sábado, 24 de outubro de 2015

O bajulador

Tricarico Pé-de-Boi, o Manda-Chuva do agreste, dono de papel passado das terras da região, conquistadas a tiros e mortandade, dono do cartório da cidade e manejador do poder público, homem que não tolera mercê e suplicância, vivia afastado de todos na sua mansão, verdadeiro castelo, que o rodeava.
 
Ninguém ousava aproximar-se, nem o padre a procura de donativos, nem o prefeito na busca de bons conselhos. O único permitido a entrar no território restrito de sua casa, era o rábula Fiorofino Broxa, o tratador de suas contas e das anotações contábeis, sendo, por isso, personagem da mais alta recomendação social, bajulado na elite e respeitado na plebe.

O Doutor Broxa, como gostava de ser intitulado, era quem personificava o lendário Tricarico Pé-de-Boi, lendário por não ser visto e examinado, presenciado e apalpado, mas se sabia existente por seus domínios, por seu poder, pela majestosa visão do seu castelo.

Todos queriam puxar conversa com o Doutor Broxa, para saber o que pensava Tricarico Pé-de-Boi sobre os diversos acontecimentos, mesmo prosaicos, filosóficos ou simples observações ocasionais, se o mercado do boi ia melhorar, se ia chover no inverno, como se cura rouquidão, se valia a pena estocar feijão. E o pomposo Doutor Broxa deitava falação, de queixo erguido e peito estufado: “O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi não acredita que o mercado da carne vai melhorar”. “O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi tem certeza que vai chover no inverno”.

Certo dia, chegou na cidade um jornalista da capital para fazer uma reportagem sobre a região e ao ouvir falar de Tricarico Pé-de-Boi desejou entrevistá-lo. Logo o encaminharam ao Doutor Broxa, que tentou de todas as maneiras convencer o jornalista a desistir da empreitada. Mas, o jornalista da capital era homem persistente e jogou todas as fichas de sua importância ao colo do coitado Dr. Broxa, que, sem outra alternativa, foi conversar a respeito com o seu poderoso patrão.

Ao entrar no castelo, em meio a um silêncio absoluto, era tanta a sua timidez que foi quase murmurando a chamar o dono do castelo, e cada vez mais a ingressar nos recônditos da mansão, até encontrar Tricarico Pé-de-Boi deitado na cama do seu quarto, debaixo da esposa do Doutor Broxa, os dois a exercitarem entusiasmada felação.

Aturdido com o que vira, o Doutor Broxa recuou seus passos, afastou-se do quarto e retornou ao lado de fora da mansão, onde o jornalista o interpelou: “E então, Doutor Broxa, o tal Tricarico Pé-de-Boi vai me atender?”.


O Doutor Broxa logo se recompõe, empina o queixo e responde solene: “Infelizmente, será impossível!”. O jornalista irritou-se: “Ora, por que ele não me atende?”. O Doutor Broxa esboçou um sorriso cúmplice: “Sabe por quê? O meu amigo Tricarico Pé-de-Boi está agora num encontro íntimo com uma das senhoras mais requintadas da nossa sociedade, ou melhor, a mais requintada da nossa sociedade, mas não me pergunte quem é, jamais contarei”. 

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