quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Encontro de velhos

Era verão do ano de 2028. No calçadão de Ubatuba passeava claudicante um idoso de 83 anos, ajudado por uma bengala, quando viu outro velho a caminhar em sentido contrário. Arregalou os olhos: “Zé! Zé Dirceu! É você mesmo?”. O outro levantou os olhos e abriu um sorriso: “Lula! Meu amigo! Há quanto tempo!”. Os dois se abraçaram emocionados e os olhos se banharam em lágrimas. Os dois ficaram abraçados um bom tempo, até que Zé Dirceu conduziu o outro para um banco de pedra, onde sentaram.
A conversa inicial girou em torno do cotidiano de ambos, onde moravam, o que faziam, o que estavam fazendo em Ubatuba. Depois, como sempre acontece quando velhos amigos se encontram, vieram as reminiscências.
“Você veja, Zé, estamos nós dois aqui sentados e todos que passam nos ignoram completamente. Se fosse naquele tempo...”.
Zé Dirceu deu um sorriso. “Nem estaríamos aqui sozinhos! Seguranças, um bando de puxa-sacos...”.
“Pois é, o que acabou com a gente foi justamente aquele bando de puxa-sacos, tudo traíra”, disse Lula.
“Nem todos, não é mesmo? Tinha gente leal ao nosso lado”.
“Que fugiram com o rabo entre as pernas quando a coisa enrolou”.
Lula alisou sua barba branca. “Me diz uma coisa, meu querido, o que foi que fizemos de errado?”.
Zé Dirceu tirou um lenço do bolso e enxugou o rosto. “A nossa meta era ficar 24 anos no poder, mas para isso era preciso muito dinheiro. Só que a maior parte do dinheiro acabava nos bolsos dos companheiros e não ia para o Partido”.
Lula se agitou: “É o que eu digo: tudo traíra! Não precisavam ganhar tanto!”.
Zé Dirceu disse baixinho: “Eu lhe avisei na época: não põe essa mulher no meu lugar”.
“Não me diga que ela roubava também?”, perguntou Lula.
“Não! Não digo que ela roubava, mas não era a pessoa indicada para assumir aquele cargo. Uma desmantelada da cabeça! Odiava quem sabia mais do que ela e, por isso, odiava todo mundo, menos os idiotas que a circundavam, como...”
Lula pousou a mão no braço de Zé Dirceu: “Não precisa dizer nomes, conheci a turma”.
Zé Dirceu desconversou: “E o tempo de cadeia? Assim como eu você sofreu um bocado, não foi?”.
Lula deu um muxoxo: “Ah, nem tanto. Não foi tanto tempo assim. Veio o habeas corpus e tudo se resolveu”.
Zé Dirceu deu uma risadinha: “Quem ficou uma fera com a sua liberdade foi aquele juiz lá de Curitiba... Como era o nome dele?”.
Lula pensou, pensou. “Juiz de Curitiba... Sabe que não me lembro do nome dele...”.

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