terça-feira, 1 de novembro de 2016

O Eleito

O eleito era uma pessoa de, vamos dizer assim, ideias curiosas e aparentemente extravagantes. O povo se divertia com suas elucubrações. Dava risadas. Mas o sujeito parecia falar sério, cara enfezada, dando socos na mesa, quando tinha mesa, ou na outra mão, quando não tinha a quem esmurrar. Aquele comportamento era motivo de maior diversão ainda.

E assim ele foi eleito mais em função de sua bizarrice. O povo gosta de novidades e de qualquer coisa que o divirta, que o faça esquecer por instantes as agruras da vida.

Logo ao ser nomeado governante, o sujeito colocou em prática suas ideias. Instituiu a super Secretaria denominada “Coordenação Central”, a quem todas as outras eram subordinadas. A primeira medida da Coordenação Central foi a de instituir privilégios a todos que aderissem ao novo governo. Bastava comparecer na repartição e preencher um formulário com os seus dados pessoais e confessasse, sob responsabilidade civil e criminal, que não era homossexual, não era fiel de religiões demoníacas, nunca fizera ou incentivara abortos e não fumava. Se aprovado, tinha o direito de usar uma braçadeira com uma cruz branca sob um fundo preto.

Os privilegiados não podiam ser presos e nem multados por infrações no trânsito. E quando dois deles cruzassem na rua ou em qualquer lugar deveriam dar uma saudação, esticando o braço direito e gritando “Aleluia!”. De início, foi uma farra aquela gritaria de Aleluia, mas, ao passar do tempo, a saudação passou a ser séria. O povo gostava. Parecia fazer parte do governo, dos mandantes. Além de ser muito divertido.

O eleito continuou com suas ações inovadoras. Instituiu a “Gestão Popular”, que passou a ser conhecida pela abreviatura GESTAPO. Esse órgão estimulava a chamada “Delação Premiada”. Todos podiam comparecer na repartição e delatar amigos, desconhecidos, vizinhos ou parentes de qualquer ato que contrariasse as regras governamentais. O delator recebia um bônus para reduzir os seus tributos, ou, então, ganharia o valor em dinheiro.

Longas filas de delatores na frente da GESTAPO. Os acusados eram trancafiados por medida cautelar até o julgamento. Cabia a ele o ônus da prova em contrário da acusação delatada. Os policiais da GESTAPO circulavam nas ruas, a invadir as casas dos suspeitos e agredir os antipáticos. Respeitavam somente aqueles que usavam a braçadeira da Coordenação.

Mais um motivo para que todos corressem à procura da adesão à super Secretaria.

E tudo foi assim até o dia em que o povo, aos poucos, percebeu que a piada transformou-se em pesadelo. 

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