quarta-feira, 17 de junho de 2015

A Ave Celestial

Todos os dias uma grande ave imaculadamente branca planava sobre as ruas próximas da praia, aproveitando-se do vento constante que vinha do mar. Com as asas abertas, permanecia imóvel, como estivesse a examinar as profundezas do oceano a procura de algum peixe, mas todos nós sabíamos que, na verdade, ela vigiava os passos tortuosos de nossas vidas.

Caso acontecesse uma tragédia ou um fato triste na comunidade, lá estava a ave, estacionada no céu, a sentenciar nossos atos e a despertar os nossos pecados. Sob o peso do olhar das alturas, todos, rotineiramente, levantavam a cabeça e dirigiam suas vistas em direção ao solene e austero pássaro, que nada dizia, mas nos controlava e exigia nossas reflexões.

Do temor aos pedidos de ajuda foi um passo. As oferendas, os agrados, peixes espalhados nas areias da praia, para servirem ao senhor alado. E brotaram os oráculos, a predizer mensagens da ave celestial, a comprovar milagres surgidos das orações dedicadas ao pássaro majestoso. Os abençoados juravam as mensagens recebidas e construíam templos em sua homenagem. Vieram visitantes, romeiros e doentes. E a ave, simplesmente, planava e vigiava.
 Certo dia desceu mansamente uma pena, ao sabor do vento, a pousar na areia da praia. Alguém mais afoito pegou a pena e a fez relíquia, tornando-se rico e poderoso. E surgiram os caçadores de penas, todos querendo também um pedaço do ser alado. E aos poucos vieram mais penas e outras mais, a flutuarem fragilmente no céu, como um manto branco a esconder o azul celeste. Até que todas caíram, pobre ave depenada, agora constituída somente de ossos, um esqueleto que, sem a proteção da plumagem, esfarelou-se ao vento, tornou-se pó, e desapareceu das vistas humanas e da triste história de nossas vidas.

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