domingo, 31 de janeiro de 2016

A Petrobrás na Comunidade

As obras inacabadas do COMPERJ

Operários em greve na COMPERJ
Há três anos ausente, eis que retorna à Comunidade o pedreiro Anastácio, mais conhecido como Bokão, na forma que ele costumava assinar os orçamentos de obras. Lá estava ele sendo cumprimentado pela turma na frente da banca de jornais do Daniel. Todos estavam felizes, Bokão é boa gente, além do mais, ele é quem resolvia os problemas de consertos em nossas casas, o único em quem a gente confiava. Durante a sua ausência, Chinelinho, profissional avulso, pau pra toda obra, tentou assumir a posição, mas foi um desastre, não sabia nem fazer o traço do concreto. Todos sentiam saudades do Bokão.
- E aí, Bokão! Que prazer em vê-lo!
- Bom dia, doutor! Como vai dona Leilane?
- Vai ficar feliz com o seu retorno, um monte de coisas pra consertar lá em casa. Você veio pra ficar ou está de passagem?
- Vim pra ficar, doutor. As obras da Petrobrás acabaram, entendeu?
- Você estava em Itaboraí na obra do COMPERJ, não é?
- Não! A obra do COMPERJ já parou há muito tempo, entendeu? Eu estava terminando uma obra em Macaé, de uma firma estrangeira, entendeu?
Bokão tem a mania de encerrar suas frases com o tal ‘entendeu?’.
- E não tem mais nada lá pra fazer?
- Nada importante, entendeu? Parou tudo, e pra fazer biscate eu prefiro fazer aqui onde moro, entendeu?
Dona Zica das Tainhas aproveitou:
- A parede da minha casa está toda rachada, Bokão. Você pode dar uma olhada? Estou com medo de cair...
- Passo lá na segunda-feira, Dona Zica.
Dona BPereira, sempre atrevida:
- Bokão, a sua mulher andou reclamando da falta de dinheiro. Você não ia ficar rico lá na Petrobrás?
Bokão deu um sorriso amarelo.
- Sabe que é, a gente pensa, a gente sonha, entendeu? No primeiro ano até que foi bom, sobrava um bom dinheiro, entendeu? Mas, depois, atrasavam o pagamento, cortaram a ajuda na pensão, cortaram o dormitório, foi uma barra, entendeu?
Daniel perguntou:
- Você foi demitido?
- Eu e todo mundo, entendeu? Está tudo parado, obra inacabada, tudo estragando, enferrujando, dinheiro jogado fora, entendeu?
Entrei na conversa:
- Parece que eles vão retomar a obra de uma refinaria.
Bokão coçou a cabeça:
- Acho que dá pra salvar alguma coisa, entendeu? Uma boa parte vai ter que refazer.
Henheco, o eletricista comunista, resolveu participar:
- A Petrobrás está quebrada! O melhor é vender logo tudo pros gringos, colocar uma faixa de vende-se no mapa do Brasil!
- Mas quem vai comprar uma porcaria dessa? – perguntou Daniel.
Dona Zica das Tainhas comentou:
- A minha casa eu não vendo. Está toda rachada, mas é minha...
Dona BPereira deu aquela sonora gargalhada:
- Quase vendeu! Se não fosse eu, você venderia!
Dona Zica, com voz tímida:
- É verdade, meus filhos queriam que eu vendesse pra pegar a parte deles. O pastor queria 15% de dízimo. O que ia sobrar não dava pra comprar outra.
Dona BPereira falou alto:
- Cambada de safados! Queriam te enganar, mas não deixei!
- Fez muito bem – disse Chinelinho.
E Bokão deu um sorriso:
- Pena que não tinha uma BPereira na Petrobrás, entendeu?
Todos nós entendemos. Não tinha uma BPereira na diretoria e nem no Conselho da Petrobrás. 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Zika Vírus na Comunidade

Fui de tarde comprar cigarro na padaria e encontrei a turma reunida em frente da banca de jornais do Daniel. Dona BPereira, dando de mamar ao mais recente filho, dominava a discussão:
- Não vem que não tem! Na minha casa ela não entra!
O que foi, o que não foi, Daniel me explicou:
- A Vigilância foi na casa da BPereira pra botar um pozinho na caixa d’água.
Dona BPereira interveio:
- Aquilo é broxante, doutor! Não é nada pra matar mosquito não! Pensam que sou otária?
Tentei apaziguar:
- Acho que é a campanha contra o zika vírus.
Henheco, o eletricista comunista, entrou na discussão:
- Doutor! Este vírus é mais uma invenção das multinacionais pra vender mais remédio! Me diga, doutor, há quanto tempo existe esse mosquito?
- Bem, Henheco, não sei... Acho que existe a centenas ou milhares de anos...
Ele gritou:
Então!! E só agora esse vírus é descoberto! Isso é jogada pra vender repelente! É tudo feito em laboratório!
Chinelinho esperneou:
- Cambada de sacanas! A mesma coisa eles fizeram com a AIDS!
Henheco aproveitou a deixa:
- Bem lembrado! Eles inventaram a AIDS pra acabar com os homossejuais!
Ele queria falar homossexuais, mas tudo bem. Dona Zica das Tainhas comentou:
- Eu me lembro, coitado do Pitéu, pessoa maravilhosa, educada...
Pitéu era um jardineiro na comunidade. Era gay e morreu com AIDS. Tentei intervir:
- Gente, AIDS não pega só em gay...
Daniel resolveu participar:
- Mas a doença começou numa cidade americana onde o prefeito era gay. Muita coincidência, não é, doutor?
E Henheco:
- Pois é! Essa burguesia nojenta queria acabar com os homossejuais como sempre quis acabar com todas as minorias!
O vigia Bill, sempre de calça moletom e sem camisa, entrou na história:
- O meu patrão me mandou tirar todos os pratos dos xaxins e varrer o quintal todos os dias. Ele não quer água depositada nem em cima de folha caída no chão.
O Bill sempre repete as ordens do seu patrão.
E dona BPereira:
- Eu disse pra mulher: você só bota pozinho na minha caixa d’água se espalhar na lagoa. A lagoa, doutor, está cheia de mosquitos e não fazem nada!
- E o que ela respondeu?
Dona BPereira deu uma risada:
- Ah, Ah, ela disse que o trabalho dela é só nas casas. Aquilo é broxante, doutor! Não é nada pra matar mosquito!
Henheco estava a toda:
- Broxante pra diminuir o número de pobres! Não tem emprego pra todo mundo, então, o negócio é diminuir a população!
Caramba! Pura teoria da conspiração. Se fosse ao tempo da ditadura já estaríamos presos! Falei mais alto:
- Mas, gente! Precisamos ajudar no combate desse mosquito, cada qual cuidando de sua casa, não deixar água depositada, limpar o quintal! O mosquito que nasce numa casa pode atacar em outra!
Dona Zica das Tainhas:
- Ontem eu matei um mosquito com uma chinelada.
E Pezinho, sentado no banquinho:
- Chinelada quem deu foi o Guerreiro no jogo contra o Atlético.
Pezinho só fala e pensa em futebol.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O Império ataca nos Tapajões!

Ao fundo, majestoso navio singra as águas do Tapajós. Em frente (que coincidência!), o barquinho que estou vendendo, muito bom pra pesca do pirarucu. Os interessados, cartas para redação.
O enorme navio invade as águas do Tapajós e ancora na orla de Santarém. Mais de mil espiões do império, todos com mais de setenta anos de vida útil, lançam seus olhos belicosos e suas bocas famintas em direção às riquezas da Amazônia. Espantam-se com as águas cristalinas do Tapajós, sua imensa extensão, profundidade e largura. Atônitos, chegam à conclusão que o Mississipi seria um mero igarapé na bacia amazônica.

Os espiões fazem conta: a água é elemento essencial à vida e custa um valor médio de cinco centavos de real por litro. Já o petróleo, custa U$0,25 por litro, ou R$1,00 (na base de 158 litros por barril e valendo U$40.00). Mas o petróleo é substituível por outros produtos e a água, não. Chegará um dia em que a água será mais valiosa do que petróleo, e o seu preço não será mais de ínfimos cinco centavos por litro. E a nação rica em água será poderosa. E, por este motivo, visada pelo Império. No Brasil, somente o aquífero Alter do Chão, reserva subterrânea localizada sob os estados do Amazonas, Pará e Amapá, tem um volume de 86 mil km³ de água doce, potável e despoluída, o suficiente para abastecer cem vezes a população mundial. Importante: o aquífero Alter do Chão nada tem a ver com a mais bela praia fluvial do planeta, Alter do Chão, situada em Santarém. Mas o aquífero passa por baixo de Alter do Chão, talvez daí o seu nome, ou vice-versa.

Os espiões continuam fazendo conta: cada pessoa necessita de 3,3 m³ de água por mês, ou 110 litros de água para atender necessidades de consumo, higiene e outras coisas. A vazão do Rio Amazonas é de 200 mil m³ por segundo, ou 200 milhões de litros por segundo! A dizer, então, que somente a vazão do Rio Amazonas daria para manter mais de 1,818 milhão de pessoas por mês, e isso com apenas um segundo de vazão!

A nossa teoria da conspiração conclui que o império está de olho na nossa Amazônia, no nosso Tapajão! E esses velhinhos simpáticos, disfarçados com aquela vestimenta ridícula de caçador de jacaré, ou integrante de tour-safari no Central Park de Nova York, já devem estar enviando informações secretas para o grande ataque, que pode ser à bala ou a dinheiro (levando em conta os nossos políticos, mais provável que seja a dinheiro). O Império ataca! E a piorar, o mercenário Harrison Ford está agora do lado dele!

Nota: É provável que haja algumas falhas nos cálculos acima, mas, de qualquer forma, o recado foi dado.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Mensagens Natalinas

Fato comum nas empresas e no serviço público o envio de mensagens dos dirigentes aos seus funcionários e servidores. A importância dessas mensagens é... nenhuma! Aliás, podem ser verdadeiros tiro no pé.

O motivo maior do fracasso de tais mensagens é a intenção do dirigente em se mostrar criativo, ou inteligente, aos olhos dos subalternos. E, pior, quando quer divulgar suas crenças e ideologias. Abaixo, algumas pérolas de mensagens verdadeiras de fim de ano:

 “Companheiras e companheiros, vamos à luta!” (o que é isso, cara? Os funcionários já estão cansados de ir à luta. Não precisam de mais motivação).

“Estamos atravessando um período turbulento, mas a verdade prosperará” (isso é mensagem natalina ou discurso de preso político?).

“2015 foi um ano difícil, mas de muita superação” (superação de quem?).

“Que a nossa parceria seja sinônimo de sucesso” (parceria? Estou fora).

“Agradeço a todos por tudo que consegui neste ano que já está acabando” (que cara egoísta, só pensa nele!).

“Muita luz neste Natal e ano novo, pois a vida é um presente iluminado; que todos os dias do ano novo sejam iluminados para você e sua família” (puxa, e quem vai pagar a conta da luz?).

“Lanço a todos o desafio de alcançarmos as nossas metas, e que sejam premiados os que atingirem a perfeição de suas tarefas” (em outras palavras, os que não forem perfeitos no trabalho vão ser demitidos sumariamente. Isso é mensagem natalina ou bilhete de advertência?).

E a mensagem discurso? Vejam esta: “Quisera, Senhor, neste Natal, armar uma árvore e nela pendurar, em vez de bolas, os nomes de todos os meus amigos. Os amigos de longe, de perto. Os antigos e os mais recentes. Os que vejo a cada dia e os que raramente encontro. Os sempre lembrados e os que às vezes ficam esquecidos. Os constantes e os intermitentes. Das horas difíceis e os das horas alegres. Os que sem querer eu magoei, ou sem querer me magoaram...” (vamos parar aqui, porque ninguém consegue ler toda a mensagem).

Bem, o melhor teria sido não enviar mensagem nenhuma. Ou então, um singelo “Feliz Natal e Próspero Ano Novo”. Nada criativo, mas sem medo de errar. 

domingo, 17 de janeiro de 2016

Ensinando a ser rico


O paciente procurou famoso especialista na ciência de acumular riquezas.

- Bom dia, meu amigo! Pode entrar! Esta é a sua primeira consulta?
- Exatamente, doutor... Preciso deitar naquele sofá?
- Não! Por enquanto, não. Sente-se aqui e, por favor, diga-me o que lhe aflige.
- Na verdade, doutor, eu gostaria de saber o que devo fazer para ficar rico.
- Ah-Ah, boa pergunta! O que o senhor faz profissionalmente?
- Bem, eu sou bancário...
- Vai morrer pobre! Mas, se o senhor dissesse “eu sou banqueiro”, a situação seria outra.
- Mas eu sou bancário!
- Este é o seu erro inicial! O senhor precisa pensar grande! O senhor deve pensar e dizer com firmeza: “Eu sou banqueiro”! Ponha isso na cabeça e parte do problema já estará resolvido.
- A questão é que não sou dono de banco...
- E nem precisa ser! O importante é pensar que é e agir como banqueiro, tratar as pessoas e clientes como se fosse o dono do banco!
- Mas só pensar não me fará um homem rico.
- Como eu disse, essa é a primeira parte do processo.
- Doutor, como é que alguém se torna rico?
- Alguém se torna rico de duas formas: ganhar uma herança ou assumir risco.
- Bem, herança não tem nenhuma...
- Então o senhor precisa assumir risco.
- Risco de quê?
- Risco de morrer, de ser preso, de falir, de ser considerado imoral, ladrão, estelionatário, de perder a família... O senhor tem que ter coragem de assumir o risco não se importando com as consequências.
- Sabe que é, doutor, a minha formação é muito rígida, não sei roubar...
- Roubar é um termo forte, chega a ofender não é mesmo? Sendo assim, não pense que está roubando! Pense que está negociando, fazendo um negócio!
- Um negócio para lesar o outro?
- É claro! Ninguém enriquece enganando um animal, o cachorrinho, o gato. A gente enriquece enganando um ser humano. Você não está roubando o cara, você está sendo mais esperto que o cara, essa é a diferença!
- E se der errado?
- Ora, se der errado você vai pagar, este é o risco! Um idiota nunca ficará rico, a não ser que ganhe uma herança...
- Aquele ditado: o mundo é dos vivos!
- Melhor seria: o mundo é dos espertos que assumem risco!
- Mas o esperto pode acabar preso...
- Isso somente acontecerá se o risco for pequeno! Assumir o risco de pegar a carteira de um turista, de assaltar uma casa, de embolsar dez reais do caixa, risco pequeno dá cadeia. Pense grande! Assuma grandes riscos! Valores imensos! Fazendo assim o senhor nunca será preso!
- Por quê?
- Porque o senhor será importante e muitos dependerão de você! Vários espertos que também se locupletaram não vão querer vê-lo trancafiado na cadeia. Eles temem que o senhor fique deprimido e passe a contar coisas que não deve! Aprenda o seguinte: golpe grande nunca é praticado sozinho! Sempre envolve uma quadrilha de poderosos e um grupo pequeno de subalternos de confiança!
- É por isso que rico não vai pra cadeia?
- Exatamente! O rico tem a proteção de outros poderosos, da embromação na Justiça, do jogo político e, principalmente, da memória curta do povo. Lembre-se: o ladrão de ontem poderá ser o presidente da república de hoje!
 - Puxa! Nunca pensei nisso... Quanto lhe devo doutor?
- Dez mil reais...
- Dez mil? Isso é um roubo!
- Pois é, eu assumo riscos. Você paga ou vamos discutir na Justiça... e não se esqueça que tenho amigos poderosos...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Nelsinho ou Joaquinzão


Economista escreve mais complicado do que advogado, o qual, por sua vez, escreve mais complicado do que médico. Os advogados estão melhorando, eliminando os jargões e reduzindo o uso de expressões latinas. Os médicos, já faz tempo, têm procurado transmitir suas ideias de forma mais compreensível por nós, o povão. Mas, os economistas... Não é fácil entendê-los.

Pois bem. O decano da economia, professor Delfim Netto, escreveu o seu primeiro artigo de 2016 no jornal Valor, tecendo comentários, vamos dizer, interessantes, conforme a limitada medida de entendimento deste aqui, um absoluto ignorante na ciência da economia.

O mestre compara Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Diz que Levy é fruto do neoliberalismo da Universidade de Chicago, enquanto Barbosa é discípulo da escola heterodoxa ministrada na New School University de New York. Vem daí o preconceito de muitos economistas, a considerar Barbosa uma semente de estranha mistura de ideologias. Delfim diz que isso é uma grande bobagem, se a política econômica segue o regime adotado no País, o capitalismo democrático no nosso caso, a não ser se houvesse uma revolução e os governantes pudessem instaurar a política que bem entendessem. Diz isso em razão de a tal escola heterodoxa ser uma mistura de conceitos (Kalecki, Keynes, Marx e outros pensadores do economês).

A propósito, quando fiz Direito tive professores comunistas, liberalistas, radicais de direita e os ‘laissez-fair’ à lá Adam Smith. E também aqueles que aparentavam não seguir nada. Esses últimos eram os meus preferidos: apenas davam aulas e deixavam sob-reserva as suas convicções, se por acaso as tivessem.

Voltando ao assunto, Delfim Netto passa a comentar assuntos para mim utópicos, como é o caso do ‘Pleno Emprego’. Faltando emprego nas atividades privadas, que o governo empregue o resto! Diz o colunista que, segundo Kalecki, o pleno emprego destrói a arma (ele diz “o instrumento”) que disciplina o trabalhador: o desemprego. Em outras palavras, se não houver o risco do desemprego, como controlar os trabalhadores? Isso me cheira a um capitalismo/fascista, mas quem sou eu a dar palpite?

No meu primeiro emprego, no governo do Estado da Guanabara, ouvi o diretor Matoso Maia dizer o seguinte: “Se a iniciativa privada não contrata alguém por se tratar de um idiota, o Estado tem que contratá-lo. Assim, por favor, não exijam muito do servidor público!”. Caramba! Seria o mesmo em dizer que o governo contrata o restolho, o que for dispensável pela iniciativa privada. E esse era o conceito firmado no passado: serviço público era para incompetentes! Falem o que quiser, mas se o PT fez algo bom em sua gestão foi, exatamente, valorizar o servidor público! E não me venham com preconceitos! Ok! Tudo bem! Concordo que nem tudo são flores, que não podemos caracterizar pessoas pelo partido que apoia, mas, na maioria, os petistas procuraram dar mérito e apoiar os servidores públicos.

Na minha ignorância profunda em assunto economia, sempre considerei o Joaquim Levy o mais visceral inimigo do gasto público, e se dependesse dele acabaria com todos os programas de apoio social, como Bolsa Família, Pronatec, Minha Casa Minha Vida e tudo o que o valha. E que se dane a pobreza!

Já o Nelson Barbosa, ele tem assim uma carinha mais humana, talvez a entender melhor que a pobreza é responsabilidade do Estado, que ninguém pediu para nascer num país que não lhe ofereça condições razoáveis de vida, que o direito de ser feliz é de todos e não de uma minoria egoísta. Podem me xingar, sou muito mais Nelsinho do que Joaquinzão. Mas, é lógico, baseado na minha estreita visão da macroeconomia, pois nem sei distinguir Kalecki de Keynes. Aliás, eu pensava que Kalecki era nome de pasta de dentes. Devo estar confundindo as coisas. 

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

O dia final do demitido


Fui demitido e cumpro minhas obrigações finais no dia derradeiro. A solidão é a bagagem dos exonerados, e o gabinete, outrora pequeno pelo número de visitantes, agiganta-se pelo presente vazio. A recepção ao lado dormita no silêncio e a própria recepcionista já se evadiu, temerosa pelo contágio dos desempregados. Os telefones se quedam, não mais reclamando atenção.

Faço, então, a limpeza do gabinete e pretendo deixar tudo arrumado para que o meu sucessor fique à vontade e faça a desordem dele. A desordem é sempre personalizada.

Os livros, eu levo, são meus. A Constituição Federal eu deixo, espero que tenha serventia. O quadro da Presidente eu deixo, não acredito em impeachment. Mas, se acontecer, o meu sucessor que o leve em sua desocupação final, antes que outros o despedaça por rancor e ódio. Deixo a caneta bic, meio usada e sem tampinha, na primeira gaveta da mesa. Os elásticos estão numa caixinha de plástico no canto da mesa. Os clipes, eu os deixo dentro do cinzeiro nunca usado. Afinal, são bens do Estado, a mim não pertencem.

Os processos pendentes, eu os deixo na caixa de saída, que o sucessor os resolva. Os processos por mim deferidos são postos ao lado da caixa de saída com o bilhete: “para revisão”, pois as decisões futuras podem divergir das minhas.

Retiro do banheiro a escova de dente e o tubo de pasta, bens por mim adquiridos. O sabonete meio gasto jogo fora. As toalhas eu levo, são minhas. Examino o ambiente e o resto eu deixo, são bens do Estado. Apago a luz do banheiro e ele adormece nas sombras. Fecho a sua porta, por delicadeza.

Lembro-me das fotos na mesa do gabinete. Fotos de família, eu as guardo. Uma flâmula de Cuba, autografada por Fidel e que sempre me acompanha, eu a levo na minha caixa de coisas carregadas.

Da porta de saída, examino pela última vez o gabinete, agora um espaço inútil, despejado, constituído de coisas amorfas, abandonadas. Bem, acredito não ter esquecido nada. Seria desagradável um assessor me telefonar depois da minha saída, a dizer que me esqueci de levar coisas minhas. Não gosto de ser repreendido. Acredito, também, que tudo que fiz foi na direção certa, e tudo que não fiz foi por ordens superiores. Sei que vão me criticar e imputar-me a responsabilidade dos malfeitos. Não me darei ao trabalho de defender-me, esta é a pena dos demitidos.

Saio do gabinete levando minha caixa de coisas carregadas. Não há mais seguranças e assessores para me ajudarem, carrego sozinho as minhas coisas. Vou direto à garagem, onde está o meu carro. O carro oficial e o motorista não mais me aguardam, ninguém abre a porta para mim. Na garagem silenciosa, apenas o ronco do motor do meu carro. Ligo o ar e tiro a gravata. E dou uma banana pra todos os ausentes. 




sábado, 9 de janeiro de 2016

A Comunidade Perplexa


Reorganizada a rotina (graças a Deus!), depois da bagunça das festas de fim de ano (o pessoal que esteve lá em casa esvaziou uma caixa de Spézia! Uma turma de alcoólatras desavergonhados! Não me deixaram uma para o enterro dos ossos!), fui à padaria comprar o pão de cada dia e encontrei os comunitários reunidos na frente da banca de jornais do Daniel. Dona Zica das Tainhas chorava com as mãos nos olhos.

“Bom dia, o que aconteceu, Dona Zica?”, fui logo perguntando.

Dona BPereira segurava um filho novo no colo e com o outro braço abraçava Dona Zica.

“Sabe, doutor? O banco não pagou a pensão dela, cambada de desgraçados!”.

Eu não sabia que Dona Zica recebia pensão além da Bolsa Família.

“Quem paga a pensão?”, perguntei.

“O marido dela era funcionário do Estado. Trabalhava num hospital”, explicou Daniel.

“Cambada de ladrões!”, gritou Chinelinho.

“Esses banqueiros dominaram o Brasil!”, disse furioso Henheco, o eletricista comunista.

Tentei consertar:

“O governo do Estado atrasou os pagamentos. Minha mulher também não recebeu a sua aposentadoria”.

Índio das Verduras tentou fazer negócio no meio da confusão:

“Doutor, tenho aí uma rúcula fresquinha, vai querer?”

Pezinho, sentado no banquinho, interveio:

“O Brasil está quebrado! A China já levou a metade do Corinthians! Só falta o Coringão ir disputar o campeonato de lá!”. Pezinho só pensa em futebol.

Dona Zica, entre choramingos:

“Ainda bem que a dona Dilma pagou a Bolsa Família. Se não fosse isso eu não tinha nada”.

Dona BPereira deu uma risada:

“Que é isso, Zica? Está escondendo o jogo? Você vendeu tainha pra cacete nesses feriados!”.

Dona Zica retrucou:

“Gastei tudo com os meus filhos. Eles fizeram um pagode e precisavam de dinheiro”.

Dona BPereira não perdoou:

“Ah, seus filhos! Um bando de vagabundos! Maconheiros que vivem à sua custa!”.

Dona BPereira foi muito dura. Dona Zica redobrou o choro.

Daniel tentou mudar o assunto:

“Doutor, o governo pode deixar de pagar pensão?”.

“Bem, não deveria. Pensão é direito do pensionista, mas eu li que o Estado vai pagar no dia 10”.

Dona Zica arregalou os olhos:

“É verdade, doutor?”.

E dona BPereira falou na frente:

“E se sair a grana não vai contar pros seus filhos, aqueles sanguessugas miserentos!”.

Dona Zica voltou a chorar, e eu aproveitei a deixa e saí de fininho.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

CPF e CNPJ

Ao lançar a Medida Provisória n. 703, a Presidente Dilma Rousseff esclareceu ao ignorante povo brasileiro que as malandragens e roubalheiras são praticadas pelo CPF e o coitado do CNPJ não pode ser considerado culpado por tais atos. Eis aí um ensinamento que requer a mais profunda reflexão de todos nós, principalmente quando estivermos sentados na privada, momento de laboriosos exercícios mentais e profiláticos.

Diante da extraordinária revelação, fomos entrevistar o CPF, presidente de gigantesco CNPJ, ambos metidos na enrascada da operação lava jato. Segue parte da entrevista:

- O senhor toma decisões em nome do CNPJ?
- Como presidente do CNPJ, eu preciso tomar providências em nome dele.
- O senhor, então, é uma espécie de tutor do CNPJ?
- Não. Tutor é outra coisa. Sou apenas gestor, um administrador do CNPJ.
- E quando o senhor toma uma decisão errada, o CNPJ reclama?
- Não, porque CNPJ não fala, não ouve e nada enxerga. Nós, CPFs, fazemos tudo por ele.
- E os CPFs acionistas não reclamam em nome do CNPJ?
- Não, porque os acionistas majoritários somos nós mesmos, os administradores.
- Quando é que o senhor pensa como CPF e como CNPJ?
- Quase sempre estou pensando como CNPJ. Quando cuido de assuntos familiares, muito raro de acontecer, penso como CPF.
- Quando o senhor aprova a liberação de uma propina, o senhor pensa como CPF ou CNPJ?
- Depende de quem paga a propina. Quando sou eu, fato muito raro de acontecer, penso como CPF. Quando é o CNPJ penso como CNPJ. 
- Se o senhor fizer acordo de saliência... Me desculpe, de leniência, o senhor faz como CPF ou CNPJ?
- Faço como CPF em nome do CNPJ.
- Mas quem paga o acordo?
- Ora, o CNPJ. Ele que tem dinheiro para isso. Eu sou pobre, você pode examinar minhas contas bancárias, todas zeradas (risos).
- Mas a Presidente Dilma disse que o CNPJ não tem culpa dos desmazelos de seus CPFs.
- E tem razão! O CNPJ continua vivendo e muitos dependem dele. Principalmente em tempo de eleições.
- Quer dizer que o CPF fica queimado na praça e o CNPJ continua podendo fazer negócio com o governo?
- Claro! É preciso “salvaguardar a continuidade da atividade econômica e a preservação de empregos”, como disse nossa ilustre Comissária.
- Empregos inclusive dos CPFs que decidiram a roubalheira em nome do CNPJ?
- Bem, apesar de queimados na praça continuamos acionistas majoritários do CNPJ.
- No entanto, o Código Civil diz que o CNPJ é o responsável pelos atos dos seus CPFs administradores.
- Ora! E quem se preocupa com as responsabilidades civis? Atualmente, só penso no Código Penal!
- Então, todas as estripulias praticadas pelos CPFs não recairão sobre os seus CNPJs?
- Claro que não! O meu conselho é você ouvir atentamente o que diz a Professora Presidenta Dilma. Ela conhece muito bem o assunto, entendeu?
- Bem, não sei se entendi, mas como sou um brasileiro ignorante... 

domingo, 3 de janeiro de 2016

Um velho diante da modernidade


Foi Leilane que me colocou nesse tal de feicebuque e com a maior desfaçatez andou compartilhando as baboseiras do meu blogue, sem me avisar. Acabei sendo envolvido e, confesso, estou até gostando, pois passei a ter notícias de amigos distantes. Aprendi até a digitar kkkkk, responder ok e colocar bonequinhos. Enfim, estou aprendendo a redação internética. A piorar, ganhei de natal um celular novo, um tal de aiphode (ou será aipode?), que contém a ferramenta zapzap. O meu amigo Marcelito, com toda a sua paciência (Marcelito é uma das poucas pessoas que não se irrita com a ignorância dos velhos), ensinou-me os rudimentos do tal zapzap. Já consigo responder kkkk, ok, grato, abs, sds. Alguns erros ainda são cometidos: minha filha Daniela me mandou zapzap e respondi para o meu filho, Robertinho. Ainda bem que a resposta foi somente bjs. E bjs serve para os dois.

No dia 31, observei extasiado o Guilherme de três anos, neto da Elimar, sentadinho na cadeira e jogando no celular (acho que era um aiphode). Que agilidade! Com os dedinhos das duas mãos ia trabalhando no aparelho em rapidez alucinante! Puxa! Há setenta anos os meus dedinhos só serviam para tirar meleca.

Eu sei que sou um velho ranzinza, um casmurro, mas procuro entender a modernidade (embora não possa aceitar a maluquice daquele Galileu em dizer que a Terra é redonda. Se fosse redonda todo mundo cairia de ponta cabeça, que sujeito burro!). Com exceção da Alice (verdadeiro fenômeno) os meus netos não são chegados à leitura de livros impressos. Preferem aiphode, tablete (aquele filmezinho das galinhas enche o saco, mas os miudinhos adoram!) e outros aparelhos modernistas. E o tal do selfe!! Arre! Vivem tirando fotos deles próprios. E quando não gostam do resultado, deletam e tiram outras. Mas não se trata de uma epidemia de narcisismo a grassar no país, como dengue, chikungunya, dona zika e outros males. É uma mania, apenas. O uso do espelho já era! Já penteiam os cabelos mirando-se no celular!

Fico observando. Aquele grupo de crianças (e adultos também), cada qual no seu aparelho. O que deveria ser uma reunião familiar, para colocar a conversa em dia, transformou-se em silêncio sepulcral. Cada qual no seu canto, a trocar suas mensagens secretas. As reuniões são agora momentos de mutismo grupal. E quando me lembro das reuniões antigas, aquele vozerio, gritaria, crianças correndo, pulando, caindo, aquela anarquia generalizada, que dizíamos festa ou reunião, eu confesso que estou até gostando, desse ‘silêncio vivo da percepção’, o ‘silêncio fecundo da consciência’, como disse o genial Paul Goodman. 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O IPTU de 2016

Início de ano e logo duas cobranças: IPTU e IPVA. Apesar do 13º salário, janeiro é mês de bolso vazio, a não ser quando a pessoa receba bônus de fim de exercício, como altos dirigentes de empresas, mas essas pessoas não se preocupam com esse assunto de bolso vazio e, também, não vão se interessar em ler este artigo.

Pequenos comentários ao IPTU:

O Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, cuja sigla é IPTU, tributa todos os imóveis localizados na área urbana e aquelas áreas consideradas urbanizáveis, inclusive loteamentos e condomínios fechados, mesmo construídos na área rural do Município. Incide, também, sobre “sítios de recreio”, aquelas propriedades geralmente utilizadas para lazer e descanso, e que não são exploradas economicamente em atividades agrícolas e de pecuária. Neste caso, não importa a sua localização e nem que possua serviços públicos ali instalados ou em suas imediações.

O contribuinte do IPTU pode ser o proprietário, o possuidor ou quem detém o direito útil de usar o imóvel. Por exemplo, os imóveis localizados em ‘zona de marinha’ (em frente ao mar ou grandes rios e lagunas), embora pertençam à União, os detentores de usá-los, como se fossem seus donos, são contribuintes do IPTU. O locatário não é sujeito passivo do IPTU, mas nada impede que o contrato de locação destine a responsabilidade de pagamento ao inquilino. Entretanto, o responsável pelo imposto perante o Município será sempre o proprietário (o locador).

O sujeito ativo do IPTU é o Município. Assim, quem lança o imposto é a Prefeitura. Por se tratar de imposto, os recursos arrecadados podem ser destinados a cobrir qualquer despesa do Município, tipo salário dos servidores, pagamento de obras públicas etc. Deste modo, o dinheiro do IPTU não é direcionado para melhorias de serviços públicos localizados nas imediações do imóvel correspondente. Pode até ser, mas não é obrigatório. De qualquer modo, a população tem sempre direito de reclamar sobre problemas locais e fazer menção do IPTU pago. Afinal, serviços públicos nitidamente municipais são da responsabilidade do Município.

A base de cálculo do IPTU é o chamado ‘valor venal do imóvel’. Valor venal significa o valor do imóvel em condições normais do mercado imobiliário. Por ser praticamente impossível fazer um levantamento do valor venal de cada imóvel, as Prefeituras utilizam valores médios relativos às regiões onde os imóveis se localizam. Ou seja, o valor venal, para efeito de IPTU, é uma estimativa que pode estar próxima à realidade do mercado. Essas estimativas estão, geralmente, estabelecidas na chamada planta genérica de valores, ou mapa de valores genéricos. Essa planta, ou mapa, determina o valor médio do metro quadrado do terreno e o valor médio do metro quadrado da edificação, apresentando, ainda, critérios de reduções ou acréscimos em tais valores, a depender da situação específica de cada imóvel.

As regras gerais da planta genérica de valores são aprovadas por lei. Não pode, assim, a Prefeitura efetuar alterações nessas regras sem aprovação da Câmara Municipal. Ou seja, precisam de lei. Exceção: a simples atualização monetária, em decorrência da inflação, pode ser feita por meio de decreto do Prefeito. Outra exceção ocorre quando o setor responsável da Prefeitura apurar erro ou omissão dos dados do imóvel, conforme sua inscrição no cadastro imobiliário. Apurada a falha, essa poderá ser corrigida e se afetar o valor do IPTU, este passará a ter novo valor a partir do ano seguinte ao da nova apuração. A não ser quando comprovado que o erro foi cometido pelo titular do imóvel, do tipo, ampliou a área edificada e não comunicou o fato à Prefeitura. Em tal situação, a Prefeitura poderá retroagir a correção do valor a partir do ano em que ocorreu a alteração. E cobrar a diferença, além da multa decorrente.

Caso ocorra retificação do valor venal do imóvel, em consequência dos fatos acima comentados, a Prefeitura deve notificar o contribuinte a respeito da ocorrência, dando-lhe prazo para impugnar o lançamento. Essa notificação pode ser entregue pessoalmente ou por meio de carta AR. A simples atualização monetária não precisa ser notificada previamente, pois já existe um decreto que a determinou.

A cobrança é feita, em geral, através do envio de carnês. O carnê serve, também, como notificação do lançamento. Pouco a pouco, os Municípios vêm aderindo à Internet, deixando a responsabilidade por conta do contribuinte, de entrar no portal da Prefeitura, fornecer a inscrição do imóvel, ou algum outro dado, e obter o boleto de pagamento. De qualquer modo, o contribuinte não pode alegar como motivo do não pagamento o fato de não ter recebido o carnê. A Prefeitura deve divulgar pela imprensa o período de envio dos carnês, e quem não o receber naquele período determinado, deve procurá-lo na repartição fiscal.

As alíquotas do IPTU variam de Município a Município. As alíquotas podem ser progressivas, isto é, variar de acordo com a destinação, localização e valor venal do imóvel. Exemplo: um terreno baldio sofre, normalmente, alíquota superior em relação a um terreno edificado. Um imóvel comercial pode ter alíquota superior a um imóvel residencial. Uma residência de valor venal maior pode ter alíquota superior a um imóvel de valor venal pequeno. As progressividades estão previstas, obrigatoriamente, na lei do Município.