sábado, 18 de fevereiro de 2017

Utopia e Distopia

Lagônia é um país que não tem dinheiro circulante e a população nada compra, só adquire. Não existe patrimônio ocioso. De fato, um Estado peculiar e nesta última madrugada, mais uma vez estive em Lagônia, a matar saudades, se lá a única permissão de matar é exatamente a saudade, como consta no seu portal de entrada: “Aqui nada se mata, exceto saudade”.

Resolvi brincar com a recepcionista dos visitantes: “Aqui não posso matar a fome?”. Ela olhou-me curiosa, franzindo os olhos: “Matar a fome? Não tem lógica, se ninguém está a morrer de fome”. De tanto visitar o país, dei uma risadinha porque a resposta já se sabia conhecida. Mas, ao meu lado, um visitante de primeira viagem estava perplexo com o modelo de vida de Lagônia. Ele entrou na conversa:

“Mas, senhorita, se eu for a um restaurante como pagarei se aqui não há dinheiro?”.

A moça tinha o costume de franzir os olhos:

“Pagar? Se o senhor estiver com fome, o senhor come. Simples assim. Não tem lógica pagar para comer”.

O turista deu uma risada:

“Então, vou encher o meu prato!”

A recepcionista:

“O senhor põe no prato o que for suficiente para matar a sua fome. Não tem lógica desperdiçar comida”.

O turista insistiu:

“A senhorita não recebe salário por trabalhar aqui?”

Franziu os olhos:

“Salário? Eu tenho tudo que preciso: casa, roupa, transporte, comida, assistência médica, ensino... Não tem lógica receber salário; aliás, o que é salário?

“Ah, a senhorita é uma pessoa rica, então?”

“Rica? Não sei como se aplica essa palavra...”

“Mas a senhorita não tem ambições?”

Ela deu um sorriso:

“Ah, tenho sim! Estou estudando biologia, quero ser bióloga!”

“E qual será a diferença?”

“Ora, terei mais orgulho da minha profissão e pretendo ser uma excelente bióloga. Minha ambição é ser mais útil à sociedade!”.

Larguei de lado aquela conversa dos dois e resolvi aproveitar mais o meu tempo, a passear em Lagônia. Melhor do que ficar a ouvir aquela estranha discussão. Afinal, nunca sei quando lá poderei retornar se não sou dono das minhas madrugadas. 

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