esposa) trabalhavam fora e a casa ficava vazia todos os dias úteis da semana. Ninguém entendia por que o ladrão não assaltava a Casa 7, se todas as outras sofriam furtos costumeiros.

Alguns vizinhos chegaram a desconfiar do casal e comentaram o fato à Polícia. Mas, não havia qualquer evidência da participação dos moradores da Casa 7 naqueles assaltos. A desconfiança era geral e o casal não sabia como se defender.

Até que o ladrão foi preso. Era um vagabundo que morava próximo da vila. Na Delegacia, confessou tudo e disse que atuava sozinho. Por isso, pegava o que podia carregar e, depois, retornava para furtar outras coisas.

Levado “aos costumes” no interrogatório, o Delegado aproveitou e perguntou-lhe por que nunca assaltara a Casa 7, a única que não sofrera assaltos naquele tempo todo. E o ladrão respondeu:

- O senhor está louco? Enfrentar aquele cachorro gigante? Bastava eu me aproximar e ele arreganhava a boca mostrando aqueles dentes enormes. O bicho rosnava furioso! Parecia um lobo!

O Delegado insistiu e o ladrão gritou:

- Por que o senhor está insistindo nisso? Vai lá e veja se alguém pode entrar com aquela fera pronta pra atacar!

Acontece que a Casa 7 nunca teve cachorro. Nem pequeno, nem grande.

Eu, hem?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Histórias de vice-presidentes


Essa conversa de impeachment nos leva ao caminho de outra questão: e o vice, seria ele um bom presidente? Vamos relembrar aqui a posse de um vice-presidente que marcou negativamente a humanidade.

O Presidente Franklin Delano Roosevelt foi o único que conseguiu vencer quatro mandatos nos Estados Unidos. Foi Presidente a partir de março de 1933 até 12 de abril de 1945, data em que faleceu. Ele assumiu o governo em meio à crise da depressão, enfrentou as elites ultraconservadoras que pregavam, inclusive, a superioridade da raça branca e suportou as mazelas da Segunda Guerra Mundial. 

Roosevelt tinha ao seu lado um jovem de grande cultura e dotado de extraordinária sensibilidade política: Henry Wallace, frontal adversário dos poderosos banqueiros e industriais que ganharam fortunas com a guerra, enquanto mantinham congelados os salários dos trabalhadores. Wallace foi, inicialmente, Secretário do Comércio e, depois, vice-presidente no terceiro mandato de Roosevelt. Antirracista aos cabelos, alguns de seus discursos foram parafraseados tempos depois pelo Pastor Martin Luther King. Foi de Wallace a frase: “O futuro deve trazer salários iguais para trabalhos iguais, independentemente de sexo ou raça”. Dizer isso naquela época era, realmente, revolucionário.

Na convenção para escolha do candidato a vice-presidente para o quarto mandato (Roosevelt já estava escolhido para Presidente), a indicação de Wallace era considerada absolutamente certa. Porém, articulações dos grupos conservadores e corruptos que detestavam Wallace, conseguiram indicar em terceira votação um apagado Senador, chamado na época de “Office boy do Senado”. Um cara chamado Harry Truman, do Missouri. Truman era uma besta quadrada, se caísse de quatro não levantava mais. O único negócio que fizera na vida foi uma loja de armarinhos. E faliu! E justamente por ser totalmente desqualificado, não tinha inimigos. Vocês sabem: Ninguém dá atenção aos idiotas, essa é uma regra na vida dos negócios. A escolha de Truman foi uma das mais escandalosas artimanhas dos bastidores políticos norte-americanos. A ideia não era escolher Truman, pois qualquer um serviria. O objetivo era derrubar Wallace.

Nem três meses depois, Truman assumiu o poder, com a morte de Roosevelt. Fora vice-presidente por apenas 82 dias e conversara com Roosevelt apenas duas vezes. Não tinha a menor ideia que havia um programa secreto em andamento, para construir a mais poderosa arma da História: a bomba atômica. E não sabia que Roosevelt vinha costurando cuidadosamente um acordo com Stalin, para que a União Soviética atacasse Japão através da China e Coréia, e pegar o império japonês pelas costas. Em troca, daria aval às pretensões dos soviéticos de assumirem o controle político da Polônia, território vital para a segurança da Rússia.

Sem nada saber, e ouvindo conselhos de senadores mal intencionados, principalmente de um tal Jimmy Byrnes, que fora Senador junto com Truman, o novo presidente optou por lançar a bomba atômica, que ainda estava em testes, “explosivo que poderá nos colocar numa posição de ditar nossas próprias condições no fim da guerra”, disse Byrnes ao assustado novo presidente.

E uma das maiores tragédias da humanidade aconteceu. Mais ou menos, 250 mil pessoas morreram nos dias das explosões. Milhares vieram a morrer depois, vítimas de queimaduras e efeitos radioativos. Um horror que poderia ter sido evitado. A propósito, com acordo ou sem acordo, a União Soviética passou a controlar o governo polonês. 



sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Onde estão os acarajés?

Este, o 'verdadeiro' acarajé. Eta coisa boa!

O Jornal Valor publicou (18/12/2015) trechos das mensagens eletrônicas trocadas entre o Deputado Eduardo Cunha e Léo Pinheiro, na época presidente da empresa OAS. Os emeios foram transmitidos em outubro de 2012. Em vista da importância cultural e literária dos termos das mensagens, vou descrever parte deles:

Léo para Cunha: “O que houve com o bônus da 574?” (explicação: o missivista está se referindo à Medida Provisória 574, cujo objetivo era o de estimular o pagamento dos débitos com o Pasep. O tal bônus seria a ampliação do parcelamento de dívidas tributárias).

Cunha para Léo: “Nelson Barbosa radicalmente contra não aceitou de jeito nenhum, ia derrubar a MP. Vamos tentar com outra mais tempo lá na frente” (explicação, se necessária: o então secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, não permitiu a inclusão do ‘bônus’ e ameaçou indeferir a MP).

No mesmo dia, Cunha pergunta a Léo se na MP 584/2012 havia emendas da OAS e da prefeitura. Léo responde que estava vendo com ‘Dornelles’ (explicação: a MP 584/2012, do Senado Federal, tratava das medidas tributárias referentes aos jogos olímpicos de 2016, estabelecendo uma série de isenções e benefícios às empresas participantes nas obras. Ninguém sabe quem é ‘Dornelles’, um verdadeiro mistério. Havia um único ‘Dornelles’ no Senado naquela época, o Francisco Dornelles, que teria apresentado 15 emendas à MP, mas afirmar que a mensagem se referia a ele é pura especulação).

Alguns dias depois:

Cunha para Léo: “Amigo, nada da Bahia, os caras tão me apertando feio. Nem do empresário local e nem do restante” (explicação: por certo, Cunha havia pedido a interferência de Léo para o pessoal da Bahia despachar um isopor de acarajés, de preferência lá do Rio Vermelho, um dos melhores que existem. Quando diz que os “caras tão me apertando” deve estar se referindo à esposa e outros familiares que adoram acarajé).

Léo para Cunha: “A parte da Bahia já foi sinalizada que está tudo bem. Entendi que essa era a nossa parte, abs.” (explicação: Léo já transmitira o recado para o pessoal da Bahia, e nada mais podia fazer. A propósito, ‘abs’ significa ‘abraços’).

Cunha para Léo: “Amigo, eram duas partes: a do empresariado local e o que você se responsabilizou. Nenhuma das duas aconteceu, absolutamente nada. Infelizmente” (explicação: ou seja, até aquele momento nenhum acarajé fora despachado, infelizmente).

Como se vê, deixaram o homem sem os acarajés, pelo menos até aquele momento. E, convenhamos, promessa é dívida! Habemus acarajés!

Pintura do artista plástico Di Branco

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O desespero dos ladrões e vagabundos


Estamos no fim de ano e a crise vai continuar no próximo. Desemprego, inflação alta, PIB negativo, escândalos, impich, nunca se viu situação tão péssima na história deste país. E dentre as categorias sociais, uma, aliás, de destaque nacional pelo universo de participantes, a categoria Y4 (inventei o código porque não consegui identificá-lo no CNAE), composta de ladrões (atividade principal) e vagabundos (desatividade congênere), está desesperada, sem saber mais a quem roubar ou furtar e de quem receber uma ajudazinha, respectivamente.

O Ministro Levy já foi demitido, mas cumpre aviso prévio. O Presidente da Câmara se esconde da Oficial da ‘Justiça’ para não ser notificado. A Presidenta não sabe se arruma as malas ou curte os netinhos (acho que é só uma netinha). O impagável ex-presidente Lula joga a culpa da deseducação brasileira nos portugueses (logo ele que diz que a história do Brasil começou em 2003). O vice Temer diz nada temer (apesar do nome) e já faz pose de Presidente. E os políticos, em geral, jogam os seus computadores e celulares na lixeira e nunca usaram tanto os fornos das churrasqueiras para queimar papel. Essa mandinga que persegue o país nem erva brava resolve!

Mas, voltando aos ladrões e vagabundos (não pense, por favor, que o ‘voltando’ é pura ironia), esse grande setor econômico não sabe como sair da crise. Os seus departamentos de marketing tentam inovar e descobrir novos produtos de receitas. Outro dia, fui quase vítima de um novo produto (o Disk Titio). Tocou o telefone lá de casa:

- Alô!
- (voz alegre) Meu tio, que saudade!
- Quem está falando?
- Poxa! Não reconhece mais a minha voz?
- Ah! Meu sobrinho Carlão! Como vai meu querido?
- Ando meio atrapalhado com umas coisas, mas vou levando.
- E o seu pai, o ingrato do Inácio que não dá notícia?
- Também está com dificuldades. Estamos precisando de uma ajudazinha...
- Poxa! Lamento saber. Acho melhor você falar com o seu tio.
- Mas é o que eu estou fazendo!
- Não está não! Eu não tenho irmão chamado Inácio e sobrinho chamado Carlão.
- Pom, pom, pom.

E, parece perseguição, recebi outro telefonema:

- Alô!
- (voz chorosa) Pai, fui sequestrado, pai.
- Poxa! Faz o seguinte meu filho: liga para o meu telefone especial de chamadas de sequestro, e liga urgente porque ele está desocupado agora!
- Pom, pom, pom.

De qualquer forma, cuidado, pessoal! Um pequeno descuido e os ladrões e vagabundos aproveitam. Jingle Bell para todos vocês.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O atual aprimoramento das ações de servidores públicos

Desperta a atenção dos mais atentos à qualidade dos trabalhos atuais dos procuradores públicos, dos auditores, tanto fiscais da Fazenda Pública, quanto técnicos dos tribunais de contas, e dos policiais da Polícia Federal. Se os quadros ainda fossem os mesmos de uns vinte e cinco anos passados, não teríamos qualquer resultado de qualidade nas ações atuais dos procuradores, auditores e policiais federais.

O motivo principal da mudança foi a exigência do concurso público para composição de quadros de carreira, conforme estabeleceu a Constituição Federal de 1988. Cessado o ingresso por apadrinhamentos e indicações políticas, tivemos a oxigenação dos quadros, agora formados por servidores realmente aptos ao trabalho. E melhor: sem travas por pressões políticas.

Contudo, o processo de mudança não se extingue no concurso público, a ser considerado o início, mas não o fim. Os concursados aprovados por méritos pessoais, exímios conhecedores dos conceitos teóricos da profissão, precisam ainda percorrer os caminhos da experiência prática de suas atividades. Não basta, assim, fazer concurso, mas, também, oferecer aos aprovados todos os treinamentos necessários para que eles conheçam as técnicas de atuação. Neste aspecto, diversos setores pecam em não manter um planejamento de treinamento dos novos servidores públicos, muitos, aliás, logo após nomeados são investidos em ações de trabalho sem o respaldo do conhecimento prático. 

Outro complemento imprescindível é a tecnologia de apoio. Não basta a qualificação do servidor sem que ele tenha disponível ao seu uso as ferramentas que a atual tecnologia oferece.

Outro problema ainda não resolvido é a nomeação de chefias diretas de pessoas estranhas ao quadro de carreira que irão chefiar. Os chamados cargos de confiança deveriam ser limitados aos cargos políticos (Ministros, Conselheiros, Secretários e Subsecretários), não se estendendo às funções operacionais, funções de ponta. Tais funções deveriam ser ocupadas por servidores do quadro de carreira correspondente, da forma como funciona a Procuradoria Pública da União e dos Estados. Algumas pessoas contestam esse formato, a dizer que estaríamos criando um corporativismo interno. Seria, então, o caso de perguntar até que ponto o corporativismo é nocivo realmente? Não se trata, no caso, do tal corporativismo fascista, mas de uma classe que se une para defender os seus interesses, notadamente contra pressões externas que tentam desviar as finalidades de seus serviços públicos. E essas pressões ainda ocorrem e convivem com os trabalhos exercidos por essas categorias funcionais. Se não fosse a união de seus servidores os resultados atuais não existiriam. 

A propósito, lamenta-se o fato de que inúmeros Municípios ainda mantêm Procuradores nomeados pelos Prefeitos sem concurso público. O cargo de Procurador-Geral pode ser considerado político, mas os Procuradores ocupam cargo de carreira e deveriam ser nomeados através de concurso público. 

Outra questão ainda a ser resolvida em algumas áreas é a remuneração. Para ter e, principalmente, manter um quadro de excelência é preciso que a remunere adequadamente. Os Procuradores federais e estaduais conseguiram, com muita luta, alcançar um salário que se concilia razoavelmente aos seus conhecimentos. Os demais quadros ainda sofrem com os pequenos salários oferecidos, alguns mais, outros menos. A questão salarial deve ser examinada diante do retorno que a atividade do quadro propicia. E sendo assim, que sejam estabelecidas metas a cumprir, prazos de execução e avaliação da qualidade dos serviços. Paga-se bem a quem trabalha bem. Essa deveria ser a regra. 

domingo, 13 de dezembro de 2015

Nosotros, os fanáticos

O canal GSAT está transmitindo uma novelinha sobre a vida da Rainha Isabel de Castela. Interessante, apesar das falhas de roteiro e atuações fraquinhas de alguns artistas. O rapaz que faz o personagem Fernando II, coitado, é esforçado, mas fraco que dá pena. De qualquer modo, sempre bom reler parte da história tão importante para a humanidade.

Isabel de Castela, mais ela do que o seu marido, Fernando, deu início à unificação da Espanha atual, não só pelo casamento dos dois (que uniu Castela e Aragão), como, também, pela incorporação de Granada (último reinado mouro na península ibérica) e de Navarra. E foi no reinado dos dois que deu início à auspiciosa fase de enriquecimento da nação hispânica, graças à descoberta do novo mundo.

Todavia, o lado positivo do reinado se obscurece com a decisão do casal, chamado de Reis Católicos, de implantar a Inquisição e nomear para dirigi-la uma das figuras mais grotescas da humanidade, um monstro que se chamava Tomás de Torquemada. Padre dominicano fanático, perseguiu, torturou e matou todos que caíam em suas mãos, pelo simples fato de não pertencerem à Igreja Católica, vítimas a quem o maluco chamava de ‘heréticos’.

Os judeus e os mouros foram as principais vítimas do fanatismo de Torquemada. A morte era pelo fogo, pois o alucinado acreditava que neste tipo de flagelo os pecados eram expurgados e as suas almas teriam uma chance de chegar ao Paraíso. Muitas das vítimas, horrorizadas com a tortura e a morte premente, se diziam convertidas, mas nada adiantava: qualquer denúncia ou suspeita de que o convertimento era falso, levava-as ao castigo e morte na fogueira.

E para dar fim àquela matança indiscriminada, os soberanos resolveram por fim expulsar os remanescentes judeus (fato ocorrido em 1492) e maometanos (em 1512), os sobreviventes da barbárie. Expulsaram porque perceberam enfim que o terror, por maior que seja, não abala a fé dos homens.

Nada melhor relembrar esses fatos históricos quando a humanidade ‘ocidental’ assiste horrorizada a decapitação de pessoas por esses fanáticos islâmicos, e os atentados terroristas provocados, segundo dizem, por motivos religiosos. A única diferença é a inversão dos algozes e das vítimas.

De tudo isso, não resta dúvida de que as três palavras que ainda conduzem a humanidade ao caos são: fanatismo, intolerância e preconceito. O preconceito é forjado desde a infância através da educação familiar e da sociedade. Daí nasce o preconceito religioso, racial, sexual e social. A intolerância se adere ao psico da pessoa preconceituosa. Ninguém é intolerante se não for originalmente preconceituosa. O fanatismo se incorpora à intolerância das mentes fracas e doutrinadas por outros da mesma espécie. Todo fanático é um revoltado, mas um revoltado que se julga prejudicado por ações de outros, nunca por suas próprias ações. O revoltado é um despeitado que não admite os seus próprios erros e deficiências como causas do seu fracasso.

Difícil, realmente, banir essas três malditas palavras do nosso dicionário de vida. Tudo depende do início, e o início é a educação recebida ainda quando criança. E do jeito que as coisas andam, esse banimento vai demorar. E muito. 

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Servidores Públicos e Servidores Políticos

Até quando (meu Deus do Céu!) os gestores políticos não vão entender que os Servidores Públicos de quadros de carreira trabalham no cumprimento da lei e não no cumprimento da vontade política dos mandatários? Até quando não vão perceber que o Servidor Público é servidor de gestão pública e não empregado do poder reinante?

Bom que se entenda de vez: servidor público de carreira não é capacho de político! Eles obedecem à lei e que o político altere a lei se quiser que a sua vontade prevaleça!

Digo isso, em certo tom de revolta, ao ler o brilhante artigo exposto hoje (11/12/2015) no jornal Valor, sobre os acontecimentos que antecederam às absurdas pedaladas fiscais promovidas no governo federal, mais precisamente no Ministério da Fazenda.

Para quem não leu o artigo, um breviário: os técnicos (concursados!) do Tesouro Nacional prepararam, em julho de 2013, um relatório de 97 páginas, pelo qual alertava sobre a situação fiscal e econômica do País e recomendava corrigir de imediato a chamada “contabilidade criativa” instaurada no Tesouro Nacional por ordem de seus gestores políticos. “Contabilidade criativa” é um sofisma, algo aparentemente correto, mas, na realidade, totalmente falso. Na verdade, nada de criativo, e, sim, de malandragem a burlar a lei.

Os Servidores Públicos repetiram a dose em setembro de 2013 e o relatório foi reapresentado ao então Secretário do Tesouro. Mais uma vez, alertavam sobre as ilegalidades que vinham sendo praticadas. A reação do Secretário: acusou os servidores de rebeldes e os ameaçou de improbidade administrativa, de abrir processo disciplinar contra eles. Bom entender: improbos em relação aos interesses políticos e não em relação ao interesse público!

O Secretário reagiu com arrogância plena! Com a absoluta noção da estupidez de seus atos, clamava aos Servidores que ali quem mandava é ele, e acima dele, os Ministros e Presidentas!

Deu no que deu.  

Eis um exemplo claro dos conflitos que surgem frequentemente nas relações entre chefias de cargos políticos e servidores públicos de carreira. Aqueles a pensarem que são as rainhas da cocada preta, que tudo podem e que todos obedeçam. Estes a entenderem que as suas funções seguem os ritos da lei. Obedecer a uma ordem é uma coisa; obedecer a uma ordem ilegal é outra bem diferente.

Já estamos cansados daquela história de que a corda arrebenta do lado mais fraco. Chega! A corda deve arrebentar, sim, do lado mais fraco, ou seja, do lado de quem despreza as normas legais, do lado de quem usurpa os procedimentos formais estabelecidos na lei.

Os servidores devem ter a coragem de denunciar ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas os desmazelos de seus chefes políticos. Reúnam-se, associem-se, pois em grupo vem daí a força. 


domingo, 6 de dezembro de 2015

O Rio Tapajós

Praia paradisíaca do Tapajós 
Alter do Chão (foto de Saulo Patrício)
As águas do Amazonas invadem Tapajós
O majestoso Rio Tapajós segue o seu curso mansa e pacificamente. O seu leito, consolidado ao tempo, é de areia, o que torna suas águas límpidas, cristalinas. Podem existir outros rios semelhantes, mas para mim o Rio Tapajós é o mais belo rio que já conheci, ao aliar o seu imenso porte com a beleza de suas águas.
Todos os anos, no período da seca, o Rio Tapajós reduz a sua capacidade e se afasta de suas margens. Em tais períodos afloram praias maravilhosas, entre as quais Alter do Chão em Santarém. O jornal inglês “The Guardian” considerou Alter do Chão a mais bela praia fluvial do mundo. Mas, o Rio Tapajós não tem somente as praias de Alter do Chão. Ao subir o rio, dezenas de lindas praias surgem como encanto.

O Rio Tapajós deságua no Amazonas, o mais poderoso rio do planeta (que Rio Nilo nada!). O Rio Amazonas, ao contrário do Tapajós, tem um leito ainda não assentado e a extraordinária força das águas leva tudo de roldão, a revolver o fundo de lama. Por isso, as águas do Rio Amazonas são barrentas.
Da orla da cidade de Santarém percebe-se, então, a luta dos titãs: o Rio Tapajós a tentar despejar-se no Amazonas e este, contrariado com aquela inoportuna invasão, rebelar-se e empurrar de volta o Tapajós. E o Rio Amazonas, quando está contrariado e de mau humor ninguém o segura, a invadir o leito do Tapajós e fazer com que as águas cristalinas recuem, e tudo passa a ser barrento. Uma visão fantástica!

Depois, então, talvez precedido de um acordo sigiloso entre as partes, o Rio Amazonas se acalma e aceita receber as águas do Tapajós. E as águas voltam a ser límpidas e cristalinas na orla de Santarém.

Mas tudo isso se passa na boca do Tapajós, ainda distante de Alter do Chão, talvez a uns vinte a quarenta quilômetros de distância. E, assim, as praias de Alter do Chão não são afetadas pela cor barrenta do gigantesco rio.

Todavia, os homens querem construir cinco pequenas hidrelétricas no Rio Tapajós, entre elas, duas que prometem sair do papel: a Usina de São Luis do Tapajós e a Usina de Jatobá. Nada contra a ideia de fornecer energia à população daquela região, mas, é possível, porém, que essas usinas venham a diminuir o volume de água do majestoso rio, a enfraquecer o lado mais fraco na luta das águas. Ou seja, a água barrenta do Amazonas poderá alcançar Alter do Chão e tornar suas praias feias e lamacentas.

Preocupação tola? Pode ser, mais uma mania de velho que se preocupa à toa. Assim como ninguém imaginaria o Rio Doce coberto de lama...
O contraste da cor das águas dos rios

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Operação Picanha


“As notícias, quando são sempre as mesmas, depois de algum tempo se tornam entediantes”, disse Umberto Eco em “Cemitério de Praga”. E, assim, como ninguém mais quer saber da tragédia de Mariana (exceto as pessoas que estão sofrendo na carne), do impich da Presidente, da desfaçatez do tal Cunha, da roubalheira geral, dos maus tratos às esposas (o castigo da infidelidade é o escárnio da indiferença), a morte dos cinco rapazes (no Brasil, assassinar cinco seria considerado chacina se as vítimas fossem brancas), enfim, tanta coisa ruim acontecendo que o melhor é esquecer. Não ler as manchetes dos jornais, passar vazado pela página dos cansativos artigos retóricos (como são chatos esses atuais articulistas de jornais, meu Deus do céu!), e procurar nas entrelinhas alguma coisa interessante.

E foi aí que encontrei a Operação Picanha!

A imprensa noticiou que um Auditor da Receita Federal recebia peças de carne de um frigorífico para não autuá-lo. Denunciado, a Polícia Federal montou a Operação Picanha, e depois de demorada investigação prendeu o esfomeado servidor público. O caso ocorreu na bela cidade de São José do Rio Preto, cidade que possui umas três excelentes churrascarias.

A Polícia apreendeu uma ilustrativa tabela de preços da propina na casa do carnívoro:
Infração
Propina
Não cumprir obrigação acessória
Uma costela inteira de boi gordo
Receber mercadoria sem nota fiscal
Dez quilos de picanha maturada
Vender sem nota fiscal
Dez quilos de picanha e dez quilos de fraldinha
Receber boi sem registro
“Mix” de costela, picanha, filé e miolo de alcatra
Receber uma boiada sem registro
Um traseiro completo desossado

Segundo depoimento de vizinhos, o guloso auditor fazia churrasco em todos os fins de semana e convidava todo mundo. Há fortes suspeitas, mas que não foram comprovadas, de que havia também propina de carvão e cerveja.
Ele foi condenado a oito anos de reclusão e sem direito de comer carne na prisão. Não lhe deram nem o direito da delação premiada. Se assim lhe fosse permitido, ele poderia devolver um espeto de coração de galinha. E já temperado.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

A Gravação Dinamite




O Procurador-Geral pede audiência ao Ministro do Supremo Tribunal Federal.

- Senhor Ministro, tenho aqui uma gravação bombástica contra um Senador da República.
- Essa gravação foi autorizada pela Justiça?
- Não senhor, o áudio foi feito pelo filho do Sr. Cervantes que está preso.
- Ah, então não vale, Procurador. Gravação clandestina! Estou surpreso que o senhor não saiba disso.
- Mas, Senhor Ministro, eu gostaria que o senhor ouvisse uma pequena parte da gravação.
- Posso ouvir, porém a peça não servirá como prova contra o Senador.
- Mas, se o senhor permitir...
- Está bem! Liga o áudio!
- “... Acho que o foco é o seguinte: tirar! Agora, na hora que ele sair tem que ir embora mesmo...
- O Senhor ouviu? Estão tramando tirar o Cervantes da cadeia e fugir para sempre.
- É, ouvi, mas essa gravação não serve como prova.
- Posso ligar novamente em outra passagem da gravação?
- Senhor Procurador, eu estou muito atarefado para ficar ouvindo...
- Mais um pouquinho, Senhor Ministro! Por favor!
- Vá lá! Põe aí.
- “... É, ao inverso, seria melhor porque ele tá no Paraná, atravessa o Paraguai...
- O senhor ouviu? Estão planejando um plano de fuga!
- Eu sei, estou ouvindo, mas esse áudio não serve como prova material. Você deviam ter pedido autorização da Justiça para fazer a gravação.
- Não dava tempo, Senhor Ministro, foi o filho do preso que gravou por vontade própria.
- Menino corajoso, mas, infelizmente, não serve como prova material.
- O senhor permite que eu ligue mais uma vez. A conversa é interessante...
- Liga aí, mas de nada vai servir, a prova é insuficiente.
- “Acho que temos de centrar fogo no STF agora. Eu conversei com Tapajós, conversei com Trombetas, pedi pro Trombetas conversar com o Madeira, o Miguel conversou com o Madeira também, porque o Miguel está muito preocupado com o Zeloso. E eu vou conversar com o Madeira também...”.

- EI! ESPERA AÍ! REPETE, REPETE ISSO!
(repetiu)
- O QUÊ! ELE ESTÁ CITANDO O MEU NOME!
- Pois é, do Senhor e de outros Ministros.
- QUE ABSURDO É ESTE? COMO OUSA ESSE CARA EM MENCIONAR O MEU NOME?
- Do Senhor e também dos Senhores Ministros Trombetas, Madeira e mais adiante cita o Ministro Xingu.
- NÃO ADMITO! UM ABSURDO! ELE ESTÁ AFRONTANDO ESSA CASA!
- Pois é, Senhor Ministro. Por isso eu disse que a prova é bombástica.
- Não só bombástica, mas material, substancial e irrecorrível!
- O que vamos fazer, Senhor Ministro?
- PRENDER TODO MUNDO! ENFIAR NA CADEIA ESSE BANDO DE FALASTRÕES!
- É o que eu queria, Senhor Ministro.
- Me dá essa gravação aqui.
(E o Ministro saiu correndo do seu gabinete)
- TROMBETAS!! MADEIRA!! XINGU!! VENHAM OUVIR ESSA GRAVAÇÃO!!

E todos foram presos. 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

O integérrimo Carvalhão


“exagerar não prejudica” (Umberto Eco)

O meu amigo Carvalhão estava desconsolado. “Você viu? O aluno espancou a professora porque ela mandou que ele desligasse o celular na sala de aula. Aonde chegamos, cara?”. Enquanto ele falava o avião sacolejava na turbulência. Concentrado nas sacudidas, dei uma resposta evasiva e idiota: “Não há mais respeito, a sociedade avacalhou-se”.

Ele não prestou atenção ao meu comentário. E continuou: “O ensino obrigatório devia ser banido! O Estado deveria manter escola só para quem realmente deseja aprender”. Carvalhão conseguiu despertar a minha atenção. “Uma tese interessante, mas como saberíamos quem quer realmente aprender?”. Ele respondeu rapidamente: “Ora, expulsando todos os alunos que não acompanham as aulas, os indisciplinados, os reprovados, os parvos, enfim, promovendo uma limpeza ética total nas escolas! Só fica quem quer estudar!”.

Dei uma risadinha. “Deste modo, acho que sobrarão poucos”. Ele bateu a mão na minha perna. “Adivinhão! Pois o objetivo é esse! O Estado não teria tantas despesas com a educação, uma meia dúzia de escolas bastaria”. Tentei contestar: “Mas, Carvalhão, desse jeito a maioria da sociedade seria analfabeta!”. Ele fuzilou-me com os olhos: “E já não é? Uma cambada que só aprendeu a escrever o nome e alguns palavrões. Um bando de néscios! Que fiquem por aí morrendo à míngua!”.

Carvalhão não é fácil. É tão radical de direita que pra ele Hitler era comunista. Tentei ponderar: “Se fosse assim, a violência imperaria”. Que frase infeliz a minha. Ele aproveitou: “Mas já não impera? Ou você quer mais violência ainda? Vamos instalar um violenciômetro! Uma máquina para calcular a violência?. Cara! A solução contra a violência é a pena de morte! Pena de morte sumária, sem delongas, sem embargos, sem delações! A justiça tem que ser rápida: roubou, julgou e matou! Simples assim!”.

Percebi que aquela viagem seria longa demais. Por que fui sentar-me logo ao lado de Carvalhão? Inventei algo para dizer: “Você está esquecendo que a falta de educação gera desemprego, fome e doença. A saúde pública ficaria abarrotada de gente”. Ele franziu as sobrancelhas. “Saúde Pública? Que saúde pública? Não deveria existir saúde pública, esse monte de postos de saúde para atender essa multidão que finge estar doente! Esse pessoal vai ao posto de saúde porque não tem mais nada pra fazer”.

Fiquei perplexo. “Você acabaria com o atendimento médico?”. Ele abanou a cabeça. “Não! Mas atenderia somente quem estivesse realmente doente. Se alguém fosse lá só pra fugir do trabalho, ou pra dar um passeio, os médicos injetariam um arsênico no malandro que se finge de doente! Se fosse assim, nunca mais haveria fila em posto de saúde e hospital!”.

Quando o avião pousou, percebi que uns dois passageiros próximos prestavam atenção ao discurso de Carvalhão, e gesticulavam a cabeça a concordar com ele. Senti um friozinho na barriga, mas deve ter sido por causa da batida brusca no solo, e não por outras preocupações.


domingo, 22 de novembro de 2015

Aos internautas desconhecidos


Profundamente emocionado, gostaria de agradecer as diárias e constantes mensagens que recebo de pessoas desconhecidas, com ofertas e sugestões destinadas a melhorar a minha vida.

Entre elas, destaco:

Natue – quer que eu coma alimentos sem glúten;
Carolina Pasinatto – me recomenda um novo plano de saúde;
Andrea – quer que eu ilumine a minha vida com lâmpadas LED;
M Pozenatto – me oferece móveis com incríveis descontos;
Diogo – quer que eu tenha uma vida sexual mais ativa;
Infojobs – diz que o meu perfil lhe interessa;
Marisa – me oferece sandálias com preços formidáveis;
Rede Natura – me oferece batom roxo;
Rodrigo – diz que tem um recado para mim, mas não diz qual é;
Trader – quer que eu fique rico fazendo apostas no futebol;
Luis Bueno – quer que a minha parceira fique mais feliz na cama;
Marcos – quer que eu elimine gordura localizada;
Lucas Barbosa – quer que eu melhore o meu desempenho sexual;
Catarina Segala – quer que eu tenha livre escolha de hospitais e médicos;
Vinicius Monteiro – quer saber se o meu desempenho sexual é ótimo, bom ou mais ou menos;
Maurício Saraiva – quer saber se eu tenho enfrentado problemas sexuais.


Peço desculpas a todos os demais que, por falta de espaço, não faço destaque. E quando deleto essas mensagens tão reconfortantes, sinto-me constrangido em não respondê-las. Afinal, eis aí um exemplo da bondade e solidariedade que florescem no convívio da humanidade.

domingo, 15 de novembro de 2015

A guerra do lixo


Desembarquei no Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro, saí do prédio, atravessei a rua e fui fumar em lugar aparentemente permitido. Peguei o maço de cigarros da minha pasta e tirei o fiapinho de plástico que circunda o maço, o selo e um papelzinho prateado que protege a parte superior dos cigarros. Juntei tudo na mão e fui até uma lixeira presa num poste e joguei as coisas lá dentro. Mas, o fiapinho de plástico escapuliu ao vento e voou para destino incerto e ignorado.

Surgiu, então, à minha frente, uma senhora a vestir um colete com os dizeres: “Fiscal da Conlurb”. Conlurb é a empresa de limpeza urbana do Município do Rio de Janeiro. Ela aproximou-se agressiva: “O senhor jogou lixo no chão!”. “Em absoluto!”, respondi, “Joguei na cesta de lixo!”. Ela deu um risinho de desdém. “O senhor foi jogar na lixeira porque viu que eu estava te vigiando!”.

O quê? Aquela terrível verdade caiu sobre mim. Eu era alvo de uma vigilância! Eu estava na mira das forças policiais, fiscais e ambientais! Por certo, uma operação lavajatista estava em curso, toda direcionada à minha triste pessoa! Sem dúvida, uma operação por enquanto sigilosa e autorizada pelo juiz Moro. Foi neste momento que observei um carrão preto da Polícia Federal estacionado na frente do aeroporto. Com aquelas janelas de vidro preto indevassável, diversos policiais deviam estar no interior do carro, a filmar e gravar tudo! Eu estava frito!

Tentei a alternativa da delação premiada. “Minha senhora, juro que não tinha visto a senhora e se o fiapinho de plástico caiu no chão, vou apanhá-lo e recolher ao lugar certo”. Ela apiedou-se. “Então faça! Eu vou ajudá-lo”. E lá fomos nós à cata do fiapinho, eu a empurrar a mala de rodinhas e ela, curvada, a examinar o chão.

A calçada estava repleta de sujeira: saquinhos de papel, bingas de cigarro, latas de cerveja e de refrigerantes, algumas coisas nojentas, outras menos nojentas, mas não encontramos o bendito fiapinho de plástico.

Depois de um tempo, ela desistiu. “Olha, não tem jeito. Vou ter de multar o senhor”. “E qual é a multa?”, perguntei. “Resíduos sólidos jogados no chão a multa é de 50 reais”. Fiquei na dúvida. “Fiapinho de plástico é considerado resíduo sólido?”. Ela balançou os braços. “Ora, tanto faz se sólido ou semissólido a multa é a mesma.” Ironizei: “Então, se eu jogasse um sofá na calçada, pagaria a mesma multa?”. Ela irritou-se: “Não senhor! A multa aumenta de acordo com o tamanho do lixo!”. “E como se mede o lixo?”, perguntei. A Fiscal sabia das coisas: “É por metro cúbico!”.

Bem, eu não tinha a menor ideia de quantos metros cúbicos media o fiapinho. Resolvi pagar. Não queria aumentar a confusão, ainda mais com aquele sinistro carrão preto da Polícia Federal a me observar. Quando fui pegar a carteira no bolso do paletó, surpresa! O fiapinho de plástico ficara colado no meu braço! “Olha a fiapinho aqui!”, gritei para a Fiscala. Ela, que já estava puxando uma maquineta para emitir a multa, ficou desalentada. “Puxa, o senhor é mesmo um homem de sorte”.

Com o máximo de cuidado, depositei o fiapinho na lixeira. “Estou liberado?”, perguntei. Ela foi se afastando. “Está! Mas da próxima vez não serei boazinha não!”. Pensei naquela piadinha do Hitler, mas essa já era uma outra guerra. 

sábado, 31 de outubro de 2015

O último servidor público

Logarino chega afobado na repartição, já soltando a mochila dos ombros. “O chefe já chegou?”, pergunta ao Ezequiel que lia o jornal quase deitado na cadeira e com os pés em cima da mesa. “Que pergunta! Você sabe que o chefe é sempre o primeiro a chegar”. E abaixa o jornal para dar uma olhada no colega e dizer: “E ele já perguntou por você”. “Que droga”, desabafa Logarino ao largar sua mochila na mesa e se dirigir à sala do chefe.

Lá estava o chefe, com a mesa abarrotada de processos. Logarino deu uma batidinha na porta entreaberta e entrou. “Desculpe pelo atraso, chefe, mas o trânsito está caótico, uma confusão danada”. O chefe, que despachava um processo, levanta os olhos e dá uma risadinha. “Eu sei, eu sei, eu só queria falar com você da sua promoção”. Logarino se surpreendeu: “Promoção? Eu fui promovido?”. O chefe joga a caneta esferográfica na mesa. “O Tertuliano abandonou o barco; sumiu, escafedeu-se! Você vai ficar no lugar dele!”. Logarino deu um suspiro. “Tertuliano também? Está todo mundo indo embora”. O chefe levantou-se e esticou as costas espreguiçando-se. “Pois é, essa conversa de que o mundo vai acabar está mexendo com os nervos de todo mundo”. Logarino senta numa das cadeiras sujas e corroídas pelo tempo de uso. “E não poderia ser de outra forma, todos sabendo do fim próximo”. O chefe dá um grito. “Próximo? Ainda falta um ano para que este maldito raio solar nos atinja!”. Logarino nega com a cabeça. “Um ano não! Onze meses e vinte dias, e contando”. O chefe levanta os braços. “Ora, a mesma coisa! Ainda falta muito tempo e os idiotas estão fugindo ou se matando. Você sabia que a imbecil da minha mulher me deixou e foi para a casa da mãe, lá em Anapolina?”. Logarino fica constrangido. “Puxa, chefe, lamento muito, eu não sabia”. O chefe volta a se sentar. “Pois é, a burra pensa que a tragédia não vai atingir Anapolina”.

Logarino volta ao salão e Ezequiel continua lendo o jornal e fumando descaradamente em plena repartição. “Ezequiel, você sabe que é proibido fumar em recinto fechado”. Ezequiel dá uma gargalhada. “Cara, você é o único que ainda se importa com o cumprimento das leis”. E dobra a página do jornal resmungando. “Que se danem as leis! Está tudo acabado mesmo”.

Logarino senta na sua cadeira e pega um processo. “O chefe mandou continuar as fiscalizações”. Ezequiel joga o jornal no chão. “O quê? Continuar as fiscalizações? Pra quê? Ninguém paga mais nada! Em que mundo ele está vivendo?”. Logarino continua lendo um processo. “Ele disse que ainda temos muito tempo antes de o mundo acabar”. Ezequiel levanta e se aproxima da mesa do outro. “Cara, nós não temos um ano de vida e ele insiste em continuar trabalhando?”. Logarino empurrou o processo de lado. “Entendo o que você diz, mas o chefe acha que tanto faz viver mais um ano ou viver mais cinquenta, no fim é tudo a mesma coisa”. Ezequiel contesta: “Não é a mesma coisa não! Quando temos uma data marcada para morrer é bem diferente”.

O chefe entra no salão dos fiscais. O salão tem vinte mesas, mas, agora, só duas são ocupadas, por Ezequiel e Logarino. Os outros fiscais abandonaram o trabalho, por fuga ou suicídio. O chefe entra esfregando as mãos. “Vamos lá gente, temos muito trabalho para fazer. Ezequiel, quero que você vá até a empresa Monstro da Informática e a intime para entregar a documentação. E você, Logarino, autue aquela escola de ricos, a Bronx School, que ainda não pagou o IPTU”. Ezequiel olha para o chefe como estivesse olhando um extraterrestre. “Chefe, a Monstro Informática já fechou as portas, os funcionários foram mandados embora, o presidente pulou do sexto andar do prédio”. O chefe não se dá por vencido. “Então, despache no processo, arbitra o imposto e manda pra Procuradoria executar o débito”. Ezequiel dá um sorriso de desdém. “Procuradoria? Não tem mais ninguém lá, chefe. O Procurador-Geral vestiu-se de mulher e foi fazer trottoir na Cinelândia. Ele disse que finalmente teve coragem de sair do armário”. Logarino aproveitou a deixa. “Chefe, com todo o respeito, ninguém paga mais nada, é a crise da véspera do fim do mundo. Nada funciona mais, os serviços públicos foram extintos, os vândalos estão quebrando tudo nas ruas, as igrejas estão repletas...”. O chefe, impaciente, interrompe. “Logarino! Nós somos servidores públicos! Temos um trabalho a fazer! Enquanto a merda deste mundo não acabar, vamos continuar o nosso trabalho!”. E abrindo um largo sorriso gritou para os dois. “E vamos em frente que atrás vem gente!”.

Mesmo sabendo que atrás não vinha ninguém, eles foram trabalhar.


Nota: Essa historieta é a minha singela homenagem ao premiado escritor americano Ben H. Winters, autor de “O último policial”, um conto futurista que narra as aventuras de um policial nas vésperas de um irreversível cataclismo. 

sábado, 24 de outubro de 2015

O bajulador

Tricarico Pé-de-Boi, o Manda-Chuva do agreste, dono de papel passado das terras da região, conquistadas a tiros e mortandade, dono do cartório da cidade e manejador do poder público, homem que não tolera mercê e suplicância, vivia afastado de todos na sua mansão, verdadeiro castelo, que o rodeava.
 
Ninguém ousava aproximar-se, nem o padre a procura de donativos, nem o prefeito na busca de bons conselhos. O único permitido a entrar no território restrito de sua casa, era o rábula Fiorofino Broxa, o tratador de suas contas e das anotações contábeis, sendo, por isso, personagem da mais alta recomendação social, bajulado na elite e respeitado na plebe.

O Doutor Broxa, como gostava de ser intitulado, era quem personificava o lendário Tricarico Pé-de-Boi, lendário por não ser visto e examinado, presenciado e apalpado, mas se sabia existente por seus domínios, por seu poder, pela majestosa visão do seu castelo.

Todos queriam puxar conversa com o Doutor Broxa, para saber o que pensava Tricarico Pé-de-Boi sobre os diversos acontecimentos, mesmo prosaicos, filosóficos ou simples observações ocasionais, se o mercado do boi ia melhorar, se ia chover no inverno, como se cura rouquidão, se valia a pena estocar feijão. E o pomposo Doutor Broxa deitava falação, de queixo erguido e peito estufado: “O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi não acredita que o mercado da carne vai melhorar”. “O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi tem certeza que vai chover no inverno”.

Certo dia, chegou na cidade um jornalista da capital para fazer uma reportagem sobre a região e ao ouvir falar de Tricarico Pé-de-Boi desejou entrevistá-lo. Logo o encaminharam ao Doutor Broxa, que tentou de todas as maneiras convencer o jornalista a desistir da empreitada. Mas, o jornalista da capital era homem persistente e jogou todas as fichas de sua importância ao colo do coitado Dr. Broxa, que, sem outra alternativa, foi conversar a respeito com o seu poderoso patrão.

Ao entrar no castelo, em meio a um silêncio absoluto, era tanta a sua timidez que foi quase murmurando a chamar o dono do castelo, e cada vez mais a ingressar nos recônditos da mansão, até encontrar Tricarico Pé-de-Boi deitado na cama do seu quarto, debaixo da esposa do Doutor Broxa, os dois a exercitarem entusiasmada felação.

Aturdido com o que vira, o Doutor Broxa recuou seus passos, afastou-se do quarto e retornou ao lado de fora da mansão, onde o jornalista o interpelou: “E então, Doutor Broxa, o tal Tricarico Pé-de-Boi vai me atender?”.


O Doutor Broxa logo se recompõe, empina o queixo e responde solene: “Infelizmente, será impossível!”. O jornalista irritou-se: “Ora, por que ele não me atende?”. O Doutor Broxa esboçou um sorriso cúmplice: “Sabe por quê? O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi está agora num encontro íntimo com uma das senhoras mais requintadas da nossa sociedade, ou melhor, a mais requintada da nossa sociedade, mas não me pergunte quem é, jamais contarei”. 

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Um novo regime político

Passeata a favor da ditadura

Eu estava na varanda lendo o jornal da manhã, acompanhado por atrevidos pardais que, em cima da mesa, beliscavam farelos de pão do meu prato, sem nenhum temor a minha presença, mais uma prova da visível queda de poder do ser humano, quando me veio a luz. Não é que faltava energia, mas a luz no meu cérebro que anda, ultimamente, em constante apagão.

A ideia brilhante foi a seguinte: diante de tamanha discórdia entre os poderes executivo e legislativo, a piorar com as irônicas alfinetadas do judiciário, cheguei à conclusão que o regime político brasileiro deve sofrer profundas mudanças. Devemos acabar com o regime atual e instituir a Ditadura Democrática. O Brasil, em vez de “república federativa” passaria a ser “ditadura federativa”. Seria assim:

A) O poder político seria conduzido por um Ditador, eleito a cada cinco anos pelo voto popular. O voto teria de ser no papelzinho, sendo vedado o voto eletrônico (até hoje não me convenci da seriedade desse voto eletrônico). A reeleição seria proibida.

B) Não haveria poder legislativo. O lema seria: “Todo poder emana do Presidente, pelo povo e para o povo”. A depender do sexo do Presidente, o lema poderia ser: “Todo poder emana da Presidenta, pelo povo e para o povo”.

C) Ministros do Judiciário seriam nomeados por concurso público. Somente poderiam concorrer advogados com militância comprovada de mais de dez anos, juízes e procuradores, ambos com mais de cinco anos de função.

D) Os partidos políticos atuais seriam desmantelados. Os novos partidos seriam:
- PMDB do Ultra (Partido do Movimento Democrático Brasileiro Ultra Conservador);
- PMDB-CF (Partido do Movimento Democrático Brasileiro da Conversa Fiada);
- PMRD (Partido do Militarismo Radical de Direita);
- PCS (Partido Comunista Stalinista);
- PNF (Partido Nazista Fascista);
- PSM (Partido dos Saudosos Melancólicos);
- PTA (Partido dos Trabalhadores Arrependidos);
- PMA (Partido da Monarquia Absolutista).

E) Seriam banidas todas essas leis e regras burocráticas que só incomodam, do tipo Orçamento, Lei das Diretrizes Orçamentárias, Lei de Responsabilidade Fiscal etc. O Presidente(a) regeria o governo através de decreto-lei ou Ordem Imperial.

F) O Presidente poderia usar o nome de “Presidente(a) Imperador(triz)” ou “Imperador(triz) Presidente(a)”, a ordem não faz mal. O título de Ditador(a) seria só para efeito interno.

G) Voltariam a vigorar as Ordenações Filipinas, com suas penalidades assim descritas conforme a gravidade: Suplício, Mutilação, Tortura, Banimento, Privação da liberdade e Morte. Marcação a ferro em brasa seria substituída por tornozeleira elétrica, que daria um choque de hora em hora, cuja intensidade seria de acordo com a gravidade da pena.

H) A delação não seria premiada; pelo contrário, o delator seria fuzilado sumariamente antes de a fofoca transitar em julgado. Com isso, esses incômodos atuais não existiriam mais. E juiz que insistir em julgar o que não deve será banido para o Estado Islâmico.

Acho que assim ficaria bom. Ninguém chateia ninguém, o governo governa como quiser e o povo, ah, o povo, este vai torcer pelo Brasil nas Olimpíadas.

Um Presidente-Imperador ou Imperador-Presidente
"Esses são os meus princípios. Se você não gosta deles eu tenho outros" (Groucho Marx)