domingo, 23 de outubro de 2016

O segundo turno e a comunidade

A turma já estava reunida na frente da banca de jornais do Daniel. Ao me aproximar, Chinelinho, sempre indiscreto, esgoelou:

- Doutor! O senhor vai votar em quem nesse segundo turno?

Salvou-me a velhice:

- Eu não voto mais, Chinelinho. A idade me dispensa.

Dona BPereira, que fazia três coisas ao mesmo tempo: segurava o mais recente filho com o braço esquerdo, dava de mamar com aquele peito colossal do lado de fora, e segurava um cigarro com a mão direita, foi logo dizendo com aquela voz rouca de baixo tenor:

- Não voto em nenhum dos dois! Um vai encher a prefeitura com gente da igreja dele; o outro com essa meninada bagunceira!

Henheco, o eletricista comunista, esbravejou:

- Um pertence à elite empresarial eclesiástica! O outro, da esquerda festiva, que tanto mal faz à doutrina pura do comunismo!

O Índio das Verduras entrou na conversa:

- O meu fornecedor do Ceasa disse que nenhum dos dois serve!

O vigia Bill resmungou:

- O meu patrão me mandou votar em branco.

Chinelinho gritou:

- O meu candidato a vereador, o Tinhoso da Pedreira, perdeu feio! Não quero nem saber quem ele está apoiando!

Dona Zica das Tainhas fez o sinal da cruz e comentou baixinho:

- Vocês viram aquele candidato falando mal da Virgem Maria? Meu Deus! Que horror!

Daniel olhou pra mim com olhar interrogativo:

- Mas, pera aí gente! Vocês estão falando dos candidatos do Rio de Janeiro! E nós votamos em Niterói!

Daniel é o dono da banca de jornais e sabe das coisas. Todos olharam espantados para ele. Um silêncio de perplexidade. Quem salvou a situação foi o Pezinho, que, sentado no seu banquinho, fez um comentário elucidador:

- Eu estou muito preocupado com o jogo de hoje! O Corinthians não vai dar mole pro Flamengo!

Pezinho só pensa em futebol.

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