domingo, 24 de maio de 2015

O depoimento do falecido

As discussões acaloradas no Congresso sobre a notificação de indiciado supostamente falecido no escândalo da brasilrroubalheira, alvo de CPI febrilmente atuante e de discursos veementes, foram devidamente alardeadas aos quatro ventos com repercussão geral.

 “O morto não morreu!”, grita esfuziante o deputado Janoclécio do Tinguá, sob fortes apartes, desapartes, abraços e bordoadas do plenário convulsivo. 

Em meio à ebulição vulcânica dos atritos, a Deputada Ricardinha do Ricardão promove o lançamento de sua PLC – projeto de lei complementar, cujo primeiro artigo estabelece: “Fica vedado expressamente o falecimento de pessoa física indiciada em procedimento criminal de corrupção, peculato, extorsão e simulação de qualquer natureza”. O parágrafo único sentencia: "Somente será permitido o falecimento após ocorrido o trânsito em julgado da ação criminal". O apoio ao projeto ressoa no recinto e um congressista mais arrojado inicia o canto do hino nacional, mas pouco acompanhado, porque a maioria não sabia a letra e não havia playback.

O Deputado Pai Santo do Viamão resolve fazer mesa e atrair a alma do suposto falecido para que este preste depoimento. Vários deputados, em volta da mesa do Presidente da Comissão, dão às mãos e sussurram suas orações conclamatórias, já diante de velas acesas por um eficiente auxiliar de gabinete. Ao fundo, são ouvidos os acordes da Dança Macabra de Saint-Saëns. A mesa treme, as garrafas de água se mexem, os copos tombam, as velas se apagam sob o efeito de um vento fúnebre. E o Deputado Pai Santo do Viamão se gesticula, contorce-se, assume outra postura e fala em voz ressoante: “Quem ousa me tirar do sono eterno?”.

O Congresso se cala, o vento gélido se espalha, os presentes tremem de frio e pavor. O Presidente da Comissão toma coragem e responde claudicante: “Queremos saber se o senhor recebeu propina dos empreiteiros”.

A alma incorporada no Pai Santo do Viamão dá uma gargalhada fantasmagórica e responde: “Que palhaçada é essa? Muitos de vocês estavam lá e sabem que recebi propina, como todos receberam!”.

Um murmúrio de desaprovação. O Deputado Janoclécio do Tinguá, primeiro mandato e ainda aprendiz do ofício, gritou: “Diz os nomes de todos que se locupletaram!”.

Foi neste instante que um tiro se ouviu e o Deputado Pai Santo do Viamão caiu mortinho da silva. Alívio geral. O Presidente da Câmara aproveitou a oportunidade para declarar a proibição de reuniões mediúnicas no Congresso Nacional.  

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