sexta-feira, 28 de abril de 2017

Um passeio no bazar da capital

Estava a circular no bazar da capital, quando me deparei com Ascarroto, o Falsário, que, a dedilhar nas algibeiras, saudava os diletos comparsas congressionais. Ao seu lado, Cuspido, o Ladrão, praticava seus costumeiros hábitos de furtar bugigangas das barracas do povo. Fiz a saudação tradicional:

- Oh! Que saltem meus olhos ao vislumbrar tão madraça pessoa!

Ele abriu um largo sorriso e os dentes de ouro faiscaram.

- Pelas barbas de Netuno! Eis que encontro Tawille, Al Katib! Continuas a escrever leis espúrias e desavergonhadas?

Abraçamo-nos fraternalmente, enquanto Cuspido, o Ladrão, tentava surrupiar minha carteira.

- Felizmente, meu caro Ascarroto, o Falsário, trabalho não me falta! Ainda mais em tempos tão turbulentos! Fui agora contratado pelo congressional Babão, o Contrabandista, para escrever uma lei que acaba com a autonomia dos Justiceiros da Justiça!

- Excelente iniciativa do nosso Babão, o Contrabandista. Espero que não o roube em demasia...

- Não! Desta vez cobrei por página e não por letra...

- Fez bem, meu caro Tawille, Al Katib. Sejamos caridosos com os pares da nossa confraria! E ele deve muito dinheiro ao nosso querido Melekal, o Estelionatário, líder da bancada.

- Mas ele me disse que se a lei for aprovada ganhará uma fortuna do nosso valoroso confrade, o congressional Ensaboado, o Caixa 2!

- Ótimo! Assim, não terei necessidade de falsificar alguns dólares para ajudá-lo a pagar a dívida.

Surge, então, a figura viscosa do congressional Salivares, o Gatuno. Ascarroto, o Falsário, recebe-o com efusivo abraço.

- Energúmena pessoa! Que prazer miserável em ver tão desqualificado congressional!

Salivares, o Gatuno, todo sorridente, retribui o abraço.

- Meu facínora preferido! Salteador incansável! Dê-me a honra do seu abraço!

Eu ia escapando, mas Salivares, o Gatuno, me interceptou.

- Meu nobre cafajeste Tawille, Al Katib! Preciso dos seus serviços: um relatório da minha inocência no caso da operação Lavare. Escreva que eu estava na época fazendo meditação num templo budista do Nepal.

- Vou precisar de documentos de viagem.

- Eu os falsificarei, disse Acarroto, o Falsário.

- Os comprovantes de sua presença aqui na época da operação terão de desaparecer.

- Eu os roubarei e destruirei, disse Salivares, o Gatuno.

- Com a minha ajuda, explicou Cuspido, o Ladrão.

- E se descobrirem que o meu relatório é falso?

- Difícil acontecer, mas, qualquer problema, Melekal, o Estelionatário, resolve.

- E quem vai me pagar?

- Ensaboado, o Caixa 2, pagará em espécie.

E assim, o grupo de malfeitores, todos felizes, mas desconfiados, foi a passeio no bazar sempre agitado de bons negócios. “Terei de adiar minha próxima viagem à Europa”, pensei.

quarta-feira, 26 de abril de 2017

A reforma trabalhista em discussão

Principais alterações propostas na legislação trabalhista:

1 – Permite que acordos entre as partes tenham prevalência sobre a legislação;

2 – Amplia a terceirização, alcançando a atividade-fim do empregador;

3 – Cria novos tipos de contratos de trabalho;

4 – Amplia a possibilidade de acordos individuais;

5 – Prevê banco de horas para compensação de horas extras;

6 – Dificulta e encarece o acesso à Justiça do Trabalho;

7 – Acaba com o pagamento das horas de deslocamento (de casa ao trabalho e vice-versa);

8 – Exclui a obrigatoriedade de homologação de demissões por sindicatos;

9 – Retira a obrigação de negociar com sindicatos demissões coletivas;

10 – Restringe as hipóteses e fixa limites para indenizações por danos morais;

11 – Autoriza arbitragens trabalhistas para salários acima de R$ 11,1 mil;

12 – Acaba com o imposto sindical.

Fonte: Jornal Valor, de 26/04/2017, Jornalistas Adriana Aguiar e Zínia Baeta.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Ensaio sobre a honestidade

A palavra ‘honestidade’ é derivada do latim honor, honra. Ser honesto, então, é uma honraria. Quando eu digo, “Eu sou honesto”, estou a fazer uma autopromoção, querendo me convencer, e esperando, com isso, que as demais pessoas acreditem.

Não existe um certificado de honestidade. “Certifico, para todos os fins de direito, que Roberto Tauil é uma pessoa honesta”. Isso não existe como não existe um certificado que certifique que uma pessoa é honrada.

Sendo assim, ao dizer que sou honesto estou primeiramente tentando me convencer dessa virtude, para, então, fazer as outras pessoas acreditarem. Ocorre, porém, que todos nós, sejamos francos, temos certas dúvidas de que realmente somos honestos se ainda não fomos colocados à prova.

Pois a honestidade deve ser graduada por índices de credibilidade. A velha história da mulher dita honesta que recebeu a proposta indecente de passar a noite com um sujeito que lhe pagaria 1 milhão de dólares. Ou seja, a honestidade tem um preço, sendo este uma graduação do nível de honestidade.

Outro índice a ser aferido é o risco de ser flagrado no ato desonesto. Quanto menor o risco, maior o grau da honestidade, em função da menor possibilidade de ser descoberta a sua desonestidade.

O meu filho, William, economista de mão cheia, preparou para mim a seguinte equação:

GH = R²/P
onde temos:
GH = Grau de Honestidade;
R = Risco de ser apanhado;
P = Preço da oferta do ato desonesto.

Neste sentido, o grau de honestidade varia de acordo com a relação Risco x Preço. Quanto maior o risco, maior o grau de honestidade, diante do temor de ser descoberto o ato desonesto. Quanto maior o preço, maior o grau de desonestidade, diante da tentação de ganhar aquele valor.

A concluir que ninguém pode dizer que é efetivamente uma pessoa honesta. Tudo dependeria do valor a ganhar e do risco de ser preso. Bem, teríamos outros ingredientes a considerar, como a prática dos usos e costumes, mas tais considerações repassam-se aos sociólogos.  

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Conversas (im)possíveis

Primeira conversa:
Político – Eu gostaria de pedir ao senhor uma colaboração financeira para o meu partido.
Empresário – Podemos colaborar, mas o valor vai depender da contrapartida.
Político – Que contrapartida? Eu estou pedindo uma doação espontânea e de acordo com a lei.
Empresário – Assim é difícil, porque se dermos ao senhor seremos obrigados a doar dinheiro para todos os partidos... O senhor sabe, a empresa é apartidária...
Resultado: negócio furado.

Segunda conversa:
Político – Cara, estou precisando de dinheiro pra próxima campanha. Você pode ajudar?
Empresário – Posso, é claro, mas o valor vai depender da contrapartida.
Político – Não sei qual seria a contrapartida, mas, se você ajudar pode contar comigo em ajudá-lo nos seus negócios.
Empresário – Faz o seguinte, me ajude a fechar aquela obra na Escola Estadual Papai João e eu lhe dou 5% do valor do contrato.
Político – E de quanto é essa obra?
Empresário – Era 1 milhão, mas terei de aumentar para 1 milhão e duzentos mil para poder lhe dar os 5%.
Político – E pode ser uma doação legal?
Empresário – Pode. Ninguém vai saber de onde tirei o dinheiro.
Resultado: negócio fechado.

Terceira conversa:
Político – Tenho mais de cem milhões em obras. Quer pegar?
Empresário – Pego, mas quanto vai me custar?
Político – A comissão é de 20%.
Empresário – É muito. Aumenta para duzentos milhões de obras que eu topo.
Político – Neste caso, serão 20% sobre duzentos milhões...
Empresário – Está certo! Todo mundo ganha.
Político – E como você vai me pagar?
Empresário – Em dez prestações, à medida que as obras sejam aprovadas e pagas.
Político – Quero em dinheiro vivo.
Empresário – Entrego no lugar que você quiser.
Resultado: negócio fechado.

Quarta conversa:
Político – Estou aqui recomendado pelo Senador. Estou precisando de doação.
Empresário – Não faço doação, faço negócios.
Político – Que tipo de negócio?
Empresário – Ora, você me coloca para tocar as obras do seu Município e lhe repasso uma comissão.
Político – Mas eu sou prefeito da cidade de Perereca, não tenho obra nenhuma!
Empresário – Sinto muito, Prefeito, mas a empresa não é casa de caridade.
Político – Então, o senhor não vai me conseguir nada?
Empresário – Não! E por favor, diga ao Senador pra não ficar me mandando político pobre.
Resultado: negócio furado.

sábado, 8 de abril de 2017

As excluídas do jardim


Aqui onde moro, não importa em que bairro, cidade, país, existe uma plantinha singela que, de tão simples, se rejeita sua presença nos jardins harmoniosos das casas e mansões.
Sem direito ao abrigo protetor das terras enriquecidas, da rega diária, do ganho de nutrientes e fertilizantes, a plantinha vive nas ruas e consegue sobreviver aos mais árduos ambientes. Floresce nos cantos do meio-fio, nas junções das pedras da calçada, nas rachaduras do asfalto, nas fétidas sarjetas.
Pois mesmo assim, a lutar contra as agruras impostas pela vida e a enfrentar tamanhas dificuldades, a plantinha, todas as manhãs, abre suas flores dadivosas, e o seu sorriso tímido, mas carinhoso, e consegue disfarçar a feiura das ruas.
Não sabendo o nome da plantinha, e talvez nem nome tenha, como se fosse mais um pobre anônimo das ruas, dei-lhe em batismo informal o apelido de “Bom dia”, porque a plantinha, modesta e acanhada, sempre me acolhe nas caminhadas matinais com a sua radiante saudação: “Bom dia!”.
Parece não se importar com o local insalubre onde vive, com os percalços de viver nas ruas, a sofrer o pisoteio desses humanos poderosos, de ser obrigada a tirar migalhas de alimento do chão petrificado, dos riscos de quem vive ao desabrigo, a plantinha “Bom dia” insiste em abrir suas flores ao sol e alegrar a minha passagem.

Mas, até lá onde procura sobreviver, se local mais adequado não a permitem, a plantinha é perseguida e objeto de destruição. Os garis, autoridades máximas em limpeza das áreas públicas, as dizimam, ceifando-as com suas enxadas e máquinas cortadoras. E mesmo assim, “Bom dia” volta teimosamente a nascer e abrir suas flores, apesar das crueldades que a vida lhe aflige. Resiste aos circunspectos jardineiros e autoritários garis, excluída que é das zelosas floriculturas da elite. 

sábado, 1 de abril de 2017

A cobra e o vaga-lume

Tive a oportunidade de ler num jornal regional do Rio Grande do Sul a seguinte fábula, à la Esopo: Uma cobra perseguia tenazmente um vaga-lume, que tentava por todos os meios  escapar da venenosa serpente. Até que, exausto de fugir, o vaga-lume desistiu e entregou-se. Mas, antes do bote mortal da inimiga, o vaga-lume perguntou: “Senhora cobra, antes de me matar a senhora permitiria que eu lhe fizesse três perguntas?”. A cobra respondeu: “Não costumo permitir que as minhas vítimas falem alguma coisa, mas, vá lá, faça as suas perguntas”. E o vaga-lume perguntou: “Eu, tão pequenino, vou saciar a sua fome?”. A cobra respondeu: “Não”. O vaga-lume fez a segunda pergunta: “Eu faço parte da sua cadeia alimentar?”. E a cobra, novamente, “Não”. E o vaga-lume fez a última pergunta: “Então, por que a senhora me persegue de forma tão inclemente e impiedosa?”. E a cobra respondeu: “Porque a sua luz me incomoda”.
Moral da história: Por precaução, aconselha-se andar, de vez em quando, com farol baixo.