sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Ética, moral e prudência

Os jornais noticiam que um servidor público preferiu exonerar-se do cargo de Diretor de Inspeção de Produtos de Origem Animal, do Ministério da Agricultura, do que ‘fazer coisas ilícitas’ sugeridas por políticos agora denunciados na Operação Lava a Jato.

Foi a primeira vez que uma delação premiada inocenta uma pessoa. O Diretor pediu para ser exonerado um mês depois de assumir o cargo. Não se pode dizer com rigor a causa do pedido, pois ele nada explicou sobre o motivo. Simplesmente, pediu as contas e foi embora.

E agora, algumas pessoas comentam que ele deveria ter denunciado aqueles que tentaram persuadi-lo a cometer atos ilícitos. Não deveria somente pedir exoneração, mas, também, botar a boca no trombone e denunciar a pressão sofrida.

Em outras palavras, alegam que o servidor foi ético, mas há dúvidas se ele cumpriu devidamente os requisitos da moralidade. A lembrar: ética (do grego ethos) tem relação com o caráter ou com o modo de ser da pessoa. Moral (do latim morales) é a adoção e cumprimento das regras relativas aos costumes e ao cotidiano. Nem sempre o ético segue a moral.

Esse conflito entre a ética e a moral ocorre amiúde no serviço público. Quantas vezes um servidor público recusa acatar uma ordem ilícita, mas não denuncia a autoridade que pediu que assim fizesse. Quantas vezes um servidor recebe proposta de propina e simplesmente a recusa, mas não denuncia o autor.

Em entrevista no jornal O Globo, o professor Roberto Romano faz interessante comentário: “Do ponto de vista ético, há que se levar em conta não só a obediência à moral, mas também o valor da prudência. Seria falta de prudência exigir que ele denunciasse”. O professor fazia referência à perseguição política que o Diretor sofreria se denunciasse os poderosos. Sem dúvida, seria massacrado.

Às vezes, recebo consulta de servidores municipais de como agir diante de um pedido ilícito do seu chefe, ou até do prefeito. Situação muito delicada. Se eu recomendá-lo a fazer denúncia ao Ministério Público, ele poderá passar a sofrer perseguições internas e toda a sua vida profissional será prejudicada. Em geral, recomendo que recuse, mas guarde cópia de todos os documentos que comprovem a tentativa do ato escuso.

Sempre que um servidor souber de uma irregularidade tem obrigação de levar o fato ao conhecimento da chefia. Essa é uma norma clara e direta. O problema surge quando a irregularidade foi conduzida pela própria chefia. Neste caso, como fazer? A única resposta: Aja com prudência, meu amigo.

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Utopia e Distopia

Lagônia é um país que não tem dinheiro circulante e a população nada compra, só adquire. Não existe patrimônio ocioso. De fato, um Estado peculiar e nesta última madrugada, mais uma vez estive em Lagônia, a matar saudades, se lá a única permissão de matar é exatamente a saudade, como consta no seu portal de entrada: “Aqui nada se mata, exceto saudade”.

Resolvi brincar com a recepcionista dos visitantes: “Aqui não posso matar a fome?”. Ela olhou-me curiosa, franzindo os olhos: “Matar a fome? Não tem lógica, se ninguém está a morrer de fome”. De tanto visitar o país, dei uma risadinha porque a resposta já se sabia conhecida. Mas, ao meu lado, um visitante de primeira viagem estava perplexo com o modelo de vida de Lagônia. Ele entrou na conversa:

“Mas, senhorita, se eu for a um restaurante como pagarei se aqui não há dinheiro?”.

A moça tinha o costume de franzir os olhos:

“Pagar? Se o senhor estiver com fome, o senhor come. Simples assim. Não tem lógica pagar para comer”.

O turista deu uma risada:

“Então, vou encher o meu prato!”

A recepcionista:

“O senhor põe no prato o que for suficiente para matar a sua fome. Não tem lógica desperdiçar comida”.

O turista insistiu:

“A senhorita não recebe salário por trabalhar aqui?”

Franziu os olhos:

“Salário? Eu tenho tudo que preciso: casa, roupa, transporte, comida, assistência médica, ensino... Não tem lógica receber salário; aliás, o que é salário?

“Ah, a senhorita é uma pessoa rica, então?”

“Rica? Não sei como se aplica essa palavra...”

“Mas a senhorita não tem ambições?”

Ela deu um sorriso:

“Ah, tenho sim! Estou estudando biologia, quero ser bióloga!”

“E qual será a diferença?”

“Ora, terei mais orgulho da minha profissão e pretendo ser uma excelente bióloga. Minha ambição é ser mais útil à sociedade!”.

Larguei de lado aquela conversa dos dois e resolvi aproveitar mais o meu tempo, a passear em Lagônia. Melhor do que ficar a ouvir aquela estranha discussão. Afinal, nunca sei quando lá poderei retornar se não sou dono das minhas madrugadas. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A licitação

- Bom dia, é do Setor de Compras?

- Isso mesmo! Em que posso ajudar?

- Aqui quem fala é o novo Secretário de Esporte e Lazer. Eu pretendo contratar a Ivete Sangalo para dar um show na nossa festa da cidade. Que tal, hem? Vai arrebentar!

- Puxa! Ivete Sangalo na nossa cidade. De fato, vai matar a pau!

- Pois é, meu amigo, eu sou assim: boto pra quebrar! Sou Secretário novo, mas cheio de gás!

- Assim que se fala, Secretário!

- Exatamente! Vamos fazer um show inesquecível! Mas, me explica, como devo proceder?

- O senhor deve primeiramente solicitar aprovação do Prefeito. Tendo essa aprovação, encaminhar ofício para nós do Setor de Compras.

- Sem problema! O Prefeito já topou. No ofício eu já devo dizer o valor do contrato?

- Não. O valor vai depender do processo de licitação que vamos realizar.

- Licitação? Mas nós queremos contratar a Ivete Sangalo!

- Eu sei, mas é bem possível que apareça uma cantora mais baratinha...

- Mas não será Ivete Sangalo!

- Claro que não, mas imagine a economia para o Município! E tem umas meninas por aí que imitam direitinho a Ivete Sangalo. Cuspida e escarrada!

- Meu Deus! Cuspida e escarrada! Você quer dizer ‘Esculpida a carrara’, mármore de Carrara!

- Estou falando como todo mundo fala. Uma imitação quase perfeita!

- Mas eu não quero imitação! Quero trazer a Ivete, carne e osso!

- Ora, Secretário, põe uma máscara na moça e a mande gritar “Água Mineral! Água Mineral!”. Ninguém vai notar a diferença.

- Como não, meu amigo? Nós estamos falando de Ivete Sangalo!!

- Não tem jeito, Secretário. O Tribunal de Contas exige licitação. E tenho certeza de que vai aparecer um mundaréu de cantoras na concorrência.

- Então não vai ter show nenhum! Quem perde é a cidade! E eu que sonhava em algo pomposo no aniversário do Município.

- Posso dar uma sugestão, Secretário?

- Que sugestão?

- Promove o show Z Voize! Um Z Voize de adultos e um Z Voize da gurizada. Tem muita gente na cidade metida a cantora. O senhor já viu como fica cheio o karaokê? Vai encher de candidatos!

- E o prêmio? O que poderemos dar?
- Ah, qualquer coisa de valor menor a oito mil. Se ultrapassar, vai para a licitação.