segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O imaginário brasileiro

- Como vai, Juvenal?
- O meu nome é Paul McCartney.
- Este é o seu sonho? Mudar o seu nome?
- Não é sonho, o meu nome é Paul McCartney.
- Você trabalha?
- Estou desempregado, mas jogo toda a semana na megasena.
- Espera ganhar?
- Vou ganhar se Deus quiser.
- Não ponha Deus nos seus sonhos!
- Ponho, sim, porque dependo Dele para concretizar minhas aspirações.
- Você quer um milagre!
- E quem faz milagre é Deus!
- Está certo, mas você deve contribuir com alguma ação própria.
- A minha parte é jogar e aguardar o milagre.
- Você estuda?
- Não, porque não tenho dinheiro.
- E você não tem dinheiro porque não trabalha...
- Pois é! Esse círculo vicioso me pegou.
- Mas têm escolas gratuitas...
- Não perderei tempo em escola gratuita... Sou Paul McCartney!
- Você canta?
- Na prática, não. Mas me imagino cantando para milhares de pessoas.
- Você, Juvenal, vive do imaginário.
- Ora, o que você quer? Afinal, sou um brasileiro...
- Ótimo! Um pouco de realidade!
- Sou um brasileiro que pensa grande!
- Ser Paul McCartney?
- Isso! Quero ser um americano rico e poderoso!
- Paul McCartney é inglês...
- Tudo a mesma coisa! Primeiro mundo!
- E que mundo é o Brasil?
- Brasil é um país do futuro!
- Futuro quando?
- Ah! Não sei! Desde criança eu ouço que o Brasil é um país do futuro.
- É verdade... Um país com segurança, ensino bom para todos...
- Transporte rápido e confortável, atendimento de saúde eficiente...
- Logradouros públicos limpos e organizados... Enquanto não chega o futuro você sonha...
- E quando sonho eu sou muito feliz!
- Mas a vida real...
- Não fale em coisa ruim, Deus castiga!
- Está bem, não falo mais em realidade.
- Muito bem! E, afinal, quem é você?
- Meu nome é Dr. Tertuliano, mas pode me chamar de Jesus Cristo!
- Caramba! Você sonha alto!
- Eu sonho em ser o filho de Deus! O Seu representante na Terra!
- Isso é que é sonho! E eu querendo ser um simples Paul McCartney.
- Sonhar não custa nada! Por que sonhar por baixo?
- Tem razão! Posso pedir um favor ao Senhor?
- Pode, meu filho.
- O Senhor pode me dar uma dica para a próxima mega sena?


sábado, 29 de agosto de 2015

Masterchef


A moda agora é programa de cozinhar! A Televisão está cheia desses programas, tipo Masterchef Inglaterra, Masterchef Canadá, Masterchef Austrália, Masterchef Afeganistão, ou apresentação de artistas preparando comida na cozinha. No caso dos artistas, fica fácil observar que eles não têm a mínima intimidade com a tal arte culinária. Todos maquiados, cabelos escovados, unhas bem feitinhas, e fingindo que cozinham. Tive que rir quando uma artista deu um pulinho de susto quando o óleo da frigideira chiou forte na fervura.

O pior é que essa moda chegou aqui em casa. Leilane, minha esposa, resolveu ser masterchef e não perde um só programa do gênero. Assiste a todos e conhece os concorrentes ao prêmio do melhor prato, da Austrália à Sumatra, de Nova York à Tegucigalpa, já tem os seus favoritos e torce por eles. Sofre quando perdem, vibra quando vencem.

Mas, o pior de tudo é que ela resolveu fazer da nossa cozinha um laboratório de pesquisa culinária. Passa o dia anotando as receitas no seu tablete para depois preparar a comidinha escolhida. Até aí nada de mais, se não fosse eu a cobaia!

Sento-me à mesa com uma fome de anteontem (à lá Chico Buarque) e ela me avisa sorridente: “Hoje eu fiz um troquetone pituchini flambado Lumiére. Quero que você prove e dê uma nota”. Meu Deus! E eu, garfo e faca nas mãos, vejo-a depositar à minha frente, um pratinho com o tal pituchini não sei o quê. Aliás, pratinho coisa nenhuma! A comida vem num pires, de tão pouquinho que é. Uma coisinha no meio, uns rabiscos dos lados, um filete fininho de pimentão amarelo e outras coisinhas a enfeitar o prato, isto é, o pires. O pimentão foi a única coisa que consegui identificar.



Ela põe o prato e aguarda ansiosa, esfregando as mãos, a minha nota. Por favor, entendam a dramaticidade da situação: se eu der nota ruim ela vai se zangar e ficar de mal comigo o resto do dia. E quem sabe (maldição!), até divórcio! E eu não posso perdê-la! Tenho, então, que ser parcial na nota. Com todo o cuidado, escolho uma espécie de borboleta de cor vermelha e levo à boca. Tento mastigar, mas o negócio é duro e não cede. Suspendo a respiração e engulo. Por pouco não engasgo. Consigo falar: “Está bom! Muito bom!”. Ela me olha irritada: “Roberto, você comeu a borboleta de plástico. Era só enfeite!”.

Pensa que ela desiste? De jeito nenhum. “Coma o troquetone!”. Bebo três copos de água e enfrento aquilo que ela denomina de troquetone (ou coisa parecida). Tinha gosto de gelatina de salmão. “Excelente! Nota 10!”. Ela fica toda satisfeita. “Amanhã vou preparar uma gurrupela de sachí venturini. Você vai adorar!”.

Ah que saudade do feijão com arroz, bife acebolado, farofa e ovo estrelado em cima do arroz. E uma bananinha para completar. Uma saladinha de tomate e alface, bastante azeite, sal a gosto... Um macarrão a bolonhesa, carne bem moída e temperada, queijo ralado em cima... Ou, quem sabe, bife de panela, batatas coradas, angu de milho... 


terça-feira, 25 de agosto de 2015

Coisas que irritam

Um dos direitos dos idosos é de irritar-se. A gente se irrita e os jovens ficam, assim, olhando pra gente com aquele olhar piedoso, a pensar: “coitado, já está gagá”. Mais um motivo para irritar-se. São tantas mexidas na Constituição Federal que recomendo mais uma, de ser acrescentado o princípio da irritabilidade: “Todos os idosos têm direito a irritar-se diante da idiotice de outrem”.

Algo que irrita é mãe colocando palavras na boca do filhinho. “Diz obrigado, meu filho”. E a pobre criança repete: “Bligado”. Ou, então: “Diz bom dia ao vovô”. E o filhinho repete: “Dia”. Isso não é educar, é adestrar, como se a criança fosse um papagaio aprendendo a repetir palavras. A criança perde a espontaneidade, mas demonstra ser bem educadinha. “Ah! Que bonitinho! É tão educadinho o seu filho!”. E a mãe se pavoneia, toda orgulhosa.

Outra coisa que irrita um idoso é ser obrigado a estar presente nas festas de crianças. Tem coisa mais chata do que festa de criança? Ficar ali, sem saber o que fazer, com a criançada correndo entre as suas pernas. O curioso é que o aniversariante não está nem aí com a sua presença, ela quer é brincar com as outras crianças, mas se o vovô ou vovó não vão, o que os outros vão dizer? Ou seja, tem que ir para que os outros não pensem mal de você, não é por causa do aniversariante. Que coisa irritante essa hipocrisia!

Irritante também são esses programas de televisão chamados telejornais, quando o apresentador fica falando, falando sobre um mesmo assunto. E fica na sua frente repetindo mil vezes a notícia e mostrando a mesma cena repetidas vezes. Ainda bem que televisão basta desligar ou mudar o canal. Mas, quando alguém banca o apresentador de televisão e fica repetindo, repetindo o mesmo assunto na sua frente, ou você se levanta e vai embora ou corre o risco de enfartar-se. Mas, “não fica bem levantar-se e ir embora”, é falta de educação. A solução, então, é enfartar-se.

E aquela mania de enfiar um “entendeu” em todas as frases? Meu Deus! Tem algo mais irritante do que ficar ouvindo entendeu, entendeu, entendeu, a cada segundo?

E essas moças, coitadinhas, que telefonam para vender alguma coisa? Por mais que você diga e afirme que não quer, a moça insiste e insiste. E ainda diz que a ligação está sendo gravada!! Arre! É dose para elefante! Mas, se você desligar é sinal claro de falta de educação.

E esses políticos discursando? E os jornalistas políticos com as suas retóricas cansativas?

E ficar aqui, escrevendo essas bobagens, também é algo irritante. Entendeu?

sábado, 15 de agosto de 2015

Comunidade revoltada: é tudo ladrão!


Neste sábado, como de costume, saí de casa, com a boca ainda com gosto de hortelã, para comprar o pão de cada dia, mas sem antes dar uma passada na banca de jornais do Daniel. A turma estava lá, inclusive Pezinho com a sua bengala. Um dos pés de Pezinho é atrofiado e, por isso, o Daniel sempre cede a ele um banquinho para sentar. O apelido vem do tempo de criança, e as crianças são genuinamente perversas ao inventar apelidos para as outras. A alcunha pegou e ninguém conhece o verdadeiro nome dele.

Pezinho tem um costume que chega a me irritar: só fala em futebol.

A conversa girava em torno dos preços das coisas e a turma estava revoltada. “Setenta centavos um pão! Isso é um absurdo!”, gritava dona BPereira, segurando a barriga enorme. “Esse seu Manel é um ladrão!”, sentenciou Índio das Verduras. Chinelinho, com aquela voz estridente, apontou o Índio: “Você não pode falar não! Sete reais o quilo do tomate! Você também é ladrão!”. A antiga rivalidade entre os dois permanece. Índio das Verduras se defendeu: “Vai ver quanto custa no Ceasa! Está tudo aumentando!”.

Henheco, o eletricista esquerdista, aproveitou a brecha: “A burguesia é toda ladrona! Está todo mundo roubando o povo!”. Resolvi me intrometer (eu sou um burro falador, por que não fico quieto, meu Deus!): “Gente! É a crise! A inflação voltou!”. A dona Zica da Tainha, sempre preocupada, perguntou: “Doutor, será que vão acabar com a Bolsa Família?”. Henheco atropelou a minha resposta: “É claro, dona Zica! Este é o plano: inventa essa inflação e acaba com a Bolsa Família!”. Dona Zica, preocupada, nem se importou com a resposta do Henheco, continuou olhando para mim esperando a resposta. “Bem, dona Zica, apesar da inflação, eu não acredito que a Bolsa Família vai acabar. Talvez, o seu valor não acompanhe a inflação, isso pode até acontecer...”. “Estão vendo!”, gritou Henheco, “Os preços aumentam e a Bolsa Família não vai dar pra nada!”.

Pezinho, com a sua voz rouca, interveio: “Vocês estão vendo o salário dos jogadores? Cada vez aumenta mais! O Flamengo paga mais de um milhão pra esse tal de Guerreiro!”. Daniel se intromete: “A maior parte vai pro bolso do empresário! É tudo ladrão!”.

Estava presente o Bill, que exerce funções de vigia. Bill está sempre vestindo uma calça de moletom, um par surrado de tênis e sem camisa. Ele gosta de mostrar os seus músculos já em frangalhos. “Meu patrão está reclamando: aumentou a conta de luz, o gás, a água...”. Chinelinho sacudiu os ombros: “Nós não pagamos essas coisas, somos isentos”. O Índio das Verduras protestou: “Não é bem assim! O Henheco está cobrando vinte paus pra fazer um gato!”. Henheco ficou mais vermelho do que o normal: “O meu preço é justo! Quem leva choque sou eu!”.
Pezinho resumiu: “É tudo ladrão! Até juiz é ladrão!”. Todo mundo olhou pra ele. Pezinho explicou: “Vocês assistiram o último jogo do Flamengo? Um pênalti claro como aquele, todo mundo viu, só o juiz fingiu que não viu!”. Daniel concordou: “É verdade, até juiz é ladrão”.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Conversas judiciais



Gabinete luxuoso, mesa de mogno, poltronas de couro, tapete persa. Dois senhores conversam, bebericando um uísque.
- Eu lhe digo, meu amigo, não tem cavalo como o Quarto de Milha! É insuperável!
- Pois eu lhe afirmo que não há nada igual ao Anglo-Árabe!
- Mas é difícil de criar aqui no cerrado...
Um assistente chega à porta e a conversa é interrompida.
- O que foi, Anaclócio?
- Excelência, achei uma decisão de 1953.
- Trata do mesmo assunto?
- Bem, Excelência, são assuntos diferentes, mas, em tese, são idênticos.
- Ótimo! Recheia com algumas bobagens, junta essa jurisprudência e manda bala!
O assistente se retira. O visitante pergunta:
- Muitos processos?
O outro dá um suspiro prolongado.
- Milhares, meu amigo! E estou querendo limpar o estoque!
O outro dá um gole no uísque.
- Eu também! E faço igual a você: junto algum precedente e despacho!
O outro concordou.
- O jeito é esse! É seguir o ditado, “nada se cria, tudo se copia”.
- De Lavoisier.
O outro deu uma gargalhada.
- Não! De Lavoisier é “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”.
O outro fez um gesto de pouco caso com a mão.
- Melhor ainda! Pega uma decisão antiga e a transforma em decisão atual.
- Essa é a minha política!
O outro abanou a cabeça.
- Na falta de uma melhor, não é mesmo?
- E existiria uma política melhor?
O outro se serviu de mais uma dose.
- Na verdade, existe, mas impossível de aplicar.
- Qual é?
- Ler os processos e basear-se em conclusões próprias.
Agora foi a vez do outro dar uma gargalhada.
- Ler os processos? Quem tem tempo para isso?
O outro levantou as mãos.
- Nós não temos, mas seria o melhor se tivéssemos tempo para ler e examinar com calma o teor das petições.
O outro resmungou.
- Hum, com milhares de processos no arquivo... Imagine se fôssemos ler tudo.
- É, eu sei, mas em compensação a gente gasta um tempo enorme procurando jurisprudência.
- Ora, quem faz isso são os assessores.
O outro deu um sorriso.
- Então, um brinde aos assessores!
Brindaram.
- E aí, quando você vai visitar o meu haras? Quero lhe mostrar um Anglo-Árabe que acabei de comprar.
- Posso ir amanhã. Devo levar a esposa?
- Claro! Vamos preparar um churrasco... Me diz uma coisa, amanhã já é quinta-feira?
- É, quinta-feira!
- Puxa, a semana está voando...  





quinta-feira, 6 de agosto de 2015

O Tatuzinho


Cenário: uma repartição da Polícia Federal.

O Chefe passava no corredor, em frente da sala do Diretor. Ao vê-lo passar, o Diretor o chamou.
- Me diga uma coisa: o Tatuzinho está fazendo o quê?
O Chefe fez um gesto de desalento.
- Está lá, examinando aquelas contas de doleiros.
O Diretor empinou o corpo na cadeira e elevou a voz.
- Ainda? Eu já não disse para desistir dessa investigação de remessa de dinheiro? Isso não vai dar em nada!
O Chefe sentou-se em frente do Diretor.
- Eu sei. Já perdemos mais de um ano com essa história e só encontramos bobagens, um dinheirinho pra lá, um dinheirinho pra cá.
O Diretor bateu a mão com força na mesa.
- Então, por que Tatuzinho insiste nessa investigação? Ele é o único que ainda investiga essa droga?
- Ele é o único! O senhor conhece o Tatuzinho, ele embirra numa coisa e não desiste.
- Pois vai lá e diz a ele para arquivar tudo! É uma ordem!

O Chefe foi até a mesa de Tatuzinho. Lá estava ele entretido em examinar uma montoeira de papéis.
- Tatuzinho! O Diretor deu ordens pra você parar com essa investigação e arquivar tudo!
Tatuzinho tirou os óculos e levantou os olhos em direção ao Chefe.
- Está bem, só que surgiu uma coisa curiosa...
- O que foi?
- Um doleiro deu um Land Rover zerado de presente para um cara. Não é curioso?
- O cara é cliente dele?
- Aí que está. O nome dele não aparece em lugar nenhum.
- O que esse cara faz?
Tatuzinho mexeu nos papéis e tirou uma folha.
- Ele é diretor da Petrobrás.
O Chefe sentou-se na frente de Tatuzinho.
- E ele recebe um presentão deste, assim, sem mais sem menos?
Tatuzinho meneou a cabeça, concordando.
- Pois é. Um negócio misterioso, não é?
O Chefe pensou alguns minutos, levantou-se e disse:
- Faz o seguinte: investiga mais esse cara. Eu te dou mais um mês. Se nada descobrir, encerra esse assunto!
- E o Diretor?
- Deixa comigo, eu explico pra ele.
E Tatuzinho cavou, cavou, cavou, acabou fazendo um buraco enorme, um verdadeiro poço a jorrar petróleo.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Seu Zezinho


Seu Zezinho morreu. Enquanto dormia, a morte sempre à espreita deu o bote fatal e pegou-lhe desprevenido. A morte é sorrateira e ardilosa, ataca quando menos se espera.

Seu Zezinho era o Seu Broa das minhas histórias da comunidade. Era meu amigo. Era nosso costume sentar-se no banco da praia e olhar o mar. Sem conversas e vontade de puxar assunto, como se comportam os amigos. Pessoas amigas não precisam conversar, o importante é estar reunidas. Ficávamos lado a lado por um bom tempo a zelar pelo oceano profundo, assim, como se estivéssemos recolhidos às nossas orações. E depois de um longo passar das horas, Seu Zezinho comentava, com sua voz mansa e macia: “vem um sudoeste aí”. E bom tempo depois, eu retrucava: “vai trazer chuva”. Uma gaivota plainava no vento, de olho nos peixes. Na praia, um casal de gaviões bicava areia, para ajudar a moela esmagar os alimentos.

Seu Zezinho era um homem do mar, cheirava à maresia e tinha a pele curtida pelo sol. O seu rosto, enrugado na rusticidade do tempo. Nunca vi Seu Zezinho de camisa: somente bermuda e descalço. Às vezes, eu o surpreendia a cantarolar, soltando uns gemidos para o mar. Talvez se lembrasse do seu tempo de pescador em mar alto. Um canto para deixar o mar calmo e sonolento. Uma vez, ele me disse: “o mar é bom, mas tem pavio curto, não deve ficar aborrecido”.

Seu Zezinho não mais pescava em mar alto. A idade e a bolsa família convenceram-no a desistir. Fazia, agora, uns biscates nas pedras da praia, com pesca de linha. Vendia os peixes nas barracas e comia alguns. Sua vida seguia o remanso das ondas tranquilas, que se estendiam na areia e, depois, desistiam de avançar e recuavam.

Seu Zezinho, o seu Broa, morreu. O banco da praia está vazio, mas as gaivotas lá estão, plainando ao vento, os gaviões a bicar os grãos de areia. O mar, ah o mar, ele não parece o mesmo. Deve estar aborrecido. Eu também estou aborrecido, sentado no banco e sem ninguém para conversar. 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

A TAM humilha os idosos



Foi assim: o meu voo de Porto Alegre para Brasília, dia 28 de julho, foi cancelado e a TAM providenciou a alteração, colocando-me no voo do dia seguinte. Paciência, essas coisas acontecem. Mas, a própria TAM marcou o meu assento ao lado da saída de emergência! Importante: no voo cancelado, o meu assento estava marcado na fila 2, longe, portanto, das saídas de emergência.

Ao entrar na aeronave, obedeci ao que estava no bilhete, sentando-me no lugar determinado. Quando todos os passageiros já ocupavam os seus lugares, um meninote da chamada tripulação dirigiu-se a mim e perguntou: “O senhor tem mais de 60 anos?”. “Tenho”, respondi. E ele, todo pomposo, fazendo alarde de sua notória importância: “Então, o senhor não pode sentar aí! Queira se levantar e procurar outro assento!”. Respondi: “Não saio, não. Quem me colocou neste assento foi a TAM”. E ele: “Se o senhor não quer sair por bem, vou chamar a segurança”. E lá foi ele, todo afoito, a procura da tal segurança, para me retirar por mal.

Fiquei no meu lugar, aguardando a chegada da dita segurança. Falei à senhora do lado: “Quando a segurança chegar, a senhora se abaixa pra não levar bordoada”. Tensão a bordo, todos aguardando a segurança. Quem chegou foi uma moçoila, que se autodenominou “Chefe da Tripulação”. “O comandante mandou dizer que, enquanto o senhor não sair daí, ele não sai com a aeronave”. Perguntei: “Mas, por que eu tenho de sair daqui?”. Ela, de nariz empinado: “Porque o senhor não tem condições físicas para manejar a saída de emergência!”. “E como a senhora sabe que eu não tenho condições físicas para manejar a saída de emergência?”, perguntei, realmente curioso em saber como aquela moçoila poderia conhecer as minhas condições físicas. Ainda pensei, “será que ela me viu fumando lá fora, na entrada do aeroporto?”. Ou, então, “será que eu estou andando curvado e ainda não percebi?”. “Será que estou babando?”. Passei discretamente a mão na minha boca. Não estava babando.

Não era nada disso, ela esclareceu: “Porque o senhor é idoso!”. E acrescentou: “A ANAC proíbe idoso de sentar nas saídas de emergência”. Resolvi, então, sair do lugar para não prejudicar os demais passageiros. Ela me conduziu para outra fila, avião lotado, e perguntou a uma senhora: “A senhora tem mais de 60 anos?”. A senhora respondeu: “Tenho 58 anos”. E a chefete do tripulacho: “Então, a senhora troca de lugar com esse senhor”. E a senhorinha, coitadinha, magrinha, franzina, andando com dificuldades, foi para o meu lugar. Para quem não sabe, a locomoção da porta de emergência representa uns 15 quilos de empuxo. Eu carrego um botijão de gás, levo nos braços três sacos de carvão, de 6 quilos cada um. Será que aquela senhorinha, de 58 anos de idade, ainda consegue levantar um botijão de gás? E a minha esposa? Com 62 anos de idade, corre 14 quilômetros diariamente. E troca o gás, com a maior facilidade. A conclusão: 60 anos é, realmente, o limite da capacidade física de cada um? 

Sentei-me no novo assento, peguei o meu cartão de fidelidade e coloquei toda a minha força nas mãos para rasgar o maldito plástico. Consegui! Quando o meninote passou por mim, mostrei a ele o cartão rasgado e disse: “Consegui rasgar o cartão da TAM com as mãos. Tente fazer o mesmo com o seu!”. Ele passou vazado.

O tripulacho da TAM tentou repassar a responsabilidade dos seus atos à Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, mas essa agência em nenhum momento diz que os passageiros idosos podem ser constrangidos ou humilhados. Pelo contrário, a ANAC estabelece normas especiais para proteção das pessoas com deficiência, com idade igual ou superior a 60 anos, gestante, lactante ou pessoa com mobilidade reduzida. Essas pessoas compõem um grupo que a ANAC denomina de PNAE. Diz a agência que o PNAE tem atendimento prioritário. Poucos sabem, por exemplo, que o PNAE goza de um desconto de 80% por excesso de bagagem para o transporte de equipamentos médicos.

A TAM não segue a ordem de questionar o PNAE, antes de embarcar, sobre as suas condições físicas, até mesmo para saber se ele pode, ou não, viajar junto às saídas de emergência. Aliás, a regra da ANAC sobre a vedação nas saídas de emergência está claramente voltada ao PNAE que sofre de alguma deficiência, pois diz que essas pessoas devem ter assentos especiais, junto ao corredor, dotados de descansos de braços móveis, sendo vedada sua localização nas saídas de emergência. Ora, nunca a TAM me disponibilizou assentos especiais, justamente pelo fato de eu não precisar, por enquanto, de tais benefícios.

E mais ainda: a ANAC autoriza piloto de aeronave comercial com idade de até 65 anos. E a própria ANAC esclarece: “Os estudos concluíram, também, que a capacidade psicofísica de uma pessoa não está restrita somente ao fator idade e sim a vários outros fatores”. Ora, esses estudos só servem para pilotos de avião?

Espero nunca mais viajar na TAM. Pelo menos enquanto eu não for tam-tam.