quinta-feira, 23 de abril de 2015

A miopia na administração pública

O renomado Professor Francisco Mangieri lançou recentemente a sua obra “Administração Tributária Municipal – Eficiência e Inteligência Fiscal”. Neste livro, Mangieri não teme em provocar os leitores com ideias inovadoras para aplicação na administração fazendária, algumas de natureza tão óbvia que chega a surpreender a necessidade de afirmá-las para que sejam lembradas e adotadas.

Uma delas é a quebra da burocracia “burra”, a não confundir a burocracia formal requerida nos atos administrativos com aqueloutras de exigências abstrusas e absurdas, que não servem rigorosamente para nada, a não ser para atormentar os contribuintes e encher de papéis inúteis as prateleiras das repartições.  

Outro dia, perdi uma licitação porque faltou na entrega do imenso volume de papelório o “Demonstrativo do Índice de Liquidez Geral” da empresa, demonstrativo que deveria ser assinado pelo Sócio e pelo Contador, ambos com firma reconhecida, papel timbrado etc.. Argumentei: “Mas, meu amigo, o Balanço foi apresentado, está aí. Basta dividir o Ativo Circulante pelo Passivo que você terá o tal índice de liquidez geral”. O servidor – imagine – membro da comissão de licitação, respondeu: “Olha! Eu nem sei para que serve esse índice e não tenho a mínima ideia de como se calcula, mas faz parte das exigências e não abro mão!”. A licitação era para ministrar um curso de dois dias, e, é lógico, há sempre uma preocupação de a empresa quebrar antes de concluir serviço de tão longa duração.  

Mangieri prega o desmantelamento total desse jurássico ranço burocrático que ainda infesta as repartições. Na verdade, o que ele deseja é que o gestor dê uma parada na rotina e repense sobre a praticidade e utilidade real dessa parafernália de obrigações. E não dizer que servidor público não tem tempo para dar uma parada. Isso é balela. Tem tempo, sim, o que falta é disposição e vontade de fazer. O que o autor destaca, daquele seu jeito polido e educado de escrever, é que o gestor deixe de administrar só com os olhos no retrovisor, como se os procedimentos utilizados no passado ainda se sustentam nos tempos atuais.

Outro ponto crítico citado pelo professor é o circuito processual, muito parecido com esses circuitos de corrida de carros, cheios de voltas e curvas para chegarem ao mesmo ponto de partida. Meu Deus! Uma via-crúcis, com todo o respeito. O processo administrativo passa por tanta gente, a maioria apenas para despachar “prossiga”, ou “ao setor tal”, e cada processo levando uma semana ou mais na mesa ou na gaveta do despachador. Por que não ir direto a quem decide? Aliás, o status do servidor público se mede pelo número de carimbos que dispõe. Servidor importante tem dezenas de carimbos em sua mesa: “Encaminha-se”, “Arquive-se”, “Ao Protocolo”, “Para falar”, “Notifique-se”, “Cientifique-se”, todos eles, assim, enfileiradinhos, em cima da mesa, tudo arrumadinho, cada um com um esparadrapo em cima, dizendo o teor do despacho que trata.

E os arquivos? Aquela montoeira de arquivos de aço abarrotados de papel. Melhor dizer, de aço, não, de ferrugem. Arquivos sem alça, desmantelados, tudo caindo aos pedaços. E guardando o quê? Papéis velhos, sujos, rasgados, a maior parte sem qualquer utilidade ou serventia. Em tempos remotos, um chefe novo do Cadastro Mobiliário perguntou para que servia uma dezena de arquivos a ocupar enorme espaço. Disseram-lhe que aqueles arquivos guardavam fichas de profissionais autônomos. Ali estavam os nomes dos profissionais inscritos desde a inauguração do setor, uns quarenta anos atrás. Para desespero dos funcionários antigos, o novo chefe mandou esvaziar os arquivos e fez uma grande fogueira de São João no pátio da Prefeitura.

Nunca ninguém sentiu falta daqueles documentos.

Está na hora de os gestores públicos procurarem o oftalmologista. A miopia pode ser genética, mas tem cura. 

Nota – O livro citado do Professor Francisco Ramos Mangieri foi editado pela Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2015. 

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