quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Umas e outras

Uma: A receita da União cresceu 14,5% em termos reais de 2008 a 2015. A despesa da União cresceu 51% no mesmo período. A diferença foi bancada com emissão de títulos da dívida pública com juros cada vez mais apetitosos. A dívida bruta subiu de R$ 1,7 trilhão em 2008 para R$ 3,9 trilhão em 2015. E a rolagem da dívida ficou mais difícil, porque o selo de bom pagador foi eliminado. Mal comparando: uma família que gasta mais do que ganha e vive dos créditos dos cartões e dos consignados. Até que um dia o seu nome é negativado no Serasa.

E ainda perguntam qual o motivo da crise financeira atual.

Outra: Uma amiga próxima da Presidenta (?) da Coreia do Sul aproveitou-se de sua amizade para fazer tráfico de influência com empresas coreanas e estrangeiras. Envolvida no escândalo, pois a amiga usava o seu nome nos trambiques, a Presidente, Senhora Park Geun-hye, pediu ao Parlamento para decidir como e em que condições ela deva deixar o poder. Parte do Parlamento percebeu que a proposta era uma maneira de evitar o pedido de impeachment, aparentemente inevitável. Os parlamentares pediram a ela que o melhor seria renunciar com dignidade.

Milhares de coreanos foram às ruas gritando “FORA PARK!”. E até agora ninguém gritou “GOLPE!”.

Mais uma: Certa vez, eu viajava de Curitiba para o Rio de Janeiro, quando um temporal desabou sobre a cidade dos cariocas. Impedido de pousar, a aeronave ficou dando voltas nas proximidades. Até o momento em que o comandante do avião avisou aos passageiros, mais ou menos nessas palavras: “Desculpe, senhores passageiros, mas estamos seguindo em direção ao aeroporto de Confins, em Belo Horizonte. Temos combustível suficiente para chegar até a capital mineira, além de mais trinta minutos em combustível de folga. Como não sabemos quando o Galeão vai reabrir, não vamos correr risco de perder a reserva que temos”.

Os passageiros entenderam perfeitamente. Seria um absurdo o comandante arriscar, dando voltas ao redor do aeroporto, e não ter combustível para chegar até ao mais próximo.

Mais outra:        #forçachape!

sábado, 26 de novembro de 2016

O marketing enfadonho

Na Cafeteria

Dirijo-me ao caixa:

- Bom dia! Um café expresso, por favor.

- O senhor é cliente fidelidade?

- Hem? Não sei... Eu só quero um café expresso.

- Diz o seu CPF para ver se o senhor é cliente fidelidade.

- Moça, eu não vou lhe dar o número do meu CPF. Eu só quero um café expresso!

- Se o senhor não der o número do CPF, não poderei dizer se o senhor é cliente fidelidade!

- A senhora poderia me dizer, por favor, qual é o preço de um café expresso?

- (a contragosto) R$ 6,00.

- Aqui está o dinheiro.

- O senhor tem R$ 1,00 para facilitar o troco?

- Não!

- Está aqui a nota. O senhor pode se dirigir ao atendimento.

Dirijo-me ao atendimento:

- Boa tarde! Um café expresso, por favor (coloquei a nota no balcão).

- O senhor é cliente fidelidade?

- Não senhora! Um café, por favor!

- O senhor não quer se cadastrar como cliente fidelidade? Basta preencher...

- Moça! Eu não quero ser cliente fidelidade! Eu só quero tomar um bendito cafezinho!

- Qual o acompanhamento?

- Não quero acompanhamento! Só o café!

- O senhor pode se sentar numa mesinha que nós levaremos o café.

Na mesinha:

- Boa noite! Pode me trazer o meu café expresso, por favor.

- O senhor é cliente fidelidade?

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Allegro ma non troppo

- Para assinar esse contrato quero 10% de comissão!

- Então, preciso aumentar o valor do contrato!

- Aumente! Recalcule o valor e altere o contrato!

- Como você quer receber a sua comissão?

- Em espécie! Pode ser em dólar ou euro, mas no câmbio do dia!

- Onde entrego?

- Ao meu cambista! Ele entrará em contato por telefone. Ele vai dizer: “alegro ma non troppo”.

- Que porra é essa?

- É a senha. Significa ligeiro, mas não muito.

- Você confia nele?

- Claro! Se me trair ele morre!

- E se o Tribunal de Contas desconfiar do valor do contrato?

- Todos os conselheiros estão na minha mão!

- E a Controladoria?

- É minha!

- E a Assembleia de Deputados?

- Todos comem também!

- E o Ministério Público?

- Pode gritar, mas não passa na Justiça!

- Por quê?

- Os desembargadores são meus amigos e me devem favores!

- E a Receita Federal?

- Se surgir algum problema, falo com o Ministro e ele resolve.

- E a Polícia Federal?

- Ela só age se for mandada. E ninguém vai mandar.

- Tudo tranquilo, então?

- Tranquilíssimo!

- Bem, então vou embora preparar o novo contrato.

- Não demore!

- Ah, antes de sair, você já ouviu falar num juiz lá do Paraná, chamado Sérgio Moro?

- Não... Deveria?

domingo, 20 de novembro de 2016

O exercício da fiscalização – lenda urbana

Apranagildo Vicentão, lídimo Fiscal de Tributos do Município de Bolinha, cumpridor fiel da letra da lei, exigiu ser ordenado a vistoriar as contas de um Hospital Psiquiátrico, cuja inadimplência tributária era avassaladora e vergonhosa, tendo aquele manicômio, como acionistas majoritários, pessoas poderosas, da mais alta lavra, todas agraciadas de comendas honoríficas e gozando das regalias dos arrolados em diversas operações policiais e judiciais, tudo a abrilhantar os seus currículos, inclusive seus notórios conhecimentos de lavagem de dinheiro.
  
Os chefes receberam com surpresa e reticência o pedido do servidor, haja vista a poderosa organização a ser enfrentada, mas, diante das ameaças do Fiscal em denunciar ao Ministério Público a indecente omissão do poder fiscalizatório, resolveram aceitar o pedido, apesar das inúmeras ressalvas e advertências.

Foi convencido, porém, por seus chefes, a seguir em missão acompanhado por um séquito policial. E, assim, Apranagildo foi conduzido durante o percurso em viatura policial de sirenes abertas e luzes intermitentes. No interior do veículo, já organizava o papelório da formalização do levantamento fiscal e alardeava aos policiais acompanhantes a importância do seu árduo trabalho.

Ao ingressar no pátio do estabelecimento hospitalar, foi recepcionado por enfermeiros protocolares que o conduziram para o interior do prédio numa maca dobrável de rodas, antes de vesti-lo com uma camisa de força. Aquela calorosa recepção fez o Fiscal sentir-se lisonjeado, a pedir aos funcionários da casa que deixassem, pelo menos, suas mãos soltas e pudesse deste modo lavrar as ocorrências e respectivas autuações.

No interior do Hospital, Apranagildo foi recebido por um médico de plantão que imediatamente prescreveu a aplicação de lítio, medicamento antipsicótico para estabilização do seu humor. E a levar em conta a insistência do Fiscal de receber e examinar os documentos do Hospital, o médico reforçou o tratamento com o uso ácido valpróico, carbamazepina, lamotrigina e outras drogas antialucinógenas e antidepressivas.

Ofereceram ao Fiscal, como local de trabalho, um pequeno quarto, decorado com acolchoados nas paredes e no teto, onde, enfim, Apranagildo pôs-se a trabalhar no preenchimento de suas notificações e intimações, que eram despachadas por baixo da porta forrada e sempre trancada a ferro e aço.

Por não ter recebido os documentos requeridos, o Fiscal arbitrou o imposto e efetuou o lançamento devido, sem antes tomar o cuidado de notificar o contribuinte. Tudo encaminhado protocolarmente por debaixo da porta, nos termos da lei em vigor.

E Apranagildo ainda lá está, a discutir com os internos as questões complexas do direito tributário, do princípio da legalidade, do direito de ir e vir e suas avenças. O parecer médico vetou a sua saída do Hospital, mesmo com o uso de tornozeleiras. Considerou o Fiscal um perigo para a sociedade. 

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

O périplo gaúcho

Convidado pela empresa irmã, Essencial Assessoria, visitei uns oito Municípios gaúchos e três cachaçarias sulistas. Nos Municípios, fui dar o meu abraço aos valorosos servidores municipais e algumas palavras de solidariedade diante das dificuldades atuais. Nas cachaçarias... Bem, porque não sou de ferro e resistir quem há de?

Aliás, poucos sabem que o Rio Grande do Sul produz fantásticas cachaças, muitos pensando que lá é terra só de vinho. Casa Bucco, Weber Haus, Velho Alambique, Unser Schnaps, Bento Albino (não necessariamente nessa ordem), estão entre as melhores cachaças do Brasil. Aproveitei para repor o meu estoque.

Todos os Municípios estão passando por dificuldades financeiras e trabalham duramente para fechar as contas nesse fim de ano. Conversei com os servidores e lembrei a todos que é sempre nos momentos de crise que a humanidade se supera nas inovações. É hora de inovar, de repensar o processo tributário e de arrecadação. À lá Fernando Pessoa: “Inovar é preciso, viver não é preciso”.

Alertei sobre o excesso de eficiência, que pode prejudicar a eficácia. Eficiência se mede pelo zelo aos procedimentos. Eficácia se mede pelos resultados. Excesso de procedimentos pode gerar burocracia eficiente, mas ineficaz. Muitas exigências aos contribuintes não significa otimização de receita. Ficam todos envolvidos em papelada e esquecem o objetivo final, que é o de arrecadar. Simplificar procedimentos é inteligência fiscal. “Simplificar é preciso, viver não é preciso”.

Essa é a hora de planejar as ações fiscais para o próximo exercício. Os inadimplentes de 2016 precisam ser notificados já em janeiro de 2017. Logo no início do próximo ano, precisamos receber os relatórios de inadimplência e notificar os devedores de imediato. IPTU é um exemplo. Cobrança eficaz se mede pela rapidez e objetividade. Está na hora de alterar o nome do “Setor de Dívida Ativa” (burocracia pura) pelo nome “Setor de Cobrança”. E formar o setor com servidores devidamente treinados em cobrança, dando-lhes amparo legal de decisão. Saber cobrar é atividade profissional. “Cobrar é preciso, viver não é preciso”.

Essa é a hora de rever a legislação local. Examinar tudo aquilo que não funciona, os chamados buracos negros, ou seja, normas legais que só prejudicam a eficácia. Muitas vezes, o segredo está no regulamento, e não na lei. “Regulamentar é preciso, viver não é preciso”.

Essa é a hora de entender que Fiscal não vai a campo a garimpar contribuintes. Fiscal detecta maus feitos dos contribuintes através de controles informatizados. Notifica-os e eles que procurem a Prefeitura. “Informatizar é preciso, viver não é preciso”.

Melhorar a arrecadação não significa, propriamente, aumentar o quadro de servidores. O importante, isso sim, é oferecer condições de capacitação ao quadro atual. E oferecer salário justo e gratificações de desempenho. “Capacitar é preciso, viver não é preciso”.

E assim foi o périplo nas terras gaúchas. Passeio de ida e volta. “Navegar é preciso, viver não é preciso”. Genial Fernando Pessoa. 

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A Anistia Tributária

Virou moda nos Municípios conceder anistias anuais. Anistia tributária dispensa o pagamento das infrações cometidas pelos contribuintes. Infração significa o desatendimento pelo contribuinte dos deveres previstos em normas relacionadas à tributação. Assim, deixar de pagar um tributo no prazo determinado é infração; descumprir uma obrigação acessória é infração. A infração é, portanto, gênero; a penalidade é uma decorrência da infração.

A anistia dispensa a penalidade decorrente da infração. Não dispensa ou reduz o valor do principal. A dispensa do principal, total ou parcial, é tratada pela remissão, e não pela anistia. Erros clamorosos são cometidos em diversas leis municipais, considerando anistia o que seria remissão.

Juros moratórios não são penalidades. Os juros de mora simplesmente remuneram o capital que se manteve nas mãos do contribuinte por um tempo não permitido. A dizer, portanto, que a dispensa de juros de mora afeta o valor do principal e, deste modo, não poderia ser incluído nas leis de anistia. Erro grosseiro.

A anistia dispensa a multa de mora (essa, sim, punitiva) e outras penalidades previstas em lei. Nunca os juros de mora!

A anistia não pode, também, dispensar penalidades decorrentes de dolo, conluio, fraude ou simulação. Acontece que, ao conceder anistia, o Município dispensa a todos, não importa a origem da infração.

É a farra do boi!

Outra confusão: anistia não é moratória! A moratória concede novo prazo para pagamento do tributo. Estica o prazo ou concede um parcelamento. Nada tem a ver com anistia, mas muitas leis municipais de ‘anistia’ promovem a moratória. Erro técnico brutal!

A mania da anistia anual, ou quase anual, desmotiva o pagamento em dia. Quem paga tributo em dia se sente otário, porque os que não pagam gozarão das regalias e benesses da anistia, somada da remissão e da moratória.

Criou-se uma cultura de aguardar a lei da anistia. A piorar, ninguém calcula a perda embutida em tal liberalidade, apesar das exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal. Quanto custou aos cofres públicos a concessão da anistia? Ninguém sabe, ou finge não saber.

Na verdade, o uso da anistia desenfreada é prova evidente de que o Município não exerce o seu direito de cobrança. Não tem uma estrutura administrativa de cobrança ‘amigável’. Não protesta os inadimplentes. Não executa judicialmente os que devem. A Dívida Ativa fica lá, guardadinha, a espera de novas liberalidades.  

terça-feira, 1 de novembro de 2016

O Eleito

O eleito era uma pessoa de, vamos dizer assim, ideias curiosas e aparentemente extravagantes. O povo se divertia com suas elucubrações. Dava risadas. Mas o sujeito parecia falar sério, cara enfezada, dando socos na mesa, quando tinha mesa, ou na outra mão, quando não tinha a quem esmurrar. Aquele comportamento era motivo de maior diversão ainda.

E assim ele foi eleito mais em função de sua bizarrice. O povo gosta de novidades e de qualquer coisa que o divirta, que o faça esquecer por instantes as agruras da vida.

Logo ao ser nomeado governante, o sujeito colocou em prática suas ideias. Instituiu a super Secretaria denominada “Coordenação Central”, a quem todas as outras eram subordinadas. A primeira medida da Coordenação Central foi a de instituir privilégios a todos que aderissem ao novo governo. Bastava comparecer na repartição e preencher um formulário com os seus dados pessoais e confessasse, sob responsabilidade civil e criminal, que não era homossexual, não era fiel de religiões demoníacas, nunca fizera ou incentivara abortos e não fumava. Se aprovado, tinha o direito de usar uma braçadeira com uma cruz branca sob um fundo preto.

Os privilegiados não podiam ser presos e nem multados por infrações no trânsito. E quando dois deles cruzassem na rua ou em qualquer lugar deveriam dar uma saudação, esticando o braço direito e gritando “Aleluia!”. De início, foi uma farra aquela gritaria de Aleluia, mas, ao passar do tempo, a saudação passou a ser séria. O povo gostava. Parecia fazer parte do governo, dos mandantes. Além de ser muito divertido.

O eleito continuou com suas ações inovadoras. Instituiu a “Gestão Popular”, que passou a ser conhecida pela abreviatura GESTAPO. Esse órgão estimulava a chamada “Delação Premiada”. Todos podiam comparecer na repartição e delatar amigos, desconhecidos, vizinhos ou parentes de qualquer ato que contrariasse as regras governamentais. O delator recebia um bônus para reduzir os seus tributos, ou, então, ganharia o valor em dinheiro.

Longas filas de delatores na frente da GESTAPO. Os acusados eram trancafiados por medida cautelar até o julgamento. Cabia a ele o ônus da prova em contrário da acusação delatada. Os policiais da GESTAPO circulavam nas ruas, a invadir as casas dos suspeitos e agredir os antipáticos. Respeitavam somente aqueles que usavam a braçadeira da Coordenação.

Mais um motivo para que todos corressem à procura da adesão à super Secretaria.

E tudo foi assim até o dia em que o povo, aos poucos, percebeu que a piada transformou-se em pesadelo.