segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Data Venia

- Desculpe, Excelência, mas o contrato de compra e venda foi averbado no Cartório...
- Meu caro, a jurisprudência é firme de que o fato gerador do ITBI é o registro no Cartório e não uma simples averbação.
- Concordo, Excelência, nos casos em que ocorrer transmissão da propriedade. Na promessa de compra e venda, devidamente averbada, temos cessão de direitos relativos ao imóvel...
- Que escapa, portanto, do fato gerador do ITBI.
- Mas, excelência, o ITBI tem três fatos geradores nos termos da lei: a transmissão onerosa da propriedade; a transmissão de direitos reais sobre imóveis; e a cessão de direitos à sua aquisição...
- Meu caro, não fique preso ao que dizem as leis. Você nunca passará de um simplório leguleio enquanto não enxergar acima da lei e souber interpretá-la.
- Mas, Excelência, a Constituição Federal também diz assim!
- Constituição? Isso é problema dos colegas do Supremo resolver. Aqui nos restringimos às normas infraconstitucionais.
- E as normas infraconstitucionais repetem os exatos termos da Constituição!
- E daí? Essa tal Constituição está repleta de tolices.
- Mas o Judiciário não legisla!
- O que é um erro! De qualquer forma, estamos sempre procurando corrigir a lei.
- Então, o Judiciário não segue a lei?
- Segue, mas de acordo com a nossa interpretação.
- Ah, como foi o caso do local de incidência do ISS, quando a lei complementar foi deixada de lado...
- Bom exemplo! Já viu lei com tantas exceções? Resolvemos simplificar a regra.
- Bem, excelência, neste caso as leis de nada servem...
- Não diga isso! As leis são necessárias para que a Justiça possa interpretá-las.
- Pelo jeito, então, a decisão de que contrato de promessa de compra e venda de imóvel continua não sendo fato gerador do ITBI.
- Isso mesmo! A nossa jurisprudência é firme nesse sentido.
- E o ISS é onde se perfectabiliza a operação?
- Exatamente!
- Mas, Excelência, Prestação de serviço não é uma operação, é um negócio.
- Meu caro, o seu tempo já se esgotou. Pode se retirar. Meirinho! Faça entrar outro advogado!

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Notícias totalmente irrelevantes

A – A Polícia Federal quebra a cabeça para identificar o beneficiário de propinas intitulado JD nas planilhas da Norberto Odebrecht. De início, acreditou-se que significava José Dirceu. Agora, já pensa em José Di Phillip (ou coisa parecida). NÃO É NADA DISSO! JD significa JOHN DOE, expressão americana usada quando a pessoa é desconhecida! Ou seja, a propina foi entregue a uma pessoa desconhecida. Bom não esquecer que a empresa é internacional e sofisticada. Não usaria a expressão cafona de FS (Fulano da Silva, vale esclarecer).

B – Parte dos Ministros do Supremo quer acabar com os protelatórios, a esquecer de que os réus só podem ser considerados culpados depois de decisão efetivamente transitada em julgado até a mais alta Corte que a lei permitir recurso. Vamos supor que o cara é preso, mas depois é inocentado no decorrer do processo. E o tempo em que ele ficou preso? Evidente que entrará com ação de danos morais e perdas materiais.

C – Faz parte das usuais técnicas advocatícias trabalhar nos protelatórios. Um dos motivos é a prescrição. O Código Penal estabelece prescrição:
- Em 20 anos, se o máximo da pena é superior a 12 anos;
- Em 16 anos, se o máximo da pena é superior a 8 e não exceder 12 anos;
- Em 12 anos, se o máximo da pena é superior a 4 e não exceder 8 anos;
- Em 8 anos, se o máximo da pena é superior a 2 e não exceder 4 anos;
- Em 4 anos, se o máximo da pena vai de 1 até 2 anos.

E mais: os prazos acima são reduzidos pela metade quando o criminoso tiver mais de 70 anos na data da sentença. Deste modo, com a engenhosidade dos exímios advogados criminalistas (os caras são águias, vamos tirar o chapéu) os processos vão rolando, rolando até ocorrer a prescrição, tudo nos conformes da lei.

D – E agora, a Polícia Federal e o Ministério Público se voltam contra os marqueteiros. Merece registro que a expressão ‘marqueteiro’ tem um sentido de coisa vulgar, pejorativo, mas, cá entre nós, as empresas de marketing, aquelas que planejam e fazem executar planos de propaganda e publicidade merecem respeito e consideração. Seus quadros são formados por técnicos qualificados, com conhecimentos profundos de sociologia, psicologia e outros sufixos logias, que significam estudo e saber. Quando a imprensa divulga que o ‘marqueteiro fulano de tal recebeu R$ 30 milhões’ esquece-se de dizer que a empresa de marketing recebe a verba total da campanha e é ela que efetua os pagamentos de todos os terceirizados na divulgação publicitária, ou seja, imprensa em geral, filmagens, locações de laboratórios, despesas com a realização de eventos e tudo mais.

Um ex-deputado e ex-vereador meu amigo (muito raro um ex-qualquer-coisa deixar de ser político) me disse que, na prática, os limites de valores de campanha estabelecidos na lei eleitoral nunca são cumpridos, a não ser por candidatos que se inscrevem apenas para fazer número. Por exemplo, uma campanha para vereador já conhecido do eleitorado, de um Município com população superior a 100 mil habitantes, vai custar na base de R$1 milhão, se realmente desejar ser eleito. Deputado estadual já conhecido precisa, no mínimo, de uns R$5 milhões para reeleger-se. Candidato ainda desconhecido vai gastar uma média de R$50 milhões (teve candidato a deputado federal na última eleição que investiu - palavra melhor que gastar – uns R$200 milhões na campanha). Imagine, então, quanto deve custar uma campanha para Governador e para Presidente da República! E o marqueteiro é quem leva a culpa! Afinal, não cabe a ele explicar de onde vem o dinheiro. O problema é de quem o contratou.  

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O roubo do carro

O sujeito teve o seu carro roubado quando estacionava em rua movimentada, para dar um pulo no Banco e sacar um dinheirinho. Dois caras armados arrancaram a chave do carro de sua mão e saíram voados e pneus cantando. Ele ficou com cara de pateta olhando o nada.

Resolveu, então, dar parte da ocorrência na polícia. A delegacia não era próxima e ele, nervoso, pegou um táxi. Quando o táxi parou num semáforo, encosta ao lado o seu próprio carro, mas agora dirigido por um dos ladrões. Abaixam o vidro e apontam as armas, mandando motorista e passageiro (que era ele) passarem as carteiras de dinheiro. Tudo muito rápido e os ladrões nem percebem que era ele o dono do carro. Abre o sinal e o carro dos ladrões sai voado e pneus cantando.

O motorista do táxi desiste da viagem e diz ao passageiro para saltar, pois teria de ir primeiro à delegacia dar parte do assalto. O passageiro lembra que o destino da viagem era exatamente a delegacia e os dois podiam ir juntos. O motorista concorda, mas diz ao passageiro que precisa primeiro dar uma parada num bar e beber um copo d’água para acalmá-lo.

Assim, seguem adiante até encontrar um tipo de lanchonete. Estacionam o carro e entram no estabelecimento, cada um pedindo uma garrafa de água mineral. Estavam quase terminando de beber a água, quando o carro do sujeito dá uma parada brusca em frente da lanchonete, quase batendo no táxi, e os dois ladrões invadem o recinto, gritando “Todos no chão! Isso é um assalto!”. Os ladrões, por certo viciados em filmes americanos, fazem aquela algazarra, mandando todo mundo deitar no chão e pegando celular e dinheiro dos fregueses e retirando tudo do caixa da lanchonete.

Muito rápidos, pegam tudo e retornam ao carro que sai voado e pneus cantando. Havia seis pessoas na lanchonete, mais eles dois e mais o casal de coreanos, donos da casa. Todos inconformados e cara de pateta, como todos os assaltados ficam.

Resolvem ir à delegacia e dar parte da ocorrência. O motorista do táxi se recusa a dirigir porque estava tremendo de nervoso. Vão todos para o ponto do ônibus e pegam o coletivo que passava em frente da delegacia. O ônibus segue viagem, mas, de repente, é fechado pelo carro do sujeito e os dois ladrões invadem o ônibus aos gritos “Isso é um assalto! Esvaziem os bolsos e ponham tudo nessa sacola!”. Não há dúvida de que os ladrões eram doidos por filmes americanos. Todo mundo joga os seus pertences na sacola dos marginais que levam tudo, entram no carro que sai voado e pneus cantando.

Agora, são uns trinta os assaltados, e todos seguem no ônibus a caminho da delegacia. Lá chegando, o motorista do ônibus diz ao policial que anotou a placa do carro. A autoridade verifica no computador e descobre que o dono do carro estava ali, pois acabara de identificar-se no boletim de ocorrência. “Que pilantra!”, pensou o policial. “Juntou-se aos assaltados para disfarçar”. O sujeito recebeu ordem de prisão e foi encaminhado ao xadrez, mas, antes, levou socos e pontapés da turba enfurecida. Até do motorista do táxi, ainda muito nervoso. 

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Fiscalização: “brilho nos olhos” e “faca nos dentes”

O Subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Iágaro Jung Martins, deu entrevista ao Jornalista Fábio Pupo do Jornal Valor, ao qual declarou que a queda nas atividades de fiscalização da Receita Federal foi em parte provocada pela desmotivação do quadro. A falta de motivação é resultante da insatisfação geral com as propostas de reajuste salarial feitas pelo governo federal, incluindo as propostas incipientes para valorização da carreira.

E o Subsecretário arrematou: “Só conseguimos isso (melhorar a arrecadação) quando temos um auditor com brilho nos olhos na fiscalização (...). Queremos que se resolva rápido (a negociação), para o auditor colocar a faca nos dentes de novo”.

Brilhante!! O Sr. Iágaro Jung Martins conseguiu resumir em duas expressões o verdadeiro sentimento de um Auditor motivado: Brilho nos olhos! Aquele brilho que percebemos nos olhos de certos Fiscais Auditores quando realizamos palestras ou reuniões com eles. Aquela vontade de fazer a coisa certa! De buscar a verdade, apesar de todos os obstáculos criados pelos contribuintes; pela legislação burocrática e deficiente; pela absurda falta de informações cadastrais; e pela pressão interna de certas autoridades contrárias ao legítimo exercício da fiscalização. E mesmo assim, o Auditor parece sugar as nossas dicas e sempre a querer mais, tudo com o propósito de exercer com dignidade o seu ofício.

Faca nos dentes! A expressão simboliza a garra, a disposição de enfrentar todas as adversidades com o intuito de manter a sua consciência tranquila, de fazer justiça aos contribuintes que cumprem com os seus deveres, pois a fiscalização não pune os corretos, mas, sim, àqueles que tentam ludibriar e zombam dos bons pagadores. Fiscalizar é um ato de justiça não só perante o órgão estatal como, principalmente, perante os que agem corretamente. Faca nos dentes a enfrentar os inimigos da maioria da população que paga os seus tributos e anseia por melhores serviços públicos.

Parabéns, Sr. Martins. O senhor conseguiu sintetizar o âmago da questão. Auditor tem que ser respeitado pelas autoridades políticas, tem que receber um salário condigno e gozar de uma independência no seu trabalho. Tem que participar na elaboração das legislações fiscais, aprovar ou desaprovar a implantação de sistemas informatizados, ter direito de indicar os colegas para cargos de chefia, de defender em processos administrativos os seus lançamentos tributários, de receber prêmios em razão de sua produtividade, de ter o órgão precedência na distribuição de verbas orçamentárias (a fim de evitar o esvaziamento de recursos para o exercício da função).

Aos Fiscais de Carreira: Uni-vos! Mas com brilho nos olhos e faca nos dentes!

domingo, 14 de fevereiro de 2016

Depoimento de um agressor de mulheres

- Bem, então o senhor estava dizendo que chegou em casa...
- Pois é! Cheguei de viagem e quando entrei no quarto senti cheiro de homem.
- Cheiro de homem?
- Isso! Homem tem cheiro inconfundível! Aí, perguntei a ela: “Quem esteve aqui?”
- E ela...
- Ora, ela respondeu que ninguém tinha estado lá, o senhor sabe, são todas falsas!
- E o que senhor fez?
- Gritei com ela! Disse que ela era uma puta rampeira, sem vergonha, coisas do tipo.
- E o que ela fez?
- Começou a chorar e me agrediu!
- Agrediu como?
- Jogou um travesseiro na minha cara. Eu podia até ficar cego!
- E o que o senhor fez?
- Ora, tive que reagir! Dei-lhe um tapa no meio da cara.
- E ela?
- Ela caiu do lado da cama, mas segurando um lençol. A intenção dela era jogar o lençol em cima de mim!
- E aí?
- Aí é que, para me defender, dei-lhe um pontapé no meio dos cornos.
- E ela?
- Ela ficou caída lá no chão e começou a me chamar de filho da puta. Ofensa moral, doutor!
- E o que o senhor fez?
- Para defender a honra da minha mãe, dei-lhe vários chutes, pegassem onde pegassem.
- E ela?
- Aí ela parou de xingar e ficou lá deitada, chorando baixinho.
- Foi isso, então, que aconteceu?
- Exatamente isso, doutor! Como o senhor vê, eu apenas me defendi!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Quando o ITBI é imune

Quando nós compramos um imóvel pagamos ITBI. Em geral, o compromisso pertence ao adquirente, porém, as leis de alguns Municípios consideram o vendedor ‘solidário’ na obrigação, ou seja, se o comprador não pagar pode-se cobrar do vendedor. Em minha opinião, inexiste solidariedade entre vendedor e comprador, pois os dois estão em polos opostos na relação, mas isto é assunto para a Justiça resolver.

O ITBI é o imposto municipal que grava as transmissões onerosas de imóveis ou dos direitos reais relativos a eles, quando efetuadas por pessoas vivas. Nos casos de transmissões por herança ou partilha do espólio da pessoa falecida, paga-se o imposto de transmissão estadual. E quando a transmissão não for onerosa, tipo doação, o imposto a incidir será também o estadual. Se um pai, ainda vivo, quiser doar um imóvel para o seu filho, paga o tributo estadual. Se quiser vender por um preço simbólico, paga o tributo municipal, mas vai pagar tendo por base o valor real, porque o Fisco não é bobo e não vai aceitar o valor simbólico declarado. Se não quiser doar nem vender, mas somente conceder usufruto do imóvel para o filho, vai pagar ITBI, pois este imposto grava também os direitos reais concedidos, e usufruto é direito real do usufrutuário. Em resumo, difícil escapar.

Todavia, há situações em que o ITBI não é devido, na verdade, nem existe. Quando uma pessoa resolver constituir uma sociedade jurídica com outra pessoa, e integraliza sua parte do capital por meio da transmissão de um imóvel que lhe pertencia, essa transmissão não gera tributação, nem do ITBI e tampouco do imposto estadual. Com o intuito de incentivar a formação de pessoas jurídicas, a Constituição Federal imuniza tais transmissões.

Há, porém, certas ressalvas. Quando o imóvel é incorporado a uma sociedade jurídica cuja atividade é exatamente a de explorar economicamente bens imóveis, a imunidade perde efeito. Assim, se a atividade econômica da sociedade for compra e venda de imóveis, locação de imóveis, administradora ou incorporadora imobiliária e de leasing imobiliário, o ITBI terá de ser pago.

Mas, como o mundo é dos espertos, alguém pode pensar em montar uma sociedade que defina o seu objeto social como, por exemplo, representação comercial, mas, na verdade, vai atuar na locação de imóveis. Pode isso? Bem, não deveria, mas sabe como é.

Por esse motivo, o Fisco deve analisar as origens das receitas da sociedade ora constituída, a serem obtidas nos três anos seguintes. Deste modo, os gestores da empresa são obrigados a enviar ao Fisco os seus demonstrativos de resultados ao término de cada ano. Se a receita preponderante for relacionada com negócios imobiliários, o ITBI será cobrado, não importa qual seja a atividade formal declarada no contrato. Considera-se preponderante a receita equivalente a 50% ou mais, do total. Apesar de tratar de receitas operacionais, o Fisco deve ficar atento, também, às receitas não operacionais, as quais, muitas vezes, transformam-se nas principais fontes de receitas de uma empresa.

Se for uma empresa já em funcionamento, a receber novo ingresso de capital, a apuração se dará nos dois últimos anos e nos dois próximos anos, tendo como marco divisório a data da nova adição ao capital mediante a transmissão do imóvel.

Observa-se, portanto, que em tais casos o ITBI não é cobrado no ato da transmissão, mas ficará dependente de averiguações futuras. Em outras palavras, a imunidade virá com o tempo previsto de análise dos Demonstrativos de Resultados da sociedade. E se em um ano a receita de negócios imobiliários for preponderante, já não precisa aguardar os outros. Cobra-se o ITBI.

No portal do Consultor Municipal tem artigo mais completo sobre o tema.

Danos morais contra Município (se a moda pega...)

Notícia veiculada hoje no Jornal Valor:

Um Município da região administrativa de São Paulo não conseguiu reverter no Supremo Tribunal Federal decisão que o condenou a pagar pensão mensal e indenização aos filhos de um homem que morreu depois de contrair leptospirose, em decorrência de uma enchente.

A ministra Carmen Lúcia negou seguimento ao recurso interposto pelo município contra a condenação do Tribunal de Justiça de São Paulo. Para os desembargadores, houve omissão da administração pública municipal na realização de obras necessárias à solução do problema na região, exposta periodicamente às enchentes, tais como ampliação da capacidade de vazão dos córregos, captação de águas pluviais e construção de reservatórios de amortecimento e de barragens de contenção, além da simples limpeza das margens e desassoreamento. Tal omissão, no entendimento do TJ-SP, gerou o dever de indenizar.

Pela decisão, o Município terá de pagar pensão mensal no valor correspondente a dois terços do rendimento auferido pela vítima por ocasião da morte, até a data em que seus filhos completarem 25 anos. A indenização por dano moral foi fixada em 300 salários mínimos.
Fonte: Jornal Valor, de 12/02/2016, coluna ‘Destaques’.

Comentário: A concluir, então, que é necessário morrer alguém para o Município acordar e fazer o seu dever de casa. Caso não morra ninguém, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes. 

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O silêncio das plantas


No terreno da minha casa tenho um pé de lima da pérsia, cajueiro, açaí, jabuticaba, pitanga, acerola, tangerina, lichia, mamão e cupuaçu. Cercado de muros é o meu mundo vegetal, onde minhas plantas vivem rodeadas de outros muros, de outros mundos, de outras espécies, das quais desconhecem o modo que levam a vida, e não se importam por não lhes dizer respeito. Às vezes, uma folha se libera ao vento, ultrapassa o muro e vem cair no mundo das minhas plantas. E elas nem se comovem diante do indício de vida vegetal do outro lado do muro. Pelo contrário, irritam-se com aquela invasão e desejam somente que a folha seja varrida ao lixo.

Cuido das minhas plantas com zelo e paciência. De vez em quando, tenho de acrescentar terra nova com insumos. A terra se esgota. Diariamente, cada uma recebe um balde de água. Quando chove, dispensa-se. O meu prazer é vê-las desabrochar felizes, mas nem consigo saber se são realmente felizes, por causa dessa vida enfurnada que levam. 

As plantas não me conhecem, embora tivesse sido eu que as plantei e que as mantenho vivas. Eu sou o criador, fui eu que as criei, mas quando me aproximo elas se calam, não conversam comigo, talvez pela descrença da minha existência, ou pelo simples fato de não saber como comunicar-se. Elas me ignoram, apesar de todo o amor que sinto por elas. Nunca lhes faria mal, porém, se eu deixar de regá-las, de enriquecer a terra, quem sabe, com fome ou doença elas voltem suas atenções para mim?

Não conversam comigo, mas lhes dou todas as oportunidades. Procuro atrair suas atenções, falo sobre o tempo, do sol inclemente e dos trovões ameaçadores, eu procuro mostrar a vida que levam e, de vez em quando, canto para elas, ao som dos pássaros que as procuram. Mesmo assim, elas se calam, recusam os meus convites. Seria bom se o criador pudesse ouvi-las, talvez alguns agradecimentos, talvez alguns reclamos, talvez alguns desejos que eu pudesse atender. Eu até as entenderia melhor e, quem sabe, ajudar-lhes-ia mais ainda. Talvez, preocupadas com a labuta diária, de alimentar-se, de gastar energia ao produzir suas flores e frutos, do ataque das formigas e dos pulgões, enfim, preocupadas com a rotina cansativa de suas existências, elas me deixam de lado, como se o criador fosse um ser imaginário, somente vivo nos seus pesadelos, ou lembrado nos momentos de desespero.

E seria tão fácil conversar comigo, o criador, eu as entenderia da forma que desejassem, por meio de vozes, pensamentos, gestos ou pequenos sinais. Eu gostaria de ouvi-las, assim, como se fosse uma boa prosa, e mesmo que não entendessem minhas palavras, poderiam se expressar na forma de uma oração brotada no âmago de seus seres. 

domingo, 7 de fevereiro de 2016

MEI está “isento” de todas as taxas ou só as de registro?

Confusões e confusões! E a maioria das confusões é provocada por redação ruim e capenga das leis, dando margem a inúmeras interpretações. Uma delas se refere à cobrança de taxas aos microempreendedores. Os Municípios não sabem se a dispensa ocorre só quando o empreendedor inicia a sua atividade, ou vale para sempre, enquanto ele exercer a atividade.

Em dúvida, muitos cobram a partir do ano seguinte à liberação do alvará de funcionamento. Sabe como é! “In dúbio pro fisco”, já dizia Gêngis Khan (ou foi Julio Cesar?). Porém, a maioria não cobra nada, nem na entrada, nem no meio e nem na saída, porque já não cobram nada de ninguém (60% dos Municípios não têm quadro fiscal, acredite se quiser).

E aí vem a Lei Complementar n. 147/2014, com a intenção de ‘esclarecer’ a dúvida. Eis a redação:
Art. 3º-A, § 3º - Ressalvado o disposto nesta Lei Complementar, ficam reduzidos a 0 (zero) todos os custos, inclusive prévios, relativos à abertura, à inscrição, ao registro, ao funcionamento, ao alvará, à licença, ao cadastro, às alterações e procedimentos de baixa e encerramento e aos demais itens relativos ao Microempreendedor Individual, incluindo os valores referentes a taxas, a emolumentos e a demais contribuições relativas aos órgãos de registro, de licenciamento, sindicais, de regulamentação, de anotação de responsabilidade técnica, de vistoria e de fiscalização do exercício de profissões regulamentadas.

Vejam a primeira artimanha: a lei federal não dá isenção em nome dos Estados e Municípios (pois seria inconstitucional). Por isso, estabelece custo zero! Todos os estudiosos dos conceitos tributários sabem que ‘não incidência’, ‘custo zero’ e isenção são coisas diferentes, mas, ao fim, significam a mesma coisa.

E voltando a questão, a redação diz que o MEI goza de custo zero relativo à abertura, inscrição, registro, funcionamento, alvará, licença, cadastro, nas alterações e procedimentos de baixa e encerramento. E cansado de descrever as situações finaliza com o genérico: “e aos demais itens relativos ao Microempreendedor Individual”.

Da forma escrita, tanto confusa, é verdade, não tenho como contestar a ideia de que os MEIs estão livres de todas as taxas, inclusive as municipais. Ou seja, não pode mais ser cobrada a taxa de fiscalização anual, tanto das Posturas quanto da Vigilância Sanitária. E outras, se houver.

Mas, e aí vem a pergunta indispensável: quem vai custear os serviços fiscais de vistoria e fiscalização de tais estabelecimentos? Pois, apesar da gratuidade, os quadros fiscais de poder de polícia são obrigados a zelar pelo cumprimento das leis e normas concernentes à devida localização dos estabelecimentos, da higiene, da segurança, dos direitos da vizinhança e do sossego público! Afinal, só por ser MEI, a postura municipal será desvirtuada ou esquecida?

Mais uma vez os Municípios vão pagar o pato, vão absorver os custos da pajelança federal. Muito fácil oferecer benefícios com o dinheiro dos outros. E como sempre acontece com essas isenções, custo zero, não incidência e outros apelidos de ocasião, quem vai pagar a conta é a população, porque os Municípios terão de usar dinheiro dos impostos, que é pago por todos, para fiscalizar os Microempreendedores.