sábado, 15 de outubro de 2016

Eu, o velho!

Acordo, vou ao banheiro e olho-me no espelho. Um rosto coberto pela neblina do tempo (genial, Simenon!). Essas papadas debaixo dos olhos... O idiota do médico oculista me diz para fazer plástica; corta aqui, corta ali, e as papadas desaparecem. Eu fazer plástica! Argh! Meu pai se sacudiria no caixão e faria tremer todo o cemitério! Meu pai não lavava as mãos com sabonete. Mãos de trabalhador têm que ser calosas, ele dizia. Mãos sedosas, lavadas com sabonete, é coisa de mulher, que devem ser lindas, cheirosas, de mãos macias, ele dizia. Se dissesse isso hoje seria chamado de machista.

Deixarei esses calombos debaixo dos olhos. Por que me importo com isso? Será que estou ficando vaidoso depois de velho? A vaidade é tolice dos néscios. Disfarço tais pensamentos ligando o rádio e ouvindo a CBN. O locutor informa que o trânsito está péssimo, tudo engarrafado. Preocupo-me, vou chegar atrasado, mas aí me lembro de que não vou a lugar nenhum, vou ficar em casa. Então, por que me preocupar? Realmente, estou velho, muito velho, preocupo-me à toa, não penso coisa com coisa. E essas papadas...

Visto-me e vou à padaria. Dona Pequenininha me diz que o pão está fresco. Respondo que quero pão macho, não quero pão fresco. Piada velha a brotar risos e gargalhadas. O pessoal da padaria me acha simpático. Um velho gozado. Um coroa. “Sabe aquele coroa engraçado? Aquele que usa uma boina esquisita? Morreu!” Penso isso quando bebo o cafezinho. Diz a moça do caixa: “Pudera! Fumava muito!”. Posso chegar aos cem anos, mas quando morrer o culpado foi o cigarro. “Coitado, fumava muito”.

Todo cumprimento de velho já é uma forma de despedida. “Bom dia”, e a pessoa entende: “quem sabe seja esse o meu último dia”. O que me conforta é que serei considerado uma ótima pessoa, mas depois de morta. Todos dirão: “era uma excelente pessoa”, “um bom amigo”, “deixará grandes saudades”. Por enquanto, ainda vivo, devo ser uma péssima pessoa, um mau amigo, e tanto esquecido aqui no meu canto. Não estou me queixando, apenas constato uma realidade, pois faço exatamente a mesma coisa com os outros.

Não chego a ser um misantropo, mas sou um casmurro rabugento. Não sou de babar netos e netinhos. Prefiro dar-lhes liberdade de escolher de quem gostam, naturalmente, sem provocações. Deixo-os à vontade. Se me procuram eu os recebo carinhosamente. Se não me procuram, eu respeito suas escolhas e não fico roendo as unhas. Os filhos, trato-os como adultos. Se eles pedem um conselho, e se eu souber aconselhar sobre o assunto, eu dou a minha opinião. Se não pedem, eu me calo e ouço.

Tenho um casamento esplêndido! De respeito mútuo e profunda amizade, o que costumam chamar amor. Na minha atual idade, amor não é aquela paixão de gente nova. Amizade sedimentada, de companheirismo, daquele tipo de entender os olhares. Só não gosto quando ela mexe no meu computador...
Coisas de velho. Está tudo bem, menos essas papadas debaixo dos olhos. Não farei plástica, de jeito nenhum! Talvez umas massagens, um creme milagroso...


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